SILVEIRAS
– CAPITAL DO TROPEIRISMO
Quem
visita a pequena e pitoresca cidade de Silveiras nos dias atuais mal pode
imaginar quantas histórias podem ser contadas sobre o que se passou por ali.
São justamente algumas dessas histórias que eu gostaria de compartilhar com
meus leitores, pois tenho certeza que muitos ficarão surpresos ao conhecerem um
pouco sobre esta cidade pouco lembrada pelos turistas.
Desde
que foram descobertas as primeiras minas de ouro em Mato Grosso e Minas Gerais,
no início do século XVIII, havia, por parte das autoridades portuguesas, uma
grande preocupação em se criar uma estrada que ligasse São Paulo ao Rio de
Janeiro por terra, tendo em vista que o trajeto pelo litoral era muito
perigoso, pois o mesmo era frequentemente atacado por corsários, que roubavam
as preciosas cargas de ouro e pedras preciosas transportadas pelas embarcações
lusitanas, trazendo enorme prejuízo à Coroa Portuguesa.
Tendo
como ponto de partida a necessidade de se efetuar o transporte de tais cargas
de maneira segura, o governo português passou e estimular que fossem criadas
trilhas pelo interior do território da colônia brasileira, através da
distribuição de terras a serem povoadas e cultivadas, através do
estabelecimento de ranchos ao longo do caminho, a fim de servir de pouso para
os tropeiros que faziam o trajeto ligando as “Minas Geraes” até o porto de
Paraty, no futuro estado do Rio de Janeiro. Foi surgindo também ao longo de tal
trilha um pequeno comércio para atender os tropeiros, que foram os pioneiros no
transporte de vários tipos de produtos pelo território colonial.
Tal
estrada foi sendo aberta aos poucos, e foi denominada de “Caminho Novo” ou
“Estrada Real”, por onde seria escoado o ouro que vinha de Minas Gerais para
ser fundido no Rio de Janeiro. Não devemos, no entanto, nos esquecer que a
finalidade principal para a criação desta estrada foi a de garantir os cofres
de sua Majestade.
Uma
das famílias que se estabeleceu ao longo de tal trilha foi a dos Silveiras, que
foram seus primeiros habitantes e ergueram o Rancho do Tropeiro que,
futuramente, acabou dando origem à cidade que surgiu no local, e que acabou
herdando o nome de tal família de pioneiros.
Há
fortes indícios de que a futura cidade de Silveiras tenha sido planejada, pois
as três praças principais da cidade têm as mesmas medidas, formando retângulos
exatamente iguais. As quatro ruas transversais são também do mesmo comprimento
e foram traçadas geometricamente, dando a impressão que foram traçadas antes em
um mapa. Apenas as duas ruas mais longas da cidade são tortas, desiguais e
desalinhadas, mas todas as ruas centrais são perfeitamente alinhadas.
A
pequena cidade foi se expandindo e sua primeira visita marcante foi a do futuro
Imperador D. Pedro I, que estava a caminho de São Paulo, em sua viagem
histórica que acabou culminando com o “Grito do Ipiranga” e a Independência do
Brasil. O então Príncipe almoçou em Silveiras, jantou em Cachoeira Paulista e
dormiu em Lorena antes de chegar à cidade de São Paulo.
Em
1842, ocorreram as Revoltas Liberais, que foram movimentos que agitaram o país
durante o período imperial de D. Pedro II. Tais movimentos foram promovidos,
organizados e incitados pelo Partido Liberal, que contestava a ascensão do
Partido Conservador ao poder. Tais fatores deram origem a rebeliões em São
Paulo e Minas Gerais.
Silveiras,
em particular, sofreu muito com tais revoltas, pois sua população levantou-se
contra o Imperador D. Pedro II que, por sua vez, enviou o Barão de Caxias,
futuro Duque de Caxias, para reprimir tais movimentos.
Como
Silveiras foi a única cidade da província de São Paulo a oferecer resistência
às tropas imperiais, teve de pagar um preço caro por tal afronta. Após uma
batalha, a cidade foi derrotada por Caxias e ocupada pelas tropas imperiais. Silveiras
se rendeu após o episódio conhecido como “Trincheiras”, quando 56 chefes de
família silveirenses foram assassinados pelas tropas lideradas pelo Barão de
Caxias. A cidade foi totalmente destruída na manhã de 12 de julho de 1842 e, no
local do grande combate, existe hoje um monumento erguido à tragédia sofrida
pela população local. Vestígios de tais trincheiras existem até hoje, para
testemunhar os acontecimentos de 1842.
A
Revolução Liberal de 1842 deixou marcas tão profundas em Silveiras que a
reconstrução da cidade levou mais de 2 anos para ser concluída. Além disso, o
município de Silveiras foi desligado da Província de São Paulo e foi anexado ao
Rio de Janeiro, como castigo por ter tomado parte da Revolução de 1842. Caxias
pensava que os silveirenses deveriam pagar caro pela audácia de terem se
levantado em armas contra o Governo Central.
