segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PORTO FELIZ - TERRA DAS MONÇÕES

 

PORTO FELIZ – TERRA DAS MONÇÕES




 

Poucas cidades tem uma importância histórica tão grande para a formação territorial do Brasil quanto a pequena cidade de Porto Feliz, no estado de São Paulo.

Situada a apenas 120 km da capital paulista, a 1h50 de carro, Porto Feliz é considerada a capital das monções, que foram expedições fluviais ocorridas entre 1720 e 1850. Podemos considerar que as monções foram uma continuação do processo de desbravamento e exploração iniciado pelos bandeirantes paulistas e que tiveram um papel muito relevante na colonização da região Centro-Oeste do Brasil, especialmente dos atuais estados de Mato Grosso e Goiás. As monções também foram fundamentais para o desbravamento do interior do país e o alargamento das fronteiras brasileiras.

Gruta N.S. de Lourdes - Parque das Monções


Tais expedições fluviais foram denominadas monções pois elas ocorriam entre o final de março e início de junho, quando o nível das águas era maior. Elas duravam em torno de cinco meses, durante os quais eram percorridos mais de 3500 km.

A aventura das monções se iniciou em 1718, quando o bandeirante Pascoal Moreira Cabral encontrou ouro nos barrancos do rio Cuiabá, no atual estado de Mato Grosso. Rapidamente a notícia se espalhou por toda a província de São Paulo e homens provenientes de todas as partes passaram a tentar chegar às novas áreas auríferas recém-descobertas.

Inicialmente, os bandeirantes partiam de Santana de Parnaíba. Porém, como nessa localidade o rio Tietê é bastante acidentado, decidiram partir para a província de Mato Grosso diretamente do porto de Araritaguaba. Esse era o nome indígena original da localidade, que significa “lugar onde as araras bicam a areia”. Atualmente, a cidade é conhecida por Porto Feliz e foi fundada em 1693 por Antonio Cardoso Pimentel na margem esquerda do rio Anhemby, conhecido atualmente como rio Tietê. Dizem que a cidade se chama Porto Feliz pelo fato de seus habitantes serem conhecidos por sua alegria e hospitalidade, especialmente quando as expedições fluviais retornavam e eram motivo de grandes comemorações.

Monumento aos Bandeirantes - Parque das Monções


O rio Tietê acabou se revelando um grande aliado dos bandeirantes pois, contrariando o fluxo da grande maioria dos rios, que normalmente se dirigem para o mar, o Tietê tem o fluxo contrário, fluindo para o interior do território brasileiro. O rio serviu de via de transporte para todos aqueles que queriam desbravar as províncias de Goiás e Mato Grosso, buscando riquezas pelo interior inexplorado do Brasil.

Às margens do rio Tietê foi construído um estaleiro, no local que é conhecido atualmente como Porto das Monções. Lá foram fabricados incontáveis batelões, que eram embarcações feitas de enormes troncos de peroba rosa escavada, inspirada pelas pirogas indígenas. Elas alcançavam até 12 metros de comprimento e podiam acomodar até 100 pessoas. Atualmente, um dos batelões usados pelos bandeirantes se encontra exposto dentro de uma redoma de vidro, no Parque das Monções. Foi muito emocionante para mim visitar o Porto das Monções e imaginar toda aquela gente partindo rumo ao desconhecido, buscando ouro e pedras preciosas nos cantos mais remotos do Brasil. A sensação ficou ainda mais forte ao ver pessoalmente um batelão original usado pelos bandeirantes em tais empreitadas.

Porto das Monções - Antigo Estaleiro


Há muitos lugares de interesse a serem visitados em Porto Feliz. Um local importante é a antiga residência do capitão-mor José Manoel de Arruda e Abreu, totalmente feita de taipa de pilão e pau a pique. Tal residência abrigou visitantes ilustres, tais como D. Pedro II e o Duque de Caxias. A construção passou a abrigar o Museu das Monções em 1961 e atualmente se encontra em processo de restauração.

