VILA
ITORORÓ – UM LUGAR ÚNICO EM SÃO PAULO
Vista Panorâmica |
Uma
grande surpresa. É assim que pode ser definida a sensação de vermos a Vila
Itororó pela primeira vez. Poucas vezes tive a oportunidade de conhecer um lugar
tão singular e diferente de tudo que já vi antes, como é o caso dessa pequena
vila situada em pleno coração de São Paulo, a menos de dois quilômetros da
Avenida Paulista.
Quem
passa pelo local de acesso frontal da vila, situada à Rua Pedroso, número 238,
Bela Vista, jamais poderia imaginar que por trás de uma discreta entrada se
encontra uma das construções mais bizarras e inusitadas da cidade de São Paulo
e, provavelmente, de todo o Brasil.
Sobrados abandonados |
A
Vila Itororó foi construída por Francisco de Castro durante 20 anos, a partir
do início do século passado. Durante duas décadas, a Vila foi um verdadeiro
canteiro de obras para seu criador e construtor. Um local no qual pôde
concretizar de maneira única o seu sonho de ser um grande proprietário de
pequenos imóveis para locação, além de ter um espaço reservado para seu próprio
palacete.
Francisco
de Castro era um representante da indústria de tecidos sediada em Americana. Tal
atividade permitiu que ele acumulasse o capital necessário para investir em
imóveis, passando a adquirir terrenos na capital paulista, nos quais planejava
construir pequenas casas para venda e aluguel. A venda e locação de imóveis, na
época, assegurava um retorno financeiro garantido para aqueles que possuíam
algum capital financeiro para investir, especialmente em bairros nos quais a
dinâmica imobiliária oferecesse oportunidades de um rápido retorno financeiro,
gerando bons lucros. A área onde se localiza atualmente a Vila Itororó se
encaixa exatamente dentro deste perfil, pois já era razoavelmente urbanizada,
dispondo do acesso rápido e fácil a serviços importantes, como escolas,
hospitais e transporte público.
Casa abandonada |
No
entanto, como ainda havia várias questões urbanísticas não resolvidas na
região, Francisco de Castro conseguiu obter preços vantajosos na aquisição dos
terrenos que futuramente vieram a formar a Vila Itororó. Posteriormente, a valorização
do metro quadrado construído na região trouxe um ótimo retorno do investimento
feito por Castro.
O
nome da Vila se originou do córrego Itororó que, até hoje, corre por dentro de
seu terreno. A área ocupada pela Vila se encontra delimitada pela Rua Pedroso,
onde se encontra a entrada principal, pela Rua Maestro Cardim à direita, pela
Rua Martiniano de Carvalho à esquerda e pela Rua Monsenhor Passaláqua ao fundo.
Córrego Itororó |
Na
criação da Vila, Castro assumiu o papel de proprietário e também de construtor,
sendo autor de todo o projeto das construções existentes no local. Como
Francisco de Castro era um sujeito ambicioso e tinha um desejo de expor seu
novo status social obtido através do aluguel de moradias populares, ele
conseguiu estabelecer relações com a elite paulistana da época. Desta forma,
muitos intelectuais, artistas e membros da alta sociedade paulistana passaram a
frequentar a Vila Itororó.
Acesso à rua Monsenhor Passalaqua |
A
configuração da Vila é a seguinte: no centro dela foi construído um palacete,
para residência da própria família Castro. Inicialmente, tratava-se de uma
mansão de dois pisos. Posteriormente, foi acrescentado um terceiro piso. Por
fim, foi adicionado um quarto e último piso. O palacete de quatro pavimentos,
com trinta e dois cômodos, foi criado em várias etapas e era também adornado
por colunas gigantescas, esculturas, fontes, áreas ajardinadas e outros
adereços. Grande parte das esculturas e adereços encontrados no local são
provenientes do antigo Teatro São José, que era localizado em frente ao Theatro
Municipal. Como o Municipal se tornou muito mais popular, o Teatro São José
acabou sendo demolido, não antes de ter tido grande parte de suas esculturas e
adereços previamente removidos e adquiridos por Castro, que os reaproveitou em
seu palacete na Vila Itororó. Desta forma, quem quiser ver ao vivo os últimos
remanescentes do Teatro São José precisa ir pessoalmente à Vila Itororó.
