quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

SILVEIRAS - CAPITAL DO TROPEIRISMO

 

SILVEIRAS – CAPITAL DO TROPEIRISMO

 



Quem visita a pequena e pitoresca cidade de Silveiras nos dias atuais mal pode imaginar quantas histórias podem ser contadas sobre o que se passou por ali. São justamente algumas dessas histórias que eu gostaria de compartilhar com meus leitores, pois tenho certeza que muitos ficarão surpresos ao conhecerem um pouco sobre esta cidade pouco lembrada pelos turistas.

Desde que foram descobertas as primeiras minas de ouro em Mato Grosso e Minas Gerais, no início do século XVIII, havia, por parte das autoridades portuguesas, uma grande preocupação em se criar uma estrada que ligasse São Paulo ao Rio de Janeiro por terra, tendo em vista que o trajeto pelo litoral era muito perigoso, pois o mesmo era frequentemente atacado por corsários, que roubavam as preciosas cargas de ouro e pedras preciosas transportadas pelas embarcações lusitanas, trazendo enorme prejuízo à Coroa Portuguesa.

Tendo como ponto de partida a necessidade de se efetuar o transporte de tais cargas de maneira segura, o governo português passou e estimular que fossem criadas trilhas pelo interior do território da colônia brasileira, através da distribuição de terras a serem povoadas e cultivadas, através do estabelecimento de ranchos ao longo do caminho, a fim de servir de pouso para os tropeiros que faziam o trajeto ligando as “Minas Geraes” até o porto de Paraty, no futuro estado do Rio de Janeiro. Foi surgindo também ao longo de tal trilha um pequeno comércio para atender os tropeiros, que foram os pioneiros no transporte de vários tipos de produtos pelo território colonial.

Tal estrada foi sendo aberta aos poucos, e foi denominada de “Caminho Novo” ou “Estrada Real”, por onde seria escoado o ouro que vinha de Minas Gerais para ser fundido no Rio de Janeiro. Não devemos, no entanto, nos esquecer que a finalidade principal para a criação desta estrada foi a de garantir os cofres de sua Majestade.



Uma das famílias que se estabeleceu ao longo de tal trilha foi a dos Silveiras, que foram seus primeiros habitantes e ergueram o Rancho do Tropeiro que, futuramente, acabou dando origem à cidade que surgiu no local, e que acabou herdando o nome de tal família de pioneiros.

Há fortes indícios de que a futura cidade de Silveiras tenha sido planejada, pois as três praças principais da cidade têm as mesmas medidas, formando retângulos exatamente iguais. As quatro ruas transversais são também do mesmo comprimento e foram traçadas geometricamente, dando a impressão que foram traçadas antes em um mapa. Apenas as duas ruas mais longas da cidade são tortas, desiguais e desalinhadas, mas todas as ruas centrais são perfeitamente alinhadas.

A pequena cidade foi se expandindo e sua primeira visita marcante foi a do futuro Imperador D. Pedro I, que estava a caminho de São Paulo, em sua viagem histórica que acabou culminando com o “Grito do Ipiranga” e a Independência do Brasil. O então Príncipe almoçou em Silveiras, jantou em Cachoeira Paulista e dormiu em Lorena antes de chegar à cidade de São Paulo.

Em 1842, ocorreram as Revoltas Liberais, que foram movimentos que agitaram o país durante o período imperial de D. Pedro II. Tais movimentos foram promovidos, organizados e incitados pelo Partido Liberal, que contestava a ascensão do Partido Conservador ao poder. Tais fatores deram origem a rebeliões em São Paulo e Minas Gerais.

Silveiras, em particular, sofreu muito com tais revoltas, pois sua população levantou-se contra o Imperador D. Pedro II que, por sua vez, enviou o Barão de Caxias, futuro Duque de Caxias, para reprimir tais movimentos.

Como Silveiras foi a única cidade da província de São Paulo a oferecer resistência às tropas imperiais, teve de pagar um preço caro por tal afronta. Após uma batalha, a cidade foi derrotada por Caxias e ocupada pelas tropas imperiais. Silveiras se rendeu após o episódio conhecido como “Trincheiras”, quando 56 chefes de família silveirenses foram assassinados pelas tropas lideradas pelo Barão de Caxias. A cidade foi totalmente destruída na manhã de 12 de julho de 1842 e, no local do grande combate, existe hoje um monumento erguido à tragédia sofrida pela população local. Vestígios de tais trincheiras existem até hoje, para testemunhar os acontecimentos de 1842.

