REAL
FÁBRICA DE FERRO SÃO JOÃO DE IPANEMA
Embora seja um dos lugares mais importantes para a história do Brasil, infelizmente, ele é praticamente ignorado pela maioria dos livros de história brasileira, não se encontrando praticamente nenhuma referência em nossa historiografia. Eu me refiro à Real Fábrica de Ferro da Fazenda Ipanema.
Trata-se
do local onde foi criada a primeira forja de ferro do Brasil, em 1597, além de
ter sido lá também onde foram criados o primeiro arado rústico do país, a
primeira represa nacional e, além de tudo isso, a primeira siderúrgica do
Brasil, no século XIX. Ipanema merece o título de “Berço da Siderurgia
Nacional”, ocupando um lugar de destaque no desenvolvimento econômico do país.
Atualmente,
a Fábrica de Ferro São João de Ipanema, denominada atualmente de Fazenda
Ipanema, se situa no município de Iperó, próximo à cidade de Sorocaba, no
estado de São Paulo, localizada à 120 km da capital. A viagem de São Paulo até
a Fazenda Ipanema costuma durar aproximadamente 90 minutos, se for visitada de
carro.
A
sinalização de acesso à Fazenda Ipanema é bastante deficiente, especialmente
quando nos aproximamos da estrada de terra que dá acesso ao local. A partir da
estrada, é preciso percorrer aproximadamente 5 km em uma estrada de terra, sem
qualquer sinalização, até a guarita no portão de entrada da fazenda. Eu pessoalmente
recomendo aos interessados que usem algum aplicativo, como o Waze ou Google
Maps, para conseguirem chegar ao local com mais facilidade. É interessante
imaginarmos o quão difícil era o acesso à Fazenda Ipanema na época dos
bandeirantes e desbravadores. A viagem que fazemos atualmente em menos de duas
horas, para os pioneiros, chegava a levar até mesmo 18 dias, a partir de São
Paulo.
O significado do nome Ipanema, na língua indígena, é de um “rio sem valor”, ou “rio sem peixes”, tendo em vista que há poucos peixes na região, sendo uma região de pouca valia para os indígenas que ali habitavam.
As
primeiras atividades econômicas na região da atual Fazenda Ipanema ocorreram em
fins do século XVI, quando Affonso Sardinha, “o Velho”, e seu filho, Affonso
Sardinha, “o Mameluco”, construíram dois fornos rústicos, ou catalães, para a
fundição de ferro, pois haviam descoberto minério de ferro e diorito na região.
Há vestígios visíveis dos dois fornos até hoje na floresta local, que podem ser
visitados através de uma trilha guiada. Os fornos de Ipanema são considerados
os primeiros a serem criados nas Américas.
Tal
empreitada realizada pelo pai e seu filho teve tamanha repercussão que atraiu
até mesmo a visita do Governador Geral do Brasil na época, além de ter sido
reconhecida em Salvador, que era a capital brasileira na época, e em Madri, que
era a capital do Império Luso-Hispânico.
Em
relação à mão de obra que era utilizada no funcionamento de tais fornos, como
em 1691 havia sido proibido por lei que mantivessem índios em cativeiro, os
operários usados para os trabalhos nos fornos e, posteriormente, na fábrica de
ferro, foram majoritariamente feitos por escravos.
A
fábrica de ferro teve sua origem em 1765. Já em 1769, os acionistas da fábrica
de Ipanema tinham uma grande preocupação com a falta de mão de obra para fazer
o empreendimento funcionar. Por tal razão, inicialmente os trabalhos foram
executados por escravos alugados e trabalhadores estrangeiros contratados
(suecos, alemães e prussianos). A partir de 1785 o estabelecimento passou por
uma fase de dificuldades, pois Portugal proibiu o estabelecimento de fábricas e
manufaturas no território brasileiro, exceto aquelas destinadas a produzir
tecidos grosseiros para vestir os escravos. A fábrica somente iniciou
efetivamente sua produção em 1808, quando D. João VI assinou o alvará que
permitia o livre estabelecimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Tal
iniciativa teve o intuito de tentar modernizar a economia brasileira da época,
além de também promover uma maior ocupação do território nacional.
A
produção de ferro no local tomou novo impulso com a chegada do sueco Dr
Hedberg, que foi responsável pela construção da Casa da Guarda, da ponte
articulada e da Sede Administrativa, além de ter criado a primeira represa do
Brasil, que leva o seu nome. Juntamente com ele, vieram vários operários da
Suécia, que o ajudaram no processo de ampliação da produção de ferro local.
Me
estristeceu ver que as casas que foram utilizadas como moradia pelos operários
que trabalhavam e moravam na Fazenda Ipanema estejam atualmente abandonadas,
com risco de desabamento e interditadas à visitação dos turistas. A vegetação
está tomando conta do local e, aos poucos, encobrindo tais marcos, que poderiam
estar sendo usados como lugares turísticos, tais como cafés, restaurantes,
lojas de lembranças e souvenirs, entre outros.