Museu das Monções - Em restauração


Outra atração importante é a Casa da Alfândega, local onde era centralizada e realizada toda a cobrança de impostos das monções que retornavam de Goiás e Mato Grosso, abarrotadas de ouro e pedras preciosas. Nesse local, o ouro que chegava era quintado (pagava-se um quinto do ouro descoberto) e enviado para Portugal. A casa se localiza no Largo da Penha, que era onde os bandeirantes se reuniam para preparar as monções antes de suas partidas. Um outro fato relevante que aconteceu nesse local foi que a famosa Expedição Langsdorff, que foi uma expedição russa organizada e chefiada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, que percorreu, entre os anos de 1824 a 1829, mais de dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil, fazendo registros dos aspectos mais variados de sua natureza e sociedade, partiu exatamente deste local.

Atualmente, o espaço é ocupado por um tradicional restaurante da cidade, o Bar e Restaurante do Belini, conhecido na região por preparar um prato denominado “Cearense”.

Casa da Alfândega - Atual Restaurante do Belini


No entanto, a maior atração da cidade é o Parque das Monções. Dentro dele podemos encontrar o Monumento aos Bandeirantes, o Porto das Monções, a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, que reproduz a original, situada na França, além de um exemplar de um batelão dos bandeirantes e o famoso Paredão Salitroso.

Batelão usado nas Monções - Parque das Monções


O Paredão Salitroso é um enorme monumento natural formado por rocha salitrosa, calcário e arenito, formada há mais de 300 milhões de anos. Muitos especialistas afirmam que este sítio arqueológico abriga provas que a região esteve submersa há milhões de anos atrás, pois há grande presença de sal marinho no paredão.

Paredão Salitroso


Em Porto Feliz também se encontra o antigo Engenho Central de Açúcar, que foi o primeiro da província de São Paulo e o terceiro a ser criado em todo o país. Ele foi ativo até 1991, quando foi fechado definitivamente. Atualmente o local está fechado à visitação e é inacessível ao público, podendo apenas ser visto de longe, do Parque das Monções.

Rio Tietê e Engenho Central de Açúcar


Há ainda a antiga estação de trem Sorocabana, que foi transformada em biblioteca municipal e também seu armazém, que atualmente abriga um centro cultural.

Do ponto de vista religioso, a maior atração da cidade é a Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens, de 1747, toda construída em taipa de pilão e pau a pique, em estilo barroco. Há uma lenda sobre a imagem da padroeira da cidade que relata que a imagem chegou a cidade e aguardava a partida de uma monção para ser levada. Entretanto, no dia de sua partida, a imagem se tornou tão pesada que não foi possível coloca-la no batelão. As pessoas entenderam que era sua vontade permanecer em Porto Feliz, se tornando então a padroeira da cidade.

Matriz N.S Mãe dos Homens


Entre algumas curiosidades sobre a cidade, podemos mencionar que foi nela que chegou o primeiro piano em toda a província de São Paulo, proveniente da Europa. Foi em Porto Feliz também que foi criada a primeira loja maçônica da província de São Paulo, em 1831. Houve também imigração belga na cidade, pois várias pessoas provenientes desse país vieram para Porto Feliz a fim de estabelecer uma colônia agrícola e a ensinar aos locais a cultura do trigo, linho, cevada e técnicas de criação de vacas leiteiras.

Atualmente, Porto Feliz celebra seu passado histórico durante a Semana das Monções, realizada anualmente entre os dias 7 e 13 de outubro, na qual são encenadas apresentações ao ar livre retratando acontecimentos da época dos bandeirantes e das monções que ocorreram na cidade.

Se você, assim como eu, é um apaixonado pela história do Brasil, particularmente dos bandeirantes e monções, não deixe de visitar essa cidade tão importante e relevante para a nossa história. Visite esse porto tão feliz!

 

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em novembro de 2018.

sábado, 23 de janeiro de 2021

VILA ITORORÓ

 

VILA ITORORÓ – UM LUGAR ÚNICO EM SÃO PAULO


Vista Panorâmica


Uma grande surpresa. É assim que pode ser definida a sensação de vermos a Vila Itororó pela primeira vez. Poucas vezes tive a oportunidade de conhecer um lugar tão singular e diferente de tudo que já vi antes, como é o caso dessa pequena vila situada em pleno coração de São Paulo, a menos de dois quilômetros da Avenida Paulista.

Quem passa pelo local de acesso frontal da vila, situada à Rua Pedroso, número 238, Bela Vista, jamais poderia imaginar que por trás de uma discreta entrada se encontra uma das construções mais bizarras e inusitadas da cidade de São Paulo e, provavelmente, de todo o Brasil.