A Revolução Liberal de 1842 deixou marcas tão profundas em Silveiras que a reconstrução da cidade levou mais de 2 anos para ser concluída. Além disso, o município de Silveiras foi desligado da Província de São Paulo e foi anexado ao Rio de Janeiro, como castigo por ter tomado parte da Revolução de 1842. Caxias pensava que os silveirenses deveriam pagar caro pela audácia de terem se levantado em armas contra o Governo Central.

Um outro ilustre visitante que esteve em várias ocasiões na cidade foi Euclides da Cunha, pois este era engenheiro e lá realizou várias obras, entre elas a reforma da cadeia municipal e a canalização de um córrego local para o abastecimento de água da cidade.

A cidade entrou em decadência devido à vários fatores: primeiramente, com a abolição da escravatura e com o esgotamento das terras que eram usadas sem adubo durante o Ciclo do Café e com a posterior expansão dos cafezais para o oeste do Estado de São Paulo. A quebra da bolsa de valores de Nova York trouxe uma queda brutal no preço do café, acentuando o declínio dos fazendeiros silveirenses. Além disso, houve uma enorme frustração gerada quando foi feito o prolongamento da estrada de ferro Central do Brasil, de Cruzeiro até Bananal, que deveria ter passado por Silveiras, Areias e São José do Barreiro, mas, devido ao histórico revoltoso da cidade, esta acabou sendo preterida por outras cidades. Por fim, a industrialização das cidades vizinhas também relegou Silveiras à um segundo plano, deixando-a no ostracismo.

Por todos esses motivos é que Monteiro Lobato, em sua memorável obra “Cidades Mortas”, fez um relato do cenário desolador enfrentado por Silveiras e outras cidades da região, pois ele havia presenciado tal situação de perto, quando residiu em Areias, cidade vizinha à Silveiras.

Em 1932, Silveiras sofreu novamente com a eclosão da Revolução Constitucionalista de 1932, pois foi novamente derrotada pelas tropas governamentais que, desta vez, queimaram todos os arquivos e documentos de cartório e históricos existentes na cidade, além de terem saqueado todas suas casas. Em tal ocasião, a cidade foi bombardeada, suas casas destruídas e seu povo foi intimado a deixar a cidade.

Silveiras precisou de muitos anos para conseguir se reerguer. Atualmente, ela é conhecida como “Capital do Tropeirismo”, devido à sua participação decisiva na época em que os tropeiros faziam a ligação entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Foram criados movimentos para preservar a memória e cultura tropeirista, sua culinária, vestimentas e tradições. Foi criado também o movimento Tropeirista, por Ocílio Ferraz, que também foi proprietário de um restaurante conhecido na região, o Restaurante do Ocílio, além de ter presidido a Fundação Nacional do Tropeiro.

Nos dias de hoje, a cidade recebe visitantes que a procuram por suas belezas naturais, pela cultura tropeirista e seu artesanato de madeira, especializado em lindas peças  reproduzindo pássaros locais. Este artesanato espalhou-se por todo o Brasil e é atualmente exportado para vários países do mundo. Eu mesmo tive a oportunidade de visitar vários ateliês de artesãos talentosos, sendo que o que mais me agradou, devido à qualidade inquestionável de suas peças foi o “Entre no Paraíso Ateliê e Café”, situado na Rodovia dos Tropeiros km 218.




Por fim, uma outra atração para os turistas que visitam Silveiras é o Santuário da Santa Cabeça, também localizado na Rodovia dos Tropeiros, um pouco antes da entrada da cidade.



O santuário teve sua origem por volta de 1829, quando dois homens que pescavam no rio Tietê recolheram em suas redes a cabeça de uma imagem de Nossa Senhora. Eles deram tal achado para uma moradora local, que a guardava em casa tal peça e passou a receber vários visitantes a fim de fazerem pedidos à Nossa Senhora. Como o fluxo de visitantes cresceu exponencialmente, foram angariados fundos para a construção do santuário, que passou a receber peregrinos de todo o Brasil, que vêm rezar e agradecer os milagres que atribuem à imagem.

