terça-feira, 8 de setembro de 2020

Essa é a estréia da coluna "Autores Convidados". A autora do texto abaixo é Lizandra Soave, minha amiga pessoal e criadora do ótimo blog "Filmes Históricos" (http://filmeshistoricos.blogspot.com/).


Pioneiros do Cinema

O século XX estava só começando e com ele também nascia a sétima arte que encontrava, no entanto, dura resistência para ser reconhecida como tal logo nos primórdios de sua invenção. Mas aos poucos o cinema foi consolidando seu valor artístico e ocupando um espaço gigantesco no mundo do entretenimento.

O cinema não nasce em Hollywood, mas sim na Europa, mais precisamente na França. Na cidade de Lyon os irmãos Auguste e Louis Lumière vinham desenvolvendo e aprimorando uma invenção revolucionária, o cinematógrafo.

E o fascínio despertado por essa invenção rapidamente cresceu e se espalhou por todo o mundo depois que eles projetaram, em 1895, uma filmagem curta da saída dos funcionários da fábrica da família.

Eles fizeram diversas exibições públicas dos materiais registrados pelo aparelho, que até então se restringiam a cenas do cotidiano com poucos segundos de duração. E em uma dessas apresentações estava um gênio do entretenimento, o produtor teatral e ilusionista George Méliès, que imediatamente identificou o potencial daquela nova tecnologia caso ela fosse associada à arte da encenação.

Méliès rapidamente começou a fazer filmes curtos, já introduzindo alguns truques e técnicas de efeitos especiais unindo seu conhecimento em ilusionismo e elaboração de cenários.

Ao longo dos anos o estilo das obras foi se modificando, passando daquele modelo meio teatral para enredos mais sérios. O filme “O Assassinato do Duque de Guise”, de 1908, dirigido por Charles Le Bargy e André Calmettes, foi um marco dessa transformação. Ele reconstituía um evento histórico ocorrido no ano de 1588, quando o então rei da França, Henrique III, o último rei da casa de Valois, mandou assassinar seu rival, o Duque de Guise, por causa de uma mulher, a Marquesa de Noirmoutiers, ou Charlotte de Sauve.

As inspirações para os filmes eram geralmente fatos históricos, grandes obras da literatura, textos sagrados e poemas épicos. Sobre obras literárias, já começam a aparecer processos na justiça por direitos autorais.

A maioria dos filmes era em preto e branco, mas alguns apareceram em cores, o que era possível graças a uma técnica bem rudimentar de colorização à mão. Os filmes de Méliès, por exemplo, eram colorizados dessa maneira por ele e por sua esposa.

No Brasil quem começa a movimentar o mercado cinematográfico são imigrantes italianos. Inicialmente os filmes mostram cenas do tipo documentário, exibidas exclusivamente para elite, reconstituição de crimes, em seguida começam a trazer alguma narrativa passando para adaptações de obras literárias.

A seguir temos uma cronologia do desabrochar do cinema pelo mundo:

1895 – Em Lyon, os irmãos Lumière fazem a primeira projeção pública usando cinematógrafo da cena “A Saída dos Operários da Fábrica Lumière”.

1896 – Em Paris, Charles e Émile Pathé e outros irmãos criam a produtora de filmes Pathé Frères, que trazia o galo como logomarca.

1900 – O inglês James Williamson dirige o filme “Ataque a Uma Missão Chinesa”, de pouco mais de um minuto de duração, sobre o Levante dos Boxers, exibido na Inglaterra com enorme sucesso. O filme já começa a apresentar uma narrativa mais complexa e apresentada de uma forma inovadora.

1901 – Ferdinand Zecca dirige “A Conquista dos Ares”, com um minuto de duração, e aparece sobrevoando a cidade de Paris, utilizando um recurso de edição.

1901 - O francês George Méliès inicia seus experimentos cinematográficos com o filme “O Homem com a Cabeça de Borracha”, trazendo já o seu estilo que unia o fantástico ao macabro.