Sobrados abandonados


A Vila Itororó foi construída por Francisco de Castro durante 20 anos, a partir do início do século passado. Durante duas décadas, a Vila foi um verdadeiro canteiro de obras para seu criador e construtor. Um local no qual pôde concretizar de maneira única o seu sonho de ser um grande proprietário de pequenos imóveis para locação, além de ter um espaço reservado para seu próprio palacete.

Francisco de Castro era um representante da indústria de tecidos sediada em Americana. Tal atividade permitiu que ele acumulasse o capital necessário para investir em imóveis, passando a adquirir terrenos na capital paulista, nos quais planejava construir pequenas casas para venda e aluguel. A venda e locação de imóveis, na época, assegurava um retorno financeiro garantido para aqueles que possuíam algum capital financeiro para investir, especialmente em bairros nos quais a dinâmica imobiliária oferecesse oportunidades de um rápido retorno financeiro, gerando bons lucros. A área onde se localiza atualmente a Vila Itororó se encaixa exatamente dentro deste perfil, pois já era razoavelmente urbanizada, dispondo do acesso rápido e fácil a serviços importantes, como escolas, hospitais e transporte público.

Casa abandonada


No entanto, como ainda havia várias questões urbanísticas não resolvidas na região, Francisco de Castro conseguiu obter preços vantajosos na aquisição dos terrenos que futuramente vieram a formar a Vila Itororó. Posteriormente, a valorização do metro quadrado construído na região trouxe um ótimo retorno do investimento feito por Castro.

O nome da Vila se originou do córrego Itororó que, até hoje, corre por dentro de seu terreno. A área ocupada pela Vila se encontra delimitada pela Rua Pedroso, onde se encontra a entrada principal, pela Rua Maestro Cardim à direita, pela Rua Martiniano de Carvalho à esquerda e pela Rua Monsenhor Passaláqua ao fundo.

Córrego Itororó


Na criação da Vila, Castro assumiu o papel de proprietário e também de construtor, sendo autor de todo o projeto das construções existentes no local. Como Francisco de Castro era um sujeito ambicioso e tinha um desejo de expor seu novo status social obtido através do aluguel de moradias populares, ele conseguiu estabelecer relações com a elite paulistana da época. Desta forma, muitos intelectuais, artistas e membros da alta sociedade paulistana passaram a frequentar a Vila Itororó.

Acesso à rua Monsenhor Passalaqua


A configuração da Vila é a seguinte: no centro dela foi construído um palacete, para residência da própria família Castro. Inicialmente, tratava-se de uma mansão de dois pisos. Posteriormente, foi acrescentado um terceiro piso. Por fim, foi adicionado um quarto e último piso. O palacete de quatro pavimentos, com trinta e dois cômodos, foi criado em várias etapas e era também adornado por colunas gigantescas, esculturas, fontes, áreas ajardinadas e outros adereços. Grande parte das esculturas e adereços encontrados no local são provenientes do antigo Teatro São José, que era localizado em frente ao Theatro Municipal. Como o Municipal se tornou muito mais popular, o Teatro São José acabou sendo demolido, não antes de ter tido grande parte de suas esculturas e adereços previamente removidos e adquiridos por Castro, que os reaproveitou em seu palacete na Vila Itororó. Desta forma, quem quiser ver ao vivo os últimos remanescentes do Teatro São José precisa ir pessoalmente à Vila Itororó.

Ornamentos do Teatro São José


Na parte mais baixa do terreno, Castro construiu um conjunto de lazer com piscina e uma garagem de vidro, para o Sr Castro poder expor à todos o seu reluzente automóvel, uma novidade reservada aos novos ricos da época. Ao redor de todo o conjunto, se encontram quatro prédios assobradados e catorze casas assobradadas, que eram alugadas por Castro para lhe garantir uma ótima renda mensal.

Foi construída também uma fonte, abastecida pelo córrego Itororó, na qual Castro homenageou o Centenário da Independência, a denominando de “Monumento Comemorativo da Fonte de 1822”.

Infelizmente, durante todo o processo de criação da Vila Itoróro, Francisco de Castro foi se endividando, até que em 1933 o empreendimento foi a leilão, pois seu proprietário não tinha mais condições de mantê-la e pagar suas dívidas.