A imagem venerada com o nome de Santa Cabeça se trata de uma cabeça que está guardada dentro de uma redoma de vidro e cercada de uma moldura dourada, sustentada por dois anjos. No santuário também podemos visitar a sala dos milagres, com inúmeras cabeças de cera, que são objetos de promessas dos fiéis e romeiros, que invocam a Santa Cabeça para interceder em seus nomes por todas as enfermidades relacionadas à cabeça. Atualmente, dois milhões de pessoas visitam o santuário anualmente, tendo sido necessário até mesmo a criação de um estacionamento específico para ônibus de romeiros e peregrinos.



Silveiras também integra o Circuito Religioso do Estado de São Paulo, juntamente com as cidades de Aparecida e Guaratinguetá.

Portanto, se você ficou curioso em conhecer pessoalmente todos os lugares que mencionei, não deixe de visitar Silveiras quando estiver de passagem pela região e aproveite para saborear a deliciosa cozinha tropeira e comprar lindos pássaros de madeira do artesanato local. Serão belas lembranças que lhe farão companhia por muito tempo.

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.

Bibliografia usada: Silveiras: História e Tradição, de José de Miranda Alves

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

ALDEIA JESUÍTICA DE CARAPICUÍBA

 

ALDEIA JESUÍTICA DE CARAPICUÍBA




Algumas vezes não precisamos viajar para muito longe para conhecermos um tesouro histórico nacional. Às vezes, tais tesouros estão bem perto de nós, escondidos, sem que a gente saiba da existência deles.

Um desses locais, pouquíssimo conhecido e visitado, é a Aldeia Jesuítica de Carapicuíba, situada a apenas 2,5km da Rodovia Raposo Tavares e a 20 km do centro de São Paulo.

Fundada em 12 de outubro de 1580, a Aldeia Jesuítica de Carapicuíba era originalmente uma fazenda com mão de obra escrava indígena trazida do sertão pelo seu dono, Affonso Sardinha. Após a morte deste, a fazenda foi herdada pela Companhia de Jesus, juntamente com os índios administrados e alguns escravos.



Em 1580, o padre jesuíta José de Anchieta fundou 12 aldeias missionárias em torno do Mosteiro de São Bento, entre elas, as de Barueri, Itapecerica, Pinheiros e Carapicuíba.

Os objetivos de Anchieta eram os de catequisar a população indígena da região e, ao mesmo tempo, protegê-la dos ataques dos bandeirantes, liderados por Antônio Raposo Tavares, pois os esses buscavam capturar os índios para a escravidão, e também, para o uso no desbravamento do território desconhecido por eles, no interior deste país, conhecido atualmente por Brasil.



Os jesuítas costumavam construir aldeamentos divididos em três partes, todas elas observadas nessa aldeia: A igreja, que tinha por função receber os fiéis recém-convertidos; as pequenas casas, localizadas em torno de um terreno retangular, que servia para a circulação de pessoas e reuniões e, por fim, as oficinas e áreas de serviço, onde os índios e os jesuítas produziam alimentos e objetos de uso cotidiano.

No centro da praça, há uma cruz colocada sobre um alto pedestal de tijolos, que denota claramente a intenção missionária da aldeia. O espaço entre a fachada da igreja e a cruz no meio da praça era considerado sagrado, pois os jesuítas acreditavam que naquele local o demônio não tinha o poder de se fazer presente.



A igreja, casas e oficinas foram todas construídas através do uso da técnica da taipa de mão, conhecida também por pau-a-pique.

Foram construídas no total 20 casas. Algumas delas são usadas até hoje como lar de famílias que vivem no local há mais de 300 anos. Já outras casas foram utilizadas para instalar a Casa de Cultura, onde pode ser visto o acervo de imagens, objetos indígenas e esculturas, além da Biblioteca Municipal.

A aldeia de Carapicuíba abrigou o Padre Belchior Pontes e índios Guaianases, Tupis, Guarulhos e também de outras tribos. Porém, como os bandeirantes estavam se aproximando da aldeia, o Padre Belchior decidiu partir, juntamente com os índios, para a Aldeia Jesuítica de Itapecerica, pois essa era mais segura e afastada da capital, além de ser de difícil acesso.



