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sábado, 23 de janeiro de 2021

VILA ITORORÓ

 

VILA ITORORÓ – UM LUGAR ÚNICO EM SÃO PAULO


Vista Panorâmica


Uma grande surpresa. É assim que pode ser definida a sensação de vermos a Vila Itororó pela primeira vez. Poucas vezes tive a oportunidade de conhecer um lugar tão singular e diferente de tudo que já vi antes, como é o caso dessa pequena vila situada em pleno coração de São Paulo, a menos de dois quilômetros da Avenida Paulista.

Quem passa pelo local de acesso frontal da vila, situada à Rua Pedroso, número 238, Bela Vista, jamais poderia imaginar que por trás de uma discreta entrada se encontra uma das construções mais bizarras e inusitadas da cidade de São Paulo e, provavelmente, de todo o Brasil.

Sobrados abandonados


A Vila Itororó foi construída por Francisco de Castro durante 20 anos, a partir do início do século passado. Durante duas décadas, a Vila foi um verdadeiro canteiro de obras para seu criador e construtor. Um local no qual pôde concretizar de maneira única o seu sonho de ser um grande proprietário de pequenos imóveis para locação, além de ter um espaço reservado para seu próprio palacete.

Francisco de Castro era um representante da indústria de tecidos sediada em Americana. Tal atividade permitiu que ele acumulasse o capital necessário para investir em imóveis, passando a adquirir terrenos na capital paulista, nos quais planejava construir pequenas casas para venda e aluguel. A venda e locação de imóveis, na época, assegurava um retorno financeiro garantido para aqueles que possuíam algum capital financeiro para investir, especialmente em bairros nos quais a dinâmica imobiliária oferecesse oportunidades de um rápido retorno financeiro, gerando bons lucros. A área onde se localiza atualmente a Vila Itororó se encaixa exatamente dentro deste perfil, pois já era razoavelmente urbanizada, dispondo do acesso rápido e fácil a serviços importantes, como escolas, hospitais e transporte público.

Casa abandonada


No entanto, como ainda havia várias questões urbanísticas não resolvidas na região, Francisco de Castro conseguiu obter preços vantajosos na aquisição dos terrenos que futuramente vieram a formar a Vila Itororó. Posteriormente, a valorização do metro quadrado construído na região trouxe um ótimo retorno do investimento feito por Castro.

O nome da Vila se originou do córrego Itororó que, até hoje, corre por dentro de seu terreno. A área ocupada pela Vila se encontra delimitada pela Rua Pedroso, onde se encontra a entrada principal, pela Rua Maestro Cardim à direita, pela Rua Martiniano de Carvalho à esquerda e pela Rua Monsenhor Passaláqua ao fundo.

Córrego Itororó


Na criação da Vila, Castro assumiu o papel de proprietário e também de construtor, sendo autor de todo o projeto das construções existentes no local. Como Francisco de Castro era um sujeito ambicioso e tinha um desejo de expor seu novo status social obtido através do aluguel de moradias populares, ele conseguiu estabelecer relações com a elite paulistana da época. Desta forma, muitos intelectuais, artistas e membros da alta sociedade paulistana passaram a frequentar a Vila Itororó.

Acesso à rua Monsenhor Passalaqua


A configuração da Vila é a seguinte: no centro dela foi construído um palacete, para residência da própria família Castro. Inicialmente, tratava-se de uma mansão de dois pisos. Posteriormente, foi acrescentado um terceiro piso. Por fim, foi adicionado um quarto e último piso. O palacete de quatro pavimentos, com trinta e dois cômodos, foi criado em várias etapas e era também adornado por colunas gigantescas, esculturas, fontes, áreas ajardinadas e outros adereços. Grande parte das esculturas e adereços encontrados no local são provenientes do antigo Teatro São José, que era localizado em frente ao Theatro Municipal. Como o Municipal se tornou muito mais popular, o Teatro São José acabou sendo demolido, não antes de ter tido grande parte de suas esculturas e adereços previamente removidos e adquiridos por Castro, que os reaproveitou em seu palacete na Vila Itororó. Desta forma, quem quiser ver ao vivo os últimos remanescentes do Teatro São José precisa ir pessoalmente à Vila Itororó.