Com a venda do imóvel começou a decadência da Vila Itororó. O palacete acabou sendo subdividido em quatro residências independentes, com acessos separados. Trinta famílias distintas passaram a ocupar o espaço e as residências existentes. A área de lazer passou a ser alugada ao Éden Liberdade Futebol Clube, que existiu no local até 1990. O acesso à piscina passou a ser reservado aos sócios do clube e aos moradores da Vila que tivessem condições de pagar as mensalidades do clube. No entanto, todos podiam ter acesso às sessões de cinema e bailes que aconteciam por lá.

Escadaria de acesso à rua Martiniano de Carvalho


Segundo Sarah Feldman e Ana Castro, “A dinâmica do “boca a boca” para alugar uma casa foi fundamental para esse tipo de ocupação, estendendo-se entre os amigos e mesmo entre os vizinhos: quando uma casa vagava, rapidamente era passada para algum conhecido, às vezes um morador de outra das casas do próprio conjunto, o que garantiu desde sempre uma sociabilidade intensa entre os moradores... formando uma comunidade em que as relações de parentesco se mesclavam às de amizade.”

Detalhe de estátua na fachada


Mesmo havendo uma sucessão de moradores na Vila entre as décadas de 1930 e 1970, foi mantida uma certa unidade entre os moradores, devido às condições sociais e financeiras dos habitantes, além dos vínculos familiares e de amizade entre eles. No entanto, os habitantes dos dois últimos andares do palacete não se misturavam com o restante dos moradores, não permitindo que seus filhos frequentassem ou circulassem pelas áreas comuns.

Vista frontal


Em 1974, um grupo de arquitetos do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) qualificou a Vila Itororó como “imóvel de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, destinado à preservação”, o que garantiu ao menos que a Vila não fosse demolida para a construção de novos empreendimentos imobiliários. O SESC chegou até mesmo a cogitar a compra da Vila para transformá-la em uma de suas unidades, o que acabou não ocorrendo. Apenas em 2002 a Vila Itororó acabou sendo tombada pelo Conpresp e, posteriormente, também pelo Condephaat em 2005.

Nos últimos anos de habitação da Vila, a área passou a ser ocupada também por cortiços. A infeliz associação entre sublocação, deterioração e descaracterização do conjunto fez com que o local fosse sendo esquecido e abandonado. A Vila Itororó foi habitada até 2013, quando seus últimos moradores foram transferidos para dois conjuntos habitacionais localizados nos arredores da Vila e um terceiro no Bom Retiro, através da desapropriação do local pelo governo do Estado de São Paulo.

Vista de baixo


Eu recomendo à todos que quiserem conhecer uma faceta pouquíssimo conhecida de São Paulo que não deixem de visitar a Vila Itororó, pois se trata  de um lugar realmente único, histórico, visualmente impressionante, que fará com que a maior cidade da América do Sul seja vista por uma perspectiva totalmente diferente por quem a visitar.

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.

Bibliografia usada: Vila Itororó: Uma História em Três Atos, de Sarah Feldman e Ana Castro.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

HAMBURGO - SEGUNDO LAR DOS BEATLES

 

HAMBURGO – SEGUNDO LAR DOS BEATLES

 



Todos os fãs dos Beatles sabem que eles nasceram e foram criados em Liverpool, na Inglaterra. Porém, nem todos sabem que onde eles se tornaram músicos profissionais e aprenderam a ser uma banda de rock and roll original foi no segundo lar deles: Hamburgo, na Alemanha. Como disse John Lennon: “Nós nascemos em Liverpool, mas crescemos em Hamburgo”. Já Paul McCartney declarou: “Nós aprendemos a tocar nossos instrumentos em Liverpool, mas aprendemos a entreter uma plateia em Hamburgo”.

Hamburgo é a segunda maior cidade da Alemanha, atrás apenas de Berlim. É uma cidade portuária, assim como Liverpool. Seu porto é um dos maiores e mais movimentados do mundo. É uma cidade que sempre teve uma forte tradição libertária, onde todo tipo de comportamento era tolerado, especialmente no distrito da luz vermelha de Saint Pauli, local onde os Beatles sempre ficavam hospedados e tocavam em suas estadias na cidade, de agosto de 1960 a agosto de 1962.