Para evitar que parte dos índios catequizados permanecesse no local, os padres jesuítas incendiaram as construções do século XVI. Alguns índios não se conformavam em ter que sair de suas terras e, algumas vezes, retornavam e eram assassinados, a fim de servirem de exemplo para os outros.

As construções que são visíveis até hoje foram reconstruídas a partir de 1727, seguindo o traçado original da antiga aldeia. A igreja foi construída em 1736, com três paredes de taipa de pilão remanescentes do século XVI. O seu padroeiro é São João Batista, que empresta o seu nome à igreja.



A Aldeia Jesuítica de Carapicuíba foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1941, sendo considerada patrimônio nacional, pois é o único exemplo remanescente de uma antiga aldeia jesuítica pois, das 12 aldeias originais fundadas por Anchieta, essa é a única que não foi totalmente destruída, pelo fato de ser de difícil acesso.

Para os visitantes dos dias de hoje, o acesso é muito mais fácil. Basta irmos até o Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba. Ao chegarmos lá, devemos seguir a pé uma curta trilha em subida por dentro do parque. Em poucos minutos de caminhada, já podemos visualizar a Aldeia Jesuítica no alto, com suas casinhas e igreja, todas pintadas de branco e azul. Eu senti uma grande emoção ao chegar no local e saber que estava visitando um lugar tão importante na história de São Paulo e do Brasil.



Recomendo a todos que se interessarem pelo assunto que a visitem também e divulguem suas visitas aos seus amigos, valorizando o local, ajudando a preservar este exemplar único e precioso de nosso patrimônio nacional, mantendo viva a memória de nossa história indígena, bandeirista, jesuítica e brasileira.

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em setembro de 2018.

Bibliografia usada: Carapicuíba – Uma Aldeia Mameluca, de Américo Pellegrini Filho

SUPER MÃE


 

PÁSSARO COM PENACHO


 

ORVALHO


 

MARSUPIAL


 

HUSKY SIBERIANO


 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

REAL FÁBRICA DE FERRO DE SÃO JOÃO DO IPANEMA

 

REAL FÁBRICA DE FERRO SÃO JOÃO DE IPANEMA

 



Embora seja um dos lugares mais importantes para a história do Brasil, infelizmente, ele é praticamente ignorado pela maioria dos livros de história brasileira, não se encontrando praticamente nenhuma referência em nossa historiografia. Eu me refiro à Real Fábrica de Ferro da Fazenda Ipanema.

Trata-se do local onde foi criada a primeira forja de ferro do Brasil, em 1597, além de ter sido lá também onde foram criados o primeiro arado rústico do país, a primeira represa nacional e, além de tudo isso, a primeira siderúrgica do Brasil, no século XIX. Ipanema merece o título de “Berço da Siderurgia Nacional”, ocupando um lugar de destaque no desenvolvimento econômico do país.

Atualmente, a Fábrica de Ferro São João de Ipanema, denominada atualmente de Fazenda Ipanema, se situa no município de Iperó, próximo à cidade de Sorocaba, no estado de São Paulo, localizada à 120 km da capital. A viagem de São Paulo até a Fazenda Ipanema costuma durar aproximadamente 90 minutos, se for visitada de carro.



A sinalização de acesso à Fazenda Ipanema é bastante deficiente, especialmente quando nos aproximamos da estrada de terra que dá acesso ao local. A partir da estrada, é preciso percorrer aproximadamente 5 km em uma estrada de terra, sem qualquer sinalização, até a guarita no portão de entrada da fazenda. Eu pessoalmente recomendo aos interessados que usem algum aplicativo, como o Waze ou Google Maps, para conseguirem chegar ao local com mais facilidade. É interessante imaginarmos o quão difícil era o acesso à Fazenda Ipanema na época dos bandeirantes e desbravadores. A viagem que fazemos atualmente em menos de duas horas, para os pioneiros, chegava a levar até mesmo 18 dias, a partir de São Paulo.

O significado do nome Ipanema, na língua indígena, é de um “rio sem valor”, ou “rio sem peixes”, tendo em vista que há poucos peixes na região, sendo uma região de pouca valia para os indígenas que ali habitavam.

