AREIAS
– INSPIRAÇÃO PARA MONTEIRO LOBATO
Situada
a 250 km de São Paulo, ou 4 horas de viagem de carro, Areias é uma cidade que
já foi um dos maiores polos cafeeiros do Brasil e que atualmente tem sua
economia baseada na atividade pecuária.
Dizem
que o nome da cidade se deve à um episódio ocorrido nos tempos do tropeirismo,
quando tropeiros de Minas Gerais e de São Paulo , quando foram comer suas
sobremesas depois de jantar, ao abrirem as caixetas onde guardavam suas
goiabadas, encontraram apenas areia, pois as sobremesas haviam sido roubadas e,
no lugar dela, alguém havia deixado apenas areia. A partir de então, sempre que
se referiam ao tal rancho, diziam: “Lá no lugar das areias.”. Outros afirmam
que o nome da cidade se dá pelo fato de seu solo ser particularmente arenoso.
Praça Nove de Julho |
Presume-se
que a chegada dos primeiros bandeirantes e desbravadores na região de Areias
tenha ocorrido em 1748. O ponto inicial do desbravamento foi o povoado de
Resende, que era chamado inicialmente de Campo Alegre. Desta forma,
considera-se que os primeiros povoadores de Areias tenham sido os mesmos que
fundaram Resende.
Originalmente
um antigo pouso de tropas, à margem do Caminho Novo da Freguesia da Piedade,
Areias foi um município pioneiro na produção e exportação de café, através do
porto de Mambucaba, entre Paraty e Angra dos Reis.
O
ciclo econômico do café durou de 1830 a 1910, durante o qual ocorreu seu
apogeu. No entanto, Areias atingiu seu ápice na década de 1850-1860, quando a
cidade prosperou por causa de suas grandes fazendas de café e com a construção
de sua Igreja Matriz. Além disso, possuía muitos sobrados, ruas, jornais, um
teatro, colégios particulares, bandas de música, fazendas de café, entre
outros.
A
Igreja Matriz de Areias, com suas duas torres é um testemunho da prosperidade e
riqueza local, pois apenas as cidades muito ricas terminavam a construção de
duas torres em suas igrejas, pois o Vaticano cobrava altos impostos das igrejas
que haviam concluído suas torres. O sino da Igreja Matriz de Areias tocou em
ocasiões especiais, como o término da Guerra do Paraguai, na Assinatura da Lei
Áurea pela Princesa Isabel, no final da Guerra dos Canudos, na Revolução de
1932 e na Segunda Guerra Mundial.
Igreja Matriz |
Areias
foi um município com um grande território, do qual foram sucessivamente
desmembrados os municípios de Cruzeiro, Queluz, Silveiras, Bananal e São José
do Barreiro, todos municípios que fizeram parte do Circuito do Café.
Com
o passar do tempo, Areias passou a ser também um núcleo produtor de arroz,
feijão, mandioca e cana de açúcar, além da criação de galinhas.
Durante
a Revolução de 1842, Areias teve todas as suas garantias constitucionais
suspensas e foi anexada à Província do Rio de Janeiro, voltando a fazer parte
de São Paulo apenas no ano seguinte, devido à sua oposição ao Império.
Com
o declínio da atividade cafeeira e a abolição da escravatura, novas atividades
econômicas, tais como pastagens, comércio e industrialização acabaram por
substituir o café e foram empregadas como alternativas para a manutenção da
atividade econômica da região. Os grandes fazendeiros da região tiveram suas
fazendas hipotecadas e mudaram-se para outras partes do estado. Aqueles que
ficaram, viram seus cafezais serem transformados em pastos para a pecuária.
O
Vale do Paraíba, no qual se situa a cidade de Areias, foi a região que
apresentou maior resistência quanto à abolição da escravatura, pois a economia
local baseada na cultura cafeeira dependia fortemente da mão de obra escrava.
Com o advento da abolição da escravatura, os negros liberados não ficaram na
região. Partiram todos para o Rio de Janeiro, pois acreditavam que lá teriam a
proteção da Princesa Isabel.
Além
da Igreja Matriz, uma outra construção muito importante da cidade é o Solar do
Capitão Mor, que foi o local onde se hospedou o Príncipe D. Pedro I, em agosto
de 1822. D. Pedro I passou pela cidade em sua viagem para São Paulo, que
culminou na Declaração da Independência do Brasil. Em tal ocasião, pernoitou no Solar de
Domingos Moreira da Silva.