Beatles Tour


A rua principal do bairro de Saint Pauli é a famosa Reeperbahn, que no passado, era isolada do resto da cidade por uma muralha, pois era o local de encontro dos ciganos, mendigos, prostitutas e marinheiros. Até mesmo o famoso compositor clássico, Johannes Brahms, passou parte de sua juventude tocando piano nos bares e bordéis de Saint Pauli.



Saint Pauli era um local no qual qualquer coisa de diferente poderia surgir e crescer. Foi exatamente o que aconteceu com a carreira musical dos Beatles. Ela cresceu nos bares de Saint Pauli e acabou por se espalhar por todo o mundo.

Quando chegaram pela primeira vez em Hamburgo, em 1960, o grupo era formado por John Lennon (guitarra base), Paul McCartney (guitarra base), George Harrison (guitarra solo), Stuart Sutcliffe (baixo) e Pete Best (bateria). O quinteto tinha pouca experiência musical, mas muita vontade de vencerem na carreira musical, além de um talento e carisma ímpares.

Eles viajaram de Liverpool para Hamburgo dentro de uma van, na qual transportavam toda sua bagagem pessoal e instrumentos. Viajaram sentados em cima dos amplificadores, já não havia quase nenhum espaço livre pois, além dos cinco Beatles, viajaram também o empresário deles da época, Alan Williams, e três outros assistentes. A pequena van foi transportada do porto de Liverpool para o porto de Hamburgo por navio.

Durante as várias passagens da banda pela cidade, eles tocaram aproximadamente 900 horas nos palcos da cidade, executando mais de 200 canções diferentes. Os Beatles tocavam 8 horas por noite, sete dias por semana. Sem dúvida, viviam uma rotina massacrante de trabalho, que permitiu que eles desenvolvessem suas habilidades musicais e se tornassem músicos realmente profissionais.

Haviam na época apenas quatro “Beat Clubs”, locais onde os Beatles podiam tocar o tipo de música que faziam. Eles foram a única banda a ser convidada a tocar em todos os quatro “clubs”.

Indra

Placa Comemorativa no Indra

Cartaz dos Beatles no Indra


O primeiro clube no qual os Beatles tocaram em Hamburgo foi o Indra (Grosse Freiheit 64). Como não havia lugar para eles dormirem no Indra, eles precisaram se acomodar em um velho cinema, chamado Bambi-Kino. Nele, os Beatles tinham que dormir todos juntos, atrás da tela do cinema, em beliches num quarto sem janelas, praticamente sem iluminação. O banheiro que usavam era o do próprio cinema. 

Bambi Kino

Entrada do Bambi Kino

Placa Comemorativa no Bambi Kino


Em uma das vezes que estavam deixando o local para retornarem à Liverpool, Paul e Pete penduraram algumas camisinhas na parede do quarto onde dormiam e as incendiaram. Quando o dono do local tomou conhecimento do ocorrido, imediatamente chamou a polícia, que prendeu os dois músicos por uma noite, até que fossem deportados no dia seguinte.

Delegacia na qual Paul e Pete foram presos


Os Beatles frequentavam a Herberstrasse, local que até hoje é reservado à prostituição. As duas entradas da pequena rua são bloqueadas por portões, que limitam a circulação no local, com placas proibindo a entrada de menores de idade e mulheres. Os Beatles tiveram várias namoradas que eram prostitutas e que cuidavam deles, pois eram muito jovens, não falavam praticamente nada de alemão e, muitas vezes, não tinham sequer o que comer nem onde tomarem banho ou se lavarem. Paul McCartney disse uma vez: “De repente, tínhamos namoradas que eram strippers. Nós mal tínhamos tido qualquer experiência sexual antes, então isso era formidável.” As prostitutas iam vê-los tocar em suas horas livres e ficaram muito amigas deles, pagando bebidas e até mesmo refeições para os pobres e desconhecidos músicos ingleses.

Herbertstrasse


Ringo Starr tem boas lembranças dos tempos de Hamburgo. Ele declarou que: “Os alemães eram fabulosos. Se eles gostassem de você, lhe davam de presente engradados de cerveja!”.

O segundo clube onde os Beatles tocaram foi o Kaiser Keller (Grosse Freiheit 36). Nessa época, tanto Paul quanto George já haviam aprendido a falar um pouco de alemão e passaram a ter uma interação maior com as plateias. Foi nesse local que Klaus Voorman e Astrid Kirshherr conheceram a banda e ficaram muito amigos de todos os músicos. Klaus Voorman é um grande desenhista e artista que foi convidado pelos Beatles, quando já eram a banda mais famosa do mundo, a criar a capa do brilhante álbum “Revolver”, de 1966.