O
administrador que sucedeu ao Dr Hedberg foi Frederico Guilherme Varnhagen, de
origem germânica, que construiu dois altos fornos, incrementando enormemente a
produção de ferro local. O filho deste, Adolfo de Varnhagen, nasceu no local e,
posteriormente, se tornou um famoso historiador, sendo conhecido como o “Pai da
História do Brasil”.
No
dia 1º de novembro de 1818, dia de Todos os Santos, durante a gestão de
Varnhagen, o ferro correu pela primeira vez em um dos altos fornos pela
primeira vez no Brasil. O primeiro ferro produzido no Brasil foi usado para
preencher os moldes de três grandes cruzes, ainda visíveis até hoje, estando uma
delas no terreno da própria Fazenda Ipanema, a segunda no Museu Histórico de
Sorocaba e uma terceira, no topo da montanha Araçoiaba, no Parque Municipal
Quinzinho de Barros.
Varhagen
tinha como objetivo principal que os materiais produzidos localmente, tais como
caldeiras, tachos e cilindros pudessem atender não apenas os engenhos
açucareiros da região de Sorocaba, Itu e Porto Feliz, mas também os locais mais
distantes da capitania de São Paulo. No entanto, como havia falta de
infraestrutura, estradas e transportes, tais fatores faziam com que os preços
dos produtos fossem mais elevados, tornando-os menos competitivos.
A
força motriz em Ipanema sempre foi proporcionada pelas águas da represa de
Hedberg. A fábrica de Ipanema chegou a ter 29 rodas d’água, que moviam diferentes
máquinas e engenhos.
Já
o transporte de minério de ferro, este era feito por trens, cujas locomotivas
ainda se encontram na Fazenda Ipanema, sendo uma atração especial para as
crianças, que adoram brincar nelas.
Um
fator que é pouco discutido e lembrado na história da fábrica de Ipanema é a
importância que a mão de obra escrava teve em tal empreendimento. Centenas de
escravos trabalharam no local durante toda o seu período operacional. As
jornadas de trabalho de tais escravos era duríssima, pois os trabalhos diários
começavam às 5 horas da manhã e só terminavam às 20h. Durante o verão, tinham
meia hora para o almoço e uma hora e meia para o jantar. No inverno, tinha meia
hora para o almoço e apenas uma hora para o jantar. Nem o sol ardente ou a chuva
eram motivos para a interrupção do trabalho.
Durante
todo o século XIX, Ipanema foi um local de enorme importância econômica. Ela
era constantemente visitada por personalidades ilustres nacionais e
estrangeiras. Dentre elas, podemos mencionar José Bonifácio, Gustavo Capanema,
o Conde D’Eu e, sobretudo, o imperador D. Pedro II, que esteve na Fazenda
Ipanema em várias ocasiões, tendo em vista que ele era um grande admirador de
realizações tecnológicas e científicas.
Ainda
hoje é visível, no prédio da Casa da Guarda, o antigo depósito de minerais, que
foi posteriormente transformado em quartel e prisão militar, uma linda porta
comemorativa, com inscrições alusivas à maioridade de D. Pedro II, que visitou
o local pela primeira vez em 1846.
Há
também uma ponte articulada, fabricada na Inglaterra, trazida para o Brasil em
1811. A construção da mesma previa a dilatação e contração do metal pela
variação de temperatura.
Com
a chegada da ferrovia até Sorocaba, o Imperador D. Pedro II retornou à Ipanema,
desta vez, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina e de outros membros da
família imperial. D. Pedro II ficou hospedado, com toda sua comitiva, na atual sede
administrativa. Uma curiosidade em relação à primeira visita de D. Pedro II ao
local, foi que ele esporadicamente criou o hábito de conceder cartas de
liberdade aos filhos das escravas que trabalhavam na fábrica de Ipanema.
Um
outro fato curioso sobre o local é que Gustavo Capanema, o Ministro da Educação que mais
tempo ficou no cargo em toda a história do Brasil, ao visitar o local,
estabeleceu um meridiano, que marca até hoje a passagem do Trópico de
Capricórnio, através de um relógio de sol no topo de um pilar de alvenaria.
A
Fábrica de Ferro de Ipanema teve uma produção muito ativa durante muitos anos.
Ainda hoje podemos encontrar, em diversos pontos do Brasil, seus produtos.
Entre eles, estão um canhão no Museu do Ipiranga, em São Paulo, e dois outros
canhões, na Praça do Canhão, em Sorocaba.
Ipanema
sempre foi um local de pioneirismo na História do Brasil, pois desde o início
do século XX já havia luz na localidade.
Durante
a década de 1850, a fábrica de ferro entrou em decadência, devido em grande
parte aos prejuízos constantes gerados pela pouca demanda por seus produtos. Os
maiores consumidores de produtos fabricados no local eram os fazendeiros da
província de São Paulo e de parte de Minas Gerais, que compravam peças para o
maquinário de ferro de seus engenhos de açúcar. Porém, quando tais fazendeiros
perceberam que a cultura cafeeira era mais rentável, acabaram abandonando a
cana de açúcar e, consequentemente, deixaram de adquirir os produtos fabricados
na fábrica de ferro de Ipanema, o que gerou um enorme decréscimo em sua receita
financeira. A expansão da lavoura do café trouxe mudanças consideráveis no
mercado consumidor das cidades do interior de São Paulo. Vários produtos que
eram produzidos na fábrica de Ipanema já não satisfaziam mais as novas técnicas
agrícolas. A fábrica acabou sendo desativada no final da década de 1850.