Ornamentos do Teatro São José


Na parte mais baixa do terreno, Castro construiu um conjunto de lazer com piscina e uma garagem de vidro, para o Sr Castro poder expor à todos o seu reluzente automóvel, uma novidade reservada aos novos ricos da época. Ao redor de todo o conjunto, se encontram quatro prédios assobradados e catorze casas assobradadas, que eram alugadas por Castro para lhe garantir uma ótima renda mensal.

Foi construída também uma fonte, abastecida pelo córrego Itororó, na qual Castro homenageou o Centenário da Independência, a denominando de “Monumento Comemorativo da Fonte de 1822”.

Infelizmente, durante todo o processo de criação da Vila Itoróro, Francisco de Castro foi se endividando, até que em 1933 o empreendimento foi a leilão, pois seu proprietário não tinha mais condições de mantê-la e pagar suas dívidas.

Com a venda do imóvel começou a decadência da Vila Itororó. O palacete acabou sendo subdividido em quatro residências independentes, com acessos separados. Trinta famílias distintas passaram a ocupar o espaço e as residências existentes. A área de lazer passou a ser alugada ao Éden Liberdade Futebol Clube, que existiu no local até 1990. O acesso à piscina passou a ser reservado aos sócios do clube e aos moradores da Vila que tivessem condições de pagar as mensalidades do clube. No entanto, todos podiam ter acesso às sessões de cinema e bailes que aconteciam por lá.

Escadaria de acesso à rua Martiniano de Carvalho


Segundo Sarah Feldman e Ana Castro, “A dinâmica do “boca a boca” para alugar uma casa foi fundamental para esse tipo de ocupação, estendendo-se entre os amigos e mesmo entre os vizinhos: quando uma casa vagava, rapidamente era passada para algum conhecido, às vezes um morador de outra das casas do próprio conjunto, o que garantiu desde sempre uma sociabilidade intensa entre os moradores... formando uma comunidade em que as relações de parentesco se mesclavam às de amizade.”

Detalhe de estátua na fachada


Mesmo havendo uma sucessão de moradores na Vila entre as décadas de 1930 e 1970, foi mantida uma certa unidade entre os moradores, devido às condições sociais e financeiras dos habitantes, além dos vínculos familiares e de amizade entre eles. No entanto, os habitantes dos dois últimos andares do palacete não se misturavam com o restante dos moradores, não permitindo que seus filhos frequentassem ou circulassem pelas áreas comuns.

Vista frontal


Em 1974, um grupo de arquitetos do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) qualificou a Vila Itororó como “imóvel de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, destinado à preservação”, o que garantiu ao menos que a Vila não fosse demolida para a construção de novos empreendimentos imobiliários. O SESC chegou até mesmo a cogitar a compra da Vila para transformá-la em uma de suas unidades, o que acabou não ocorrendo. Apenas em 2002 a Vila Itororó acabou sendo tombada pelo Conpresp e, posteriormente, também pelo Condephaat em 2005.

Nos últimos anos de habitação da Vila, a área passou a ser ocupada também por cortiços. A infeliz associação entre sublocação, deterioração e descaracterização do conjunto fez com que o local fosse sendo esquecido e abandonado. A Vila Itororó foi habitada até 2013, quando seus últimos moradores foram transferidos para dois conjuntos habitacionais localizados nos arredores da Vila e um terceiro no Bom Retiro, através da desapropriação do local pelo governo do Estado de São Paulo.

Vista de baixo


Eu recomendo à todos que quiserem conhecer uma faceta pouquíssimo conhecida de São Paulo que não deixem de visitar a Vila Itororó, pois se trata  de um lugar realmente único, histórico, visualmente impressionante, que fará com que a maior cidade da América do Sul seja vista por uma perspectiva totalmente diferente por quem a visitar.

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.

Bibliografia usada: Vila Itororó: Uma História em Três Atos, de Sarah Feldman e Ana Castro.