As primeiras atividades econômicas na região da atual Fazenda Ipanema ocorreram em fins do século XVI, quando Affonso Sardinha, “o Velho”, e seu filho, Affonso Sardinha, “o Mameluco”, construíram dois fornos rústicos, ou catalães, para a fundição de ferro, pois haviam descoberto minério de ferro e diorito na região. Há vestígios visíveis dos dois fornos até hoje na floresta local, que podem ser visitados através de uma trilha guiada. Os fornos de Ipanema são considerados os primeiros a serem criados nas Américas.



Tal empreitada realizada pelo pai e seu filho teve tamanha repercussão que atraiu até mesmo a visita do Governador Geral do Brasil na época, além de ter sido reconhecida em Salvador, que era a capital brasileira na época, e em Madri, que era a capital do Império Luso-Hispânico.

Em relação à mão de obra que era utilizada no funcionamento de tais fornos, como em 1691 havia sido proibido por lei que mantivessem índios em cativeiro, os operários usados para os trabalhos nos fornos e, posteriormente, na fábrica de ferro, foram majoritariamente feitos por escravos.



A fábrica de ferro teve sua origem em 1765. Já em 1769, os acionistas da fábrica de Ipanema tinham uma grande preocupação com a falta de mão de obra para fazer o empreendimento funcionar. Por tal razão, inicialmente os trabalhos foram executados por escravos alugados e trabalhadores estrangeiros contratados (suecos, alemães e prussianos). A partir de 1785 o estabelecimento passou por uma fase de dificuldades, pois Portugal proibiu o estabelecimento de fábricas e manufaturas no território brasileiro, exceto aquelas destinadas a produzir tecidos grosseiros para vestir os escravos. A fábrica somente iniciou efetivamente sua produção em 1808, quando D. João VI assinou o alvará que permitia o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Tal iniciativa teve o intuito de tentar modernizar a economia brasileira da época, além de também promover uma maior ocupação do território nacional.

A produção de ferro no local tomou novo impulso com a chegada do sueco Dr Hedberg, que foi responsável pela construção da Casa da Guarda, da ponte articulada e da Sede Administrativa, além de ter criado a primeira represa do Brasil, que leva o seu nome. Juntamente com ele, vieram vários operários da Suécia, que o ajudaram no processo de ampliação da produção de ferro local.



Me estristeceu ver que as casas que foram utilizadas como moradia pelos operários que trabalhavam e moravam na Fazenda Ipanema estejam atualmente abandonadas, com risco de desabamento e interditadas à visitação dos turistas. A vegetação está tomando conta do local e, aos poucos, encobrindo tais marcos, que poderiam estar sendo usados como lugares turísticos, tais como cafés, restaurantes, lojas de lembranças e souvenirs, entre outros.



O administrador que sucedeu ao Dr Hedberg foi Frederico Guilherme Varnhagen, de origem germânica, que construiu dois altos fornos, incrementando enormemente a produção de ferro local. O filho deste, Adolfo de Varnhagen, nasceu no local e, posteriormente, se tornou um famoso historiador, sendo conhecido como o “Pai da História do Brasil”.

No dia 1º de novembro de 1818, dia de Todos os Santos, durante a gestão de Varnhagen, o ferro correu pela primeira vez em um dos altos fornos pela primeira vez no Brasil. O primeiro ferro produzido no Brasil foi usado para preencher os moldes de três grandes cruzes, ainda visíveis até hoje, estando uma delas no terreno da própria Fazenda Ipanema, a segunda no Museu Histórico de Sorocaba e uma terceira, no topo da montanha Araçoiaba, no Parque Municipal Quinzinho de Barros.



Varhagen tinha como objetivo principal que os materiais produzidos localmente, tais como caldeiras, tachos e cilindros pudessem atender não apenas os engenhos açucareiros da região de Sorocaba, Itu e Porto Feliz, mas também os locais mais distantes da capitania de São Paulo. No entanto, como havia falta de infraestrutura, estradas e transportes, tais fatores faziam com que os preços dos produtos fossem mais elevados, tornando-os menos competitivos.

A força motriz em Ipanema sempre foi proporcionada pelas águas da represa de Hedberg. A fábrica de Ipanema chegou a ter 29 rodas d’água, que moviam diferentes máquinas e engenhos.