Kaiserkeller


Astrid se apaixonou por Stuart Sutcliffe, que acabou deixando os Beatles para morar com ela em Hamburgo, até sua morte prematura, quando foi espancado numa briga de rua. Ela foi a primeira pessoa a fotografar os Beatles ao vivo, pois disse que sentiu que eles eram pessoas muito belas, talentosas, engraçadas e que tinham algo de especial. Suas fotos maravilhosas e históricas em preto e branco são lendárias e apreciadas pelos fãs até hoje. Tanto Astrid quanto Klaus influenciaram os Beatles, que passaram a usar jeans e jaquetas de couro nos palcos e também fora deles.

Placa Comemorativa no Kaiserkeller

Cartaz Original no Kaiserkeller


Os Beatles passaram a ser apenas quatro. Já que John e George se recusaram a assumir o baixo, Paul acabou cedendo e passou a ser o baixista da banda. Nessa época, também conheceram o baterista Ringo Starr, que também estava se apresentando em Hamburgo com sua banda, Rory Storm and the Hurricanes, que já eram mais famosos e recebiam um melhor cachê que os Beatles. Ocasionalmente, quando Pete Best não estava disponível ou presente, Ringo Starr passou a tocar informalmente com os Beatles, que imediatamente notaram que ele era a peça que estava faltando no quebra-cabeça da banda e o convidaram para fazer parte do grupo.

Foi também em Hamburgo que John Lennon conseguiu comprar sua famosa guitarra Rickenbacker 325, a qual ele usou durante grande parte da carreira dos Beatles. Foi na cidade também que Paul McCartney comprou seu lendário baixo Hofner, o qual ele usa ao vivo até os dias de hoje em seus shows pelo mundo e que também se tornou um ícone.

Um dos locais favoritos dos Beatles na cidade era o bar Gretel & Alfons. Eles iam lá para beber e relaxar após as apresentações nos clubes. Em uma das ocasiões, Paul acabou saindo sem pagar a conta de 20 marcos. Tal conta só foi paga em 1989 quando ele fez um show na cidade e fez questão de ir lá pessoalmente pagar sua dívida, com juros e correção monetária, além de deixar um poster autografado para os proprietários do bar.

Gretel & Alfons


O terceiro clube onde a banda tocou foi o Top Ten (Reeperbahn 136), que não existe mais. Foi aqui que Paul fez sua estreia como baixista dos Beatles. Eles gostavam do sistema de som da casa, com eco e também um piano, que passou a ser usado esporadicamente por Paul em algumas canções.


Beatles Platz - Silhuetas da banda


Em alguma de suas estadias na cidade, John foi fotografado na porta de um prédio no número 1 da Jagerpassage. Tal foto se tornou conhecida mundialmente quando foi usada na capa de seu álbum solo “Rock and Roll”, de 1975, no qual ele gravou clássicos do rock tocados pelos Beatles nos tempos de Hamburgo.

1 Jagerpassage


O quarto e último clube no qual os Beatles tocaram foi o Star Club (Grosse Freiheit 39). Nesse local, a banda passou a contar piadas no palco, interagir com as plateias e desenvolveram sua presença de palco. Infelizmente houve um incêndio no local em 1983 e a casa acabou sendo demolida três anos mais tarde.

Local do antigo Star Club

Placa Comemorativa no local do antigo Star Club


A banda retornou uma última vez à Hamburgo, em 1966, quando já eram os músicos mais famosos da história, em sua última tournée mundial. O show em Hamburgo em 1966 foi o último que fizeram na Europa. O resto, é história...

Cartaz original do Star Club


Ouça uma playlist especialmente preparada por mim no Spotify contendo muitas canções que os Beatles costumavam tocar em suas apresentações em Hamburgo. Basta clicar abaixo:

https://open.spotify.com/user/marcoandrebriones/playlist/47M553KuFCJuFREkE7EPI9

Marco André Briones – pensarnaoeproibido@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em setembro de 2015.