A
Velha Figueira é uma árvore que ficou muito conhecida na região pois sob sua
sombra descansavam os tropeiros e transeuntes que circulavam pelo Caminho Novo
da Piedade. Embaixo dela também descansou D. Pedro I, em sua viagem rumo à São
Paulo em agosto de 1822. Atualmente existe uma placa comemorativa embaixo da
Velha Figueira, celebrando a passagem do primeiro Imperador do Brasil pelo
local.
Velha Figueira |
No
quarto que foi usado por D. Pedro I, no último andar do Solar do Capitão Mor,
havia três janelas, cada uma voltada para uma direção diferente, que serviam
como um posto de observação. A explicação para tal fato é que o capitão
responsável pela expulsão dos últimos índios da região, proprietário do Solar,
estava sempre preparado para um ataque indígena e fez de seu quarto, uma torre
de vigia.
Eu
tive a oportunidade de visitar o quarto no qual ficou hospedado D. Pedro I.
Realmente a vista é privilegiada, pois cobre praticamente todos os ângulos da
cidade. No entanto, me entristeceu o fato de que a decoração do quarto ter sido
totalmente descaracterizada, não havendo absolutamente nenhum móvel
remanescente da época. Atualmente, o quarto está decorado com móveis e objetos
dos dias de hoje, não combinando com a atmosfera histórica do local.
Vista do Quadro de D.Pedro I |
Em
dezembro de 1868, ao voltarem de uma longa viagem pela Província de São Paulo,
a Princesa Isabel e o Conde D’Eu hospedaram-se em Areias, no Solar da Família
Pena.
Hoje
em dia, o Solar do Capitão Mor foi transformado em um hotel, chamado Hotel
Sant’Anna. O mesmo prédio foi usado para uma das últimas festas da monarquia,
organizada pela Princesa Isabel para comemorar a abolição da escravatura. Infelizmente,
mais uma vez, o salão no qual ocorreu tal importante festa hoje em dia é o
restaurante e salão de café da manhã dos hóspedes, tendo também sido totalmente
descaracterizado. O único vestígio remanescente dos tempos áureos do Solar é a
existência de uma capelinha, anexa ao salão, existente até hoje, a qual eu
também visitei.
Hotel Sant'Anna |
Capela do Hotel Sant'Anna |
O sobrado anexo ao hotel, é onde residiram Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, outros personagens ilustres na história de Areias.
Euclides
da Cunha construiu dois pontilhões de madeira na cidade: um sobre o ribeirão
João Paulo, na estrada para São José do Barreiro, e outro sobre o córrego São
Domingos, na estrada para Silveiras. Além disso, também projetou e orçou a
reforma do prédio da Câmara de Vereadores e Cadeia Pública, que já foi usado
como Bolsa de Valores, na qual era negociado todo o café da região.
Areias
também é conhecida por ter sido a comarca na qual Monteiro Lobato começou sua
vida profissional, como promotor público em 1907. Foi lá que ele escreveu suas
primeiras obras, “Urupês” e “Cidades Mortas”, que hoje em dia são considerados
clássicos da literatura brasileira. Areias foi usada como modelo para todas as
“Cidades Mortas” descritas por Monteiro Lobato em seu renomado livro.
Coincidentemente,
Monteiro Lobato ocupou o mesmo quarto em uma pensão que havia sido
anteriormente ocupado por Euclides da Cunha.
Em
1950, a construção da nova Rodovia Presidente Dutra, distante 13 km do
município, acentuou ainda mais a decadência da cidade, pois quase todo o
tráfego que passava por ali acabou sendo desviado para a nova rodovia.
Areias
é conhecida por seu clima ameno e prazeroso, sendo muito procurada por pessoas
em busca de repouso e para o tratamento de várias doenças, pois a temperatura
do local tem um clima tipicamente europeu. Suas águas são cristalinas e puras e
seus campos não possuem carrapatos nem bernes. Suas maçãs, peras e pêssegos são
renomados pela qualidade e sabor que apresentam.
Quem
estiver percorrendo o “Roteiro do Café”, que também inclui as cidades de
Silveiras, Bananal, São José do Barreiro e Queluz, não deve deixar de conhecer
Areias, pois poderá completar o circuito e conhecer uma simpática cidade, que
já serviu de inspiração para Monteiro Lobato.
Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
Todas as fotos da
matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.
Bibliografia
usada: Areias: Berço do Café no Vale do Paraíba Paulista, de Guido Gilberto do
Nascimento