Ornamentos do Teatro São José |
Na
parte mais baixa do terreno, Castro construiu um conjunto de lazer com piscina
e uma garagem de vidro, para o Sr Castro poder expor à todos o seu reluzente
automóvel, uma novidade reservada aos novos ricos da época. Ao redor de todo o
conjunto, se encontram quatro prédios assobradados e catorze casas
assobradadas, que eram alugadas por Castro para lhe garantir uma ótima renda
mensal.
Foi
construída também uma fonte, abastecida pelo córrego Itororó, na qual Castro
homenageou o Centenário da Independência, a denominando de “Monumento
Comemorativo da Fonte de 1822”.
Infelizmente,
durante todo o processo de criação da Vila Itoróro, Francisco de Castro foi se
endividando, até que em 1933 o empreendimento foi a leilão, pois seu
proprietário não tinha mais condições de mantê-la e pagar suas dívidas.
Com
a venda do imóvel começou a decadência da Vila Itororó. O palacete acabou sendo
subdividido em quatro residências independentes, com acessos separados. Trinta
famílias distintas passaram a ocupar o espaço e as residências existentes. A
área de lazer passou a ser alugada ao Éden Liberdade Futebol Clube, que existiu
no local até 1990. O acesso à piscina passou a ser reservado aos sócios do
clube e aos moradores da Vila que tivessem condições de pagar as mensalidades
do clube. No entanto, todos podiam ter acesso às sessões de cinema e bailes que
aconteciam por lá.
Escadaria de acesso à rua Martiniano de Carvalho |
Segundo
Sarah Feldman e Ana Castro, “A dinâmica do “boca a boca” para alugar uma casa
foi fundamental para esse tipo de ocupação, estendendo-se entre os amigos e
mesmo entre os vizinhos: quando uma casa vagava, rapidamente era passada para
algum conhecido, às vezes um morador de outra das casas do próprio conjunto, o
que garantiu desde sempre uma sociabilidade intensa entre os moradores...
formando uma comunidade em que as relações de parentesco se mesclavam às de
amizade.”
Detalhe de estátua na fachada |
Mesmo
havendo uma sucessão de moradores na Vila entre as décadas de 1930 e 1970, foi
mantida uma certa unidade entre os moradores, devido às condições sociais e
financeiras dos habitantes, além dos vínculos familiares e de amizade entre
eles. No entanto, os habitantes dos dois últimos andares do palacete não se misturavam
com o restante dos moradores, não permitindo que seus filhos frequentassem ou
circulassem pelas áreas comuns.
Vista frontal |
Em
1974, um grupo de arquitetos do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) qualificou
a Vila Itororó como “imóvel de caráter histórico ou de excepcional valor
artístico, cultural ou paisagístico, destinado à preservação”, o que garantiu
ao menos que a Vila não fosse demolida para a construção de novos
empreendimentos imobiliários. O SESC chegou até mesmo a cogitar a compra da
Vila para transformá-la em uma de suas unidades, o que acabou não ocorrendo.
Apenas em 2002 a Vila Itororó acabou sendo tombada pelo Conpresp e,
posteriormente, também pelo Condephaat em 2005.
Nos
últimos anos de habitação da Vila, a área passou a ser ocupada também por
cortiços. A infeliz associação entre sublocação, deterioração e
descaracterização do conjunto fez com que o local fosse sendo esquecido e
abandonado. A Vila Itororó foi habitada até 2013, quando seus últimos moradores
foram transferidos para dois conjuntos habitacionais localizados nos arredores
da Vila e um terceiro no Bom Retiro, através da desapropriação do local pelo
governo do Estado de São Paulo.
Vista de baixo |
Eu recomendo à todos que quiserem conhecer uma faceta pouquíssimo conhecida de São Paulo que não deixem de visitar a Vila Itororó, pois se trata de um lugar realmente único, histórico, visualmente impressionante, que fará com que a maior cidade da América do Sul seja vista por uma perspectiva totalmente diferente por quem a visitar.
Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
Todas as fotos da
matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.
Bibliografia
usada: Vila Itororó: Uma História em Três Atos, de Sarah Feldman e Ana Castro.