Bibliografia usada: The Beatles in Hamburg, de Spencer Leigh

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

AREIAS

 

AREIAS – INSPIRAÇÃO PARA MONTEIRO LOBATO

 

Foto de Marcio Masulino Alves


Situada a 250 km de São Paulo, ou 4 horas de viagem de carro, Areias é uma cidade que já foi um dos maiores polos cafeeiros do Brasil e que atualmente tem sua economia baseada na atividade pecuária.

Dizem que o nome da cidade se deve à um episódio ocorrido nos tempos do tropeirismo, quando tropeiros de Minas Gerais e de São Paulo , quando foram comer suas sobremesas depois de jantar, ao abrirem as caixetas onde guardavam suas goiabadas, encontraram apenas areia, pois as sobremesas haviam sido roubadas e, no lugar dela, alguém havia deixado apenas areia. A partir de então, sempre que se referiam ao tal rancho, diziam: “Lá no lugar das areias.”. Outros afirmam que o nome da cidade se dá pelo fato de seu solo ser particularmente arenoso.

Praça Nove de Julho


Presume-se que a chegada dos primeiros bandeirantes e desbravadores na região de Areias tenha ocorrido em 1748. O ponto inicial do desbravamento foi o povoado de Resende, que era chamado inicialmente de Campo Alegre. Desta forma, considera-se que os primeiros povoadores de Areias tenham sido os mesmos que fundaram Resende.

Originalmente um antigo pouso de tropas, à margem do Caminho Novo da Freguesia da Piedade, Areias foi um município pioneiro na produção e exportação de café, através do porto de Mambucaba, entre Paraty e Angra dos Reis.

O ciclo econômico do café durou de 1830 a 1910, durante o qual ocorreu seu apogeu. No entanto, Areias atingiu seu ápice na década de 1850-1860, quando a cidade prosperou por causa de suas grandes fazendas de café e com a construção de sua Igreja Matriz. Além disso, possuía muitos sobrados, ruas, jornais, um teatro, colégios particulares, bandas de música, fazendas de café, entre outros.

A Igreja Matriz de Areias, com suas duas torres é um testemunho da prosperidade e riqueza local, pois apenas as cidades muito ricas terminavam a construção de duas torres em suas igrejas, pois o Vaticano cobrava altos impostos das igrejas que haviam concluído suas torres. O sino da Igreja Matriz de Areias tocou em ocasiões especiais, como o término da Guerra do Paraguai, na Assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, no final da Guerra dos Canudos, na Revolução de 1932 e na Segunda Guerra Mundial.

Igreja Matriz


Areias foi um município com um grande território, do qual foram sucessivamente desmembrados os municípios de Cruzeiro, Queluz, Silveiras, Bananal e São José do Barreiro, todos municípios que fizeram parte do Circuito do Café.

Com o passar do tempo, Areias passou a ser também um núcleo produtor de arroz, feijão, mandioca e cana de açúcar, além da criação de galinhas.

Durante a Revolução de 1842, Areias teve todas as suas garantias constitucionais suspensas e foi anexada à Província do Rio de Janeiro, voltando a fazer parte de São Paulo apenas no ano seguinte, devido à sua oposição ao Império.

Com o declínio da atividade cafeeira e a abolição da escravatura, novas atividades econômicas, tais como pastagens, comércio e industrialização acabaram por substituir o café e foram empregadas como alternativas para a manutenção da atividade econômica da região. Os grandes fazendeiros da região tiveram suas fazendas hipotecadas e mudaram-se para outras partes do estado. Aqueles que ficaram, viram seus cafezais serem transformados em pastos para a pecuária.

O Vale do Paraíba, no qual se situa a cidade de Areias, foi a região que apresentou maior resistência quanto à abolição da escravatura, pois a economia local baseada na cultura cafeeira dependia fortemente da mão de obra escrava. Com o advento da abolição da escravatura, os negros liberados não ficaram na região. Partiram todos para o Rio de Janeiro, pois acreditavam que lá teriam a proteção da Princesa Isabel.

Além da Igreja Matriz, uma outra construção muito importante da cidade é o Solar do Capitão Mor, que foi o local onde se hospedou o Príncipe D. Pedro I, em agosto de 1822. D. Pedro I passou pela cidade em sua viagem para São Paulo, que culminou na Declaração da Independência do Brasil.  Em tal ocasião, pernoitou no Solar de Domingos Moreira da Silva.