Após
o encerramento de suas atividades, seus equipamentos e equipe, entre eles um
contingente de escravos, foi todo deslocado para Mato Grosso, principalmente
para a Colônia Militar de Itapura, pois era próxima ao Paraguai, estando
situada na confluência dos rios Tietê e Paraná. Além disso, poderia auxiliar no
controle da fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Se pretendia criar uma
fábrica de ferro e outra de pólvora na região matogrossense. Embora tenham
consumido muitos recursos, tais obras nunca foram concluídas, excetuando-se o
projeto militar em Itapura.
Em
1863 o governo começou a aventar a possibilidade de reativar a fábrica de
Ipanema, cujos equipamentos e instalações estavam em total estado de abandono e
deterioração. Foi nessa época que se decidiu restaurar a fábrica, tendo sido
nomeado o Coronel Joaquim de Souza Mursa para liderar tal empreitada.
O
administrador que sucedeu Varnhagen, o Coronel Mursa, também teve um importante
papel no desenvolvimento da Fazenda Ipanema. Foram criados sete fornos de carvão,
do tipo silo colmeia, para o preparo de combustível. Infelizmente, eles não
chegaram a ser utilizados, pois a fábrica de ferro foi desativada antes que
eles pudessem entrar em operação.
Embora
tenha sido feito um grande esforço para reativar a fábrica de ferro, ainda
assim o local continuou sendo um grande peso para as finanças públicas, pois
lhe faltavam três elementos indispensáveis ao seu correto funcionamento: lenha,
mão de obra e equipamentos. Nem mesmo os escravos libertos queriam trabalhar em
Ipanema.
A
Fábrica de Ipanema poderia ter sido de grande importância para a História do
Brasil durante a Guerra do Paraguai. Cogitou-se efetuar a reativação da fábrica
de Ipanema para se produzir materiais bélicos que pudessem ser usados no
conflito. No entanto, a fábrica nunca produziu armamentos que foram usados
durante a guerra, pois quando ela ocorreu a fábrica já se encontrava desativada
e em péssimo estado de conservação, sem estrutura e trabalhadores, o que
impossibilitou que pudesse a vir contribuir com o esforço de guerra nacional. A
solução encontrada pelo Império foi a de instalar no Arsenal de Guerra da
Corte, no Rio de Janeiro, uma fundição que utilizava ferro importado para
efetivamente produzir os materiais bélicos que foram usados na Guerra do Paraguai.
Além disso, o governo importou fuzis e revólveres de alguns países europeus.
Em
1895, o presidente Prudente de Morais assinou um decreto declarando encerradas
as atividades da fábrica de Ipanema. Nos anos seguintes, a fábrica passou por
um período de total abandono, servindo de quartel do exército, treinamento
rural e indústria de tratores, todos eles sem sucesso.
Quando
visitei o local pela primeira vez, em 2007, eu encontrei quatro dos fornos
construídos pelo Coronel Mursa ainda visíveis, em estado razoável de
conservação. Na minha visita mais recente, em agosto de 2018, infelizmente um
dos quatro fornos remanescentes havia desabado. Se não forem iniciados trabalhos
de recuperação com urgência, em breve os outros três fornos remanescentes
também desaparecerão.
Um
outro local que também precisa de restauro imediato é a ponte que se encontra
entre a Casa de Armas Brancas e a Serraria, a primeira mecanizada do Brasil. Em
2007, eu pude atravessá-la com segurança. Atualmente, ela está interditada, em
péssimo estado, com risco de desabamento.
Felizmente,
houve o tombamento das ruínas e locais históricos dentro de toda a Fazenda
Ipanema. No entanto, é indispensável que tal local, tão importante para a
história nacional, seja mais conhecido, visitado e valorizado por novas
gerações de brasileiros.
Temos
o dever de preservar este maravilhoso museu ao ar livre, que é a Real Fábrica
de Ferro da Fazenda Ipanema, um patrimônio de inestimável valor e um dos
maiores componentes da História Econômica do Brasil.
Por
fim, quero convidar todos os leitores desta matéria que não deixem de visitar
este local tão especial. Posso lhes garantir que não irão se arrepender, pois poderão
tirar lindas fotografias, vivenciar um local especial e conhecer uma parte
muito importante da história do nosso Brasil.
Marco André Briones - pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
Todas as fotos da
matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.
Bibliografia
usada:
O
Esconderijo do Sol, de José Monteiro Salazar
Soldados
e Negociantes na Guerra do Paraguai, de Divalte Garcia Figueira
Entre
a Fábrica e a Senzala, de Mariana Alice Pereira Schatzer Ribeiro.