Um
outro ilustre visitante que esteve em várias ocasiões na cidade foi Euclides da
Cunha, pois este era engenheiro e lá realizou várias obras, entre elas a
reforma da cadeia municipal e a canalização de um córrego local para o
abastecimento de água da cidade.
A
cidade entrou em decadência devido à vários fatores: primeiramente, com a
abolição da escravatura e com o esgotamento das terras que eram usadas sem
adubo durante o Ciclo do Café e com a posterior expansão dos cafezais para o
oeste do Estado de São Paulo. A quebra da bolsa de valores de Nova York trouxe
uma queda brutal no preço do café, acentuando o declínio dos fazendeiros
silveirenses. Além disso, houve uma enorme frustração gerada quando foi feito o
prolongamento da estrada de ferro Central do Brasil, de Cruzeiro até Bananal, que
deveria ter passado por Silveiras, Areias e São José do Barreiro, mas, devido
ao histórico revoltoso da cidade, esta acabou sendo preterida por outras
cidades. Por fim, a industrialização das cidades vizinhas também relegou
Silveiras à um segundo plano, deixando-a no ostracismo.
Por
todos esses motivos é que Monteiro Lobato, em sua memorável obra “Cidades
Mortas”, fez um relato do cenário desolador enfrentado por Silveiras e outras
cidades da região, pois ele havia presenciado tal situação de perto, quando
residiu em Areias, cidade vizinha à Silveiras.
Em
1932, Silveiras sofreu novamente com a eclosão da Revolução Constitucionalista de
1932, pois foi novamente derrotada pelas tropas governamentais que, desta vez, queimaram
todos os arquivos e documentos de cartório e históricos existentes na cidade,
além de terem saqueado todas suas casas. Em tal ocasião, a cidade foi
bombardeada, suas casas destruídas e seu povo foi intimado a deixar a cidade.
Silveiras
precisou de muitos anos para conseguir se reerguer. Atualmente, ela é conhecida
como “Capital do Tropeirismo”, devido à sua participação decisiva na época em
que os tropeiros faziam a ligação entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Foram criados
movimentos para preservar a memória e cultura tropeirista, sua culinária,
vestimentas e tradições. Foi criado também o movimento Tropeirista, por Ocílio
Ferraz, que também foi proprietário de um restaurante conhecido na região, o
Restaurante do Ocílio, além de ter presidido a Fundação Nacional do Tropeiro.
Nos
dias de hoje, a cidade recebe visitantes que a procuram por suas belezas naturais,
pela cultura tropeirista e seu artesanato de madeira, especializado em lindas
peças reproduzindo pássaros locais. Este
artesanato espalhou-se por todo o Brasil e é atualmente exportado para vários
países do mundo. Eu mesmo tive a oportunidade de visitar vários ateliês de
artesãos talentosos, sendo que o que mais me agradou, devido à qualidade
inquestionável de suas peças foi o “Entre no Paraíso Ateliê e Café”, situado na
Rodovia dos Tropeiros km 218.
Por
fim, uma outra atração para os turistas que visitam Silveiras é o Santuário da
Santa Cabeça, também localizado na Rodovia dos Tropeiros, um pouco antes da
entrada da cidade.
O
santuário teve sua origem por volta de 1829, quando dois homens que pescavam no
rio Tietê recolheram em suas redes a cabeça de uma imagem de Nossa Senhora.
Eles deram tal achado para uma moradora local, que a guardava em casa tal peça
e passou a receber vários visitantes a fim de fazerem pedidos à Nossa Senhora.
Como o fluxo de visitantes cresceu exponencialmente, foram angariados fundos
para a construção do santuário, que passou a receber peregrinos de todo o
Brasil, que vêm rezar e agradecer os milagres que atribuem à imagem.
A
imagem venerada com o nome de Santa Cabeça se trata de uma cabeça que está
guardada dentro de uma redoma de vidro e cercada de uma moldura dourada,
sustentada por dois anjos. No santuário também podemos visitar a sala dos milagres,
com inúmeras cabeças de cera, que são objetos de promessas dos fiéis e
romeiros, que invocam a Santa Cabeça para interceder em seus nomes por todas as
enfermidades relacionadas à cabeça. Atualmente, dois milhões de pessoas visitam
o santuário anualmente, tendo sido necessário até mesmo a criação de um
estacionamento específico para ônibus de romeiros e peregrinos.
Silveiras
também integra o Circuito Religioso do Estado de São Paulo, juntamente com as
cidades de Aparecida e Guaratinguetá.
Portanto,
se você ficou curioso em conhecer pessoalmente todos os lugares que mencionei,
não deixe de visitar Silveiras quando estiver de passagem pela região e
aproveite para saborear a deliciosa cozinha tropeira e comprar lindos pássaros
de madeira do artesanato local. Serão belas lembranças que lhe farão companhia
por muito tempo.
Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
Todas as fotos da
matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.
Bibliografia
usada: Silveiras: História e Tradição, de José de Miranda Alves