A Velha Figueira é uma árvore que ficou muito conhecida na região pois sob sua sombra descansavam os tropeiros e transeuntes que circulavam pelo Caminho Novo da Piedade. Embaixo dela também descansou D. Pedro I, em sua viagem rumo à São Paulo em agosto de 1822. Atualmente existe uma placa comemorativa embaixo da Velha Figueira, celebrando a passagem do primeiro Imperador do Brasil pelo local.

Velha Figueira


No quarto que foi usado por D. Pedro I, no último andar do Solar do Capitão Mor, havia três janelas, cada uma voltada para uma direção diferente, que serviam como um posto de observação. A explicação para tal fato é que o capitão responsável pela expulsão dos últimos índios da região, proprietário do Solar, estava sempre preparado para um ataque indígena e fez de seu quarto, uma torre de vigia.

Eu tive a oportunidade de visitar o quarto no qual ficou hospedado D. Pedro I. Realmente a vista é privilegiada, pois cobre praticamente todos os ângulos da cidade. No entanto, me entristeceu o fato de que a decoração do quarto ter sido totalmente descaracterizada, não havendo absolutamente nenhum móvel remanescente da época. Atualmente, o quarto está decorado com móveis e objetos dos dias de hoje, não combinando com a atmosfera histórica do local.

Vista do Quadro de D.Pedro I


Em dezembro de 1868, ao voltarem de uma longa viagem pela Província de São Paulo, a Princesa Isabel e o Conde D’Eu hospedaram-se em Areias, no Solar da Família Pena.

Hoje em dia, o Solar do Capitão Mor foi transformado em um hotel, chamado Hotel Sant’Anna. O mesmo prédio foi usado para uma das últimas festas da monarquia, organizada pela Princesa Isabel para comemorar a abolição da escravatura. Infelizmente, mais uma vez, o salão no qual ocorreu tal importante festa hoje em dia é o restaurante e salão de café da manhã dos hóspedes, tendo também sido totalmente descaracterizado. O único vestígio remanescente dos tempos áureos do Solar é a existência de uma capelinha, anexa ao salão, existente até hoje, a qual eu também visitei.

Hotel Sant'Anna


Capela do Hotel Sant'Anna


O sobrado anexo ao hotel, é onde residiram Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, outros personagens ilustres na história de Areias.

Euclides da Cunha construiu dois pontilhões de madeira na cidade: um sobre o ribeirão João Paulo, na estrada para São José do Barreiro, e outro sobre o córrego São Domingos, na estrada para Silveiras. Além disso, também projetou e orçou a reforma do prédio da Câmara de Vereadores e Cadeia Pública, que já foi usado como Bolsa de Valores, na qual era negociado todo o café da região.

Areias também é conhecida por ter sido a comarca na qual Monteiro Lobato começou sua vida profissional, como promotor público em 1907. Foi lá que ele escreveu suas primeiras obras, “Urupês” e “Cidades Mortas”, que hoje em dia são considerados clássicos da literatura brasileira. Areias foi usada como modelo para todas as “Cidades Mortas” descritas por Monteiro Lobato em seu renomado livro.

Coincidentemente, Monteiro Lobato ocupou o mesmo quarto em uma pensão que havia sido anteriormente ocupado por Euclides da Cunha.

Em 1950, a construção da nova Rodovia Presidente Dutra, distante 13 km do município, acentuou ainda mais a decadência da cidade, pois quase todo o tráfego que passava por ali acabou sendo desviado para a nova rodovia.

Areias é conhecida por seu clima ameno e prazeroso, sendo muito procurada por pessoas em busca de repouso e para o tratamento de várias doenças, pois a temperatura do local tem um clima tipicamente europeu. Suas águas são cristalinas e puras e seus campos não possuem carrapatos nem bernes. Suas maçãs, peras e pêssegos são renomados pela qualidade e sabor que apresentam.

Quem estiver percorrendo o “Roteiro do Café”, que também inclui as cidades de Silveiras, Bananal, São José do Barreiro e Queluz, não deve deixar de conhecer Areias, pois poderá completar o circuito e conhecer uma simpática cidade, que já serviu de inspiração para Monteiro Lobato.

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.

Bibliografia usada: Areias: Berço do Café no Vale do Paraíba Paulista, de Guido Gilberto do Nascimento