1902 – Méliès dirige uma reconstituição histórica da “Coroação do Rei Eduardo VII”,  da Inglaterra. Nesse mesmo ano ele dirige também  o emblemático “Viagem à Lua”, o épico cósmico de quatorze minutos, deixando aquela imagem icônica da lua com um rosto e um foguete enterrado em um de seus olhos.

1903 – O americano Edwin Porter lança o filme “A Vida de um Bombeiro Americano” e em seguida o filme “O Grande Roubo do Trem”, que viria a ser o primeiro faroeste americano.

1904 - George Méliès dirige “A Viagem Impossível”.

1907 – O canadense Sidney Olcott dirige a primeira versão de “Ben-Hur”, baseada no livro de Lew Wallace, e abriu um precedente para disputas por direitos autorais.

1908 – Fundação da Société Film d’Art, que já começa a elevar o cinema à categoria de arte de fato.

1908 - Charles Le Bargy e André Calmettes dirigem a reconstituição histórica “O Assassinato do Duque de Guise”.

1908 – No Brasil o imigrante italiano Francisco Marzullo dirige “Os Estranguladores”, baseado em fatos reais.

1909 – O francês Alfred Marchin dirige “O Moinho Maldito” para a Pathé Frères, com locação na Bélgica. O filme foi colorido à mão.

1910 – O influente diretor americano D. W. Griffith dirige “Na Velha Califórnia”.

1911 – Os italianos Francesco Bertolini, Adolfo Padovan e Giuseppe de Liguoro dirigem o primeiro longa-metragem italiano “L’Inferno” baseado no clássico A Divina Comédia, e Giovane Pastrone dirige o curta “A Queda de Troia”.

1913 - Também na Itália Mário Caserini dirige “Os Últimos Dias de Pompeia”.

1913 – O indiano D. G. Phalke  dirige o filme “O Rei Harishchandra”, dando início ao cinema na Índia, contando a história de um personagem do poema épico indiano Mahabharata.

1914 – Giovane Pastrone dirige o grandioso  “Cabiria” em parceria com o poeta também italiano Gabrielle D’Annunzio. A história se passa no período das Guerras Púnicas.

1915 - D. W. Griffith dirige o polêmico épico “O Nascimento de Uma Nação”, que se passa no contexto da Guerra Civil Americana.

1916 – Nos EUA, Scotsman Stuart Paton dirige o filme de ficção científica  “Vinte Mil Léguas Submarinas” baseado no romance de Júlio Verne.

1920 – O diretor alemão Robert Wiene dirige o influente “O Gabinete do Doutor Caligari”, inaugurando o cinema de horror e trazendo a influência do expressionismo alemão.

1922 – Seguindo no movimento expressionista, o alemão F. W. Murnau dirige “Nosferatu, uma Sinfonia do Horror”, baseado no livro Drácula, de Bram Stoker, de 1897.

1923 – O americano Cecil B. DeMille dirige “Os Dez Mandamentos”.

1925 – Outro americano, Fred Niblo, dirige a mais uma versão de “Ben-Hur”, dando início ao gênero “espada e sandália”.

1925 – O russo Sergei Eisenstein dirige o histórico “O Encouraçado Potemkin”.

1927 – O francês Abel Gance dirige o revolucionário “Napoleão”.

 

Essas foram apenas algumas das primeiras obras que pavimentaram o longo caminho que viria a ser explorado e percorrido pelas mentes criativas ávidas por dar vida a personagens, desenvolver novas técnicas, conceitos, paradigmas e principalmente contar novas  histórias para o deleite de um público absolutamente encantado pelo fascínio da sétima arte.

 

Fonte: “Tudo Sobre Cinema”, Philip Kemp (Editora Sextante)

SAPO COM FONES DE OUVIDO


 

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

 EXTORSÃO CONSENTIDA










Todos os brasileiros sabem que nossas ruas e calçadas são imundas, cheias de dejetos e lixo por toda parte. No entanto, um outro indício da completa crise social que vivemos é a onipresença dos flanelinhas.