Já o transporte de minério de ferro, este era feito por trens, cujas locomotivas ainda se encontram na Fazenda Ipanema, sendo uma atração especial para as crianças, que adoram brincar nelas.



Um fator que é pouco discutido e lembrado na história da fábrica de Ipanema é a importância que a mão de obra escrava teve em tal empreendimento. Centenas de escravos trabalharam no local durante toda o seu período operacional. As jornadas de trabalho de tais escravos era duríssima, pois os trabalhos diários começavam às 5 horas da manhã e só terminavam às 20h. Durante o verão, tinham meia hora para o almoço e uma hora e meia para o jantar. No inverno, tinha meia hora para o almoço e apenas uma hora para o jantar. Nem o sol ardente ou a chuva eram motivos para a interrupção do trabalho.

Durante todo o século XIX, Ipanema foi um local de enorme importância econômica. Ela era constantemente visitada por personalidades ilustres nacionais e estrangeiras. Dentre elas, podemos mencionar José Bonifácio, Gustavo Capanema, o Conde D’Eu e, sobretudo, o imperador D. Pedro II, que esteve na Fazenda Ipanema em várias ocasiões, tendo em vista que ele era um grande admirador de realizações tecnológicas e científicas.

Ainda hoje é visível, no prédio da Casa da Guarda, o antigo depósito de minerais, que foi posteriormente transformado em quartel e prisão militar, uma linda porta comemorativa, com inscrições alusivas à maioridade de D. Pedro II, que visitou o local pela primeira vez em 1846.



Há também uma ponte articulada, fabricada na Inglaterra, trazida para o Brasil em 1811. A construção da mesma previa a dilatação e contração do metal pela variação de temperatura.



Com a chegada da ferrovia até Sorocaba, o Imperador D. Pedro II retornou à Ipanema, desta vez, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina e de outros membros da família imperial. D. Pedro II ficou hospedado, com toda sua comitiva, na atual sede administrativa. Uma curiosidade em relação à primeira visita de D. Pedro II ao local, foi que ele esporadicamente criou o hábito de conceder cartas de liberdade aos filhos das escravas que trabalhavam na fábrica de Ipanema.

Um outro fato curioso sobre o local é que Gustavo Capanema, o Ministro da Educação que mais tempo ficou no cargo em toda a história do Brasil, ao visitar o local, estabeleceu um meridiano, que marca até hoje a passagem do Trópico de Capricórnio, através de um relógio de sol no topo de um pilar de alvenaria.

A Fábrica de Ferro de Ipanema teve uma produção muito ativa durante muitos anos. Ainda hoje podemos encontrar, em diversos pontos do Brasil, seus produtos. Entre eles, estão um canhão no Museu do Ipiranga, em São Paulo, e dois outros canhões, na Praça do Canhão, em Sorocaba.

Ipanema sempre foi um local de pioneirismo na História do Brasil, pois desde o início do século XX já havia luz na localidade.

Durante a década de 1850, a fábrica de ferro entrou em decadência, devido em grande parte aos prejuízos constantes gerados pela pouca demanda por seus produtos. Os maiores consumidores de produtos fabricados no local eram os fazendeiros da província de São Paulo e de parte de Minas Gerais, que compravam peças para o maquinário de ferro de seus engenhos de açúcar. Porém, quando tais fazendeiros perceberam que a cultura cafeeira era mais rentável, acabaram abandonando a cana de açúcar e, consequentemente, deixaram de adquirir os produtos fabricados na fábrica de ferro de Ipanema, o que gerou um enorme decréscimo em sua receita financeira. A expansão da lavoura do café trouxe mudanças consideráveis no mercado consumidor das cidades do interior de São Paulo. Vários produtos que eram produzidos na fábrica de Ipanema já não satisfaziam mais as novas técnicas agrícolas. A fábrica acabou sendo desativada no final da década de 1850.



Após o encerramento de suas atividades, seus equipamentos e equipe, entre eles um contingente de escravos, foi todo deslocado para Mato Grosso, principalmente para a Colônia Militar de Itapura, pois era próxima ao Paraguai, estando situada na confluência dos rios Tietê e Paraná. Além disso, poderia auxiliar no controle da fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Se pretendia criar uma fábrica de ferro e outra de pólvora na região matogrossense. Embora tenham consumido muitos recursos, tais obras nunca foram concluídas, excetuando-se o projeto militar em Itapura.