Há algum tempo não havia ninguém nos importunando quando estacionávamos nossos veículos pelas ruas de nossas cidades. Porém, com o empobrecimento acentuado e contínuo do povo brasileiro nas últimas décadas, começaram a aparecer indivíduos, inicialmente inofensivos, que pediam humildemente uma moeda, qualquer trocado que tivéssemos nos bolsos, a fim de ajudá-los. Ofereciam limpar nossos carros com flanelas imundas que carregavam consigo. Muita gente também contribuía somente para manter tais flanelas longe de seus veículos.

Nascia aí uma nova figura na sociedade brasileira: o flanelinha.

Até hoje me questiono se tal nome foi dado pelo povo por causa das pequenas flanelas carregadas por tais indivíduos ou foi um apelido carinhoso que lhes foi dado, já que nós brasileiros costumamos fazer uso dos sufixos “inho” ou “inha” nessas situações. Seja qual for a resposta, tal personagem já faz parte de qualquer área metropolitana brasileira

Sentindo pena, muitas pessoas contribuíam, pois acreditavam que estavam realmente ajudando tais pessoas e que, de tal forma, sanariam um problema social ignorado pelo governo e pela sociedade brasileira, de uma forma geral.

Com o passar dos anos, e o aumento contínuo da violência e dos roubos de veículos, tais pedintes começaram a oferecer “segurança” para seus “clientes”. Diziam que, se lhes fosse dado algum trocado, ficariam observando o veículo de seu “cliente” para evitar que ele fosse roubado, “assegurando”, portanto, que, ao retornar, o “cliente” não teria surpresas desagradáveis.

Ao invés de cobrar e exigir dos governantes que houvesse segurança nas ruas e em toda parte, o povo brasileiro, que não gosta de se aborrecer e é acomodado, acabou aceitando o caminho “mais fácil”, concordando em pagar por tal segurança que, de fato, já era paga por ele através de seus impostos, continuamente desperdiçados por nossos governantes , através de falcatruas, corrupção e outros fins escusos.

Tal processo foi se acelerando, e logo, os flanelinhas já se consideravam “autoridades”, começando a usar coletes coloridos que lhes conferiam uma pseudo-autoridade, como se fossem guardas de trânsito ou até mesmo funcionários responsáveis pela segurança pública.

A forma de cobrança também mudou. Passou a ser antecipada, com valores que variavam de acordo com o veículo do “cliente” e da “boa aparência” do mesmo. Alguns pagavam R$1, outros, R$5 e alguns, até mesmo R$10 para terem a “segurança” de não terem seus carros roubados, arranhados, pneus furados e vários outros tipos de problemas. Eu mesmo já passei várias vezes por tal situação, por recusar-me terminantemente a dar qualquer tipo de gorjeta para qualquer pessoa que venha pedir-me dinheiro para “vigiar” o meu carro.

Atualmente, nossas ruas são verdadeiras selvas, nas quais tais flanelinhas atuam como animais selvagens, demarcando seus territórios, brigando entre si para “conquistarem” áreas privilegiadas, onde as gorjetas são melhores, garantidas e que ocorrem durante o dia todo.

Há um verdadeiro loteamento em curso de nossas calçadas e ruas sem que ninguém, absolutamente ninguém faça nada para acabar com tal aberração. Pelo contrário, o povo brasileiro continua aceitando docilmente mais um desrespeito aos seus direitos, uma violação acintosa à qual somos submetidos e que consideramos absolutamente normal.

Quanta gente não acaba “contribuindo” com tais nefastos flanelinhas por terem medo de serem agredidos ou até mesmo roubados por eles? Tal situação continua ocorrendo pois nós, cidadãos brasileiros não nos mobilizamos e exigimos a retirada de todos os flanelinhas de nossas ruas e nos recusamos a sermos extorquidos por tais indivíduos.

Somente quando o povo brasileiro começar a exigir o respeito aos seus direitos, em todos os níveis e esferas, é que teremos paz.

Enquanto isso, continuaremos sendo extorquidos a cada esquina, indefesos, dóceis como uma ovelhas que, ingenuamente, caminham rumo ao matadouro.

OLEG PRISCO