Em 1863 o governo começou a aventar a possibilidade de reativar a fábrica de Ipanema, cujos equipamentos e instalações estavam em total estado de abandono e deterioração. Foi nessa época que se decidiu restaurar a fábrica, tendo sido nomeado o Coronel Joaquim de Souza Mursa para liderar tal empreitada.



O administrador que sucedeu Varnhagen, o Coronel Mursa, também teve um importante papel no desenvolvimento da Fazenda Ipanema. Foram criados sete fornos de carvão, do tipo silo colmeia, para o preparo de combustível. Infelizmente, eles não chegaram a ser utilizados, pois a fábrica de ferro foi desativada antes que eles pudessem entrar em operação.





Embora tenha sido feito um grande esforço para reativar a fábrica de ferro, ainda assim o local continuou sendo um grande peso para as finanças públicas, pois lhe faltavam três elementos indispensáveis ao seu correto funcionamento: lenha, mão de obra e equipamentos. Nem mesmo os escravos libertos queriam trabalhar em Ipanema.

A Fábrica de Ipanema poderia ter sido de grande importância para a História do Brasil durante a Guerra do Paraguai. Cogitou-se efetuar a reativação da fábrica de Ipanema para se produzir materiais bélicos que pudessem ser usados no conflito. No entanto, a fábrica nunca produziu armamentos que foram usados durante a guerra, pois quando ela ocorreu a fábrica já se encontrava desativada e em péssimo estado de conservação, sem estrutura e trabalhadores, o que impossibilitou que pudesse a vir contribuir com o esforço de guerra nacional. A solução encontrada pelo Império foi a de instalar no Arsenal de Guerra da Corte, no Rio de Janeiro, uma fundição que utilizava ferro importado para efetivamente produzir os materiais bélicos que foram usados na Guerra do Paraguai. Além disso, o governo importou fuzis e revólveres de alguns países europeus.

Em 1895, o presidente Prudente de Morais assinou um decreto declarando encerradas as atividades da fábrica de Ipanema. Nos anos seguintes, a fábrica passou por um período de total abandono, servindo de quartel do exército, treinamento rural e indústria de tratores, todos eles sem sucesso.

Quando visitei o local pela primeira vez, em 2007, eu encontrei quatro dos fornos construídos pelo Coronel Mursa ainda visíveis, em estado razoável de conservação. Na minha visita mais recente, em agosto de 2018, infelizmente um dos quatro fornos remanescentes havia desabado. Se não forem iniciados trabalhos de recuperação com urgência, em breve os outros três fornos remanescentes também desaparecerão.



Um outro local que também precisa de restauro imediato é a ponte que se encontra entre a Casa de Armas Brancas e a Serraria, a primeira mecanizada do Brasil. Em 2007, eu pude atravessá-la com segurança. Atualmente, ela está interditada, em péssimo estado, com risco de desabamento.



Felizmente, houve o tombamento das ruínas e locais históricos dentro de toda a Fazenda Ipanema. No entanto, é indispensável que tal local, tão importante para a história nacional, seja mais conhecido, visitado e valorizado por novas gerações de brasileiros.

Temos o dever de preservar este maravilhoso museu ao ar livre, que é a Real Fábrica de Ferro da Fazenda Ipanema, um patrimônio de inestimável valor e um dos maiores componentes da História Econômica do Brasil.

Por fim, quero convidar todos os leitores desta matéria que não deixem de visitar este local tão especial. Posso lhes garantir que não irão se arrepender, pois poderão tirar lindas fotografias, vivenciar um local especial e conhecer uma parte muito importante da história do nosso Brasil.

 

Marco André Briones - pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.

 

Bibliografia usada:

O Esconderijo do Sol, de José Monteiro Salazar

Soldados e Negociantes na Guerra do Paraguai, de Divalte Garcia Figueira

Entre a Fábrica e a Senzala, de Mariana Alice Pereira Schatzer Ribeiro.

FLUTUANDO


 

CORES DA NATUREZA