terça-feira, 26 de janeiro de 2021

COPENHAGEN - PORTO DOS COMERCIANTES

 

COPENHAGEN – PORTO DOS COMERCIANTES


Ministérios


O tema da matéria de hoje é a cidade de Copenhagen, capital da Dinamarca, cuja região tem sido habitada há mais de 5000 anos. É um local com forte tradição na área comercial e de navegação. É exatamente por esse motivo que a cidade adquiriu o seu nome que, em dinamarquês, significa “Porto dos Comerciantes”. Oficialmente, foi fundada em 1167. Também é muito conhecida por ter sido um dos grandes centros dos Vikings.

Copenhagen tradicionalmente teve fortes laços comerciais com a Inglaterra, Noruega, Alemanha e Holanda. Já a Suécia, durante séculos, foi seu oponente, rival e inimiga. O principal produto da região e que gerou a movimentação comercial com outras nações foi o do arenque, muito abundante nas águas da região.

Borsen - Antiga Bolsa de Valores


Atualmente, as desavenças com a Suécia ficaram para trás, especialmente porque ambos países fazem parte da Comunidade Europeia e são interligados pela extraordinária ponte de Oresund, que conecta os dois países, estabelecendo uma ligação direta entre Copenhagen e Malmo, na Suécia.

Em 1417, Copenhagen já era a maior e mais rica cidade do país, sendo a residência oficial dos reis, o que a transformou em um centro político, econômico e cultural de toda a Dinamarca. Além disso, se tornou a base mais importante da frota marítima do país. Nesta época, a coroa dinamarquesa se tornou tão poderosa que passou a cobrar pedágio para os navios que passavam na região do rio Oresund, que separa a Dinamarca da Suécia. Em 1536, o Luteranismo se tornou a religião oficial do país.

Durante as duas guerras mundiais, a Dinamarca foi neutra. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, o país chegou a ser ocupado pelos alemães, o que acabou levando ao surgimento de um forte movimento de resistência anti-germânico.

Atualmente Copenhagen tem 1,9 milhões de habitantes. Possui um dos padrões de vida mais elevados do mundo, que é em grande parte financiado pelos altíssimos impostos cobrados de seus cidadãos. Ainda assim, o custo de vida no país ainda é mais baixo do que na Suécia e Noruega.

Praça Amagertorv e Rua Stroget


A cidade tem uma das ruas de pedestres mais longas do mundo, conhecida como Stroget, que se inicia na conhecida praça Amagertorv. A prefeitura da cidade é a Radhuset, um lindo palácio em estilo barroco, em uma ampla praça no centro da cidade.

Radhuset


Uma das maiores atrações da cidade são os jardins de Tivoli, uma mistura de parque de diversões, restaurantes, salas de concerto, lagos, atrações infantis e área de lazer. É conhecido por todos os habitantes da cidade, que frequentam seus jardins para longos passeios, especialmente nos dias de verão.

Jardins de Tivoli


A Ny Carlsberg Glyptotek é um dos maiores museus especializados em escultura em todo o mundo. Sua coleção é extraordinária, possuindo exemplares de arte etrusca, romana, além de esculturas de todos os tamanhos e variados materiais. É muito visitada por escolas e turistas, sendo muito popular também devido aos seus lindos jardins de inverno cobertos, onde existem até mesmo palmeiras.

Glyptotek - Museu de Esculturas


O Palácio de Christiansborg já foi um palácio real, mas atualmente é a sede do Parlamento Dinamarquês. Já o Nyhavn é um canal portuário onde ficavam antigamente os bordéis e onde atualmente se encontra uma grande concentração de pubs e restaurantes. É um dos lugares mais animados e movimentados da cidade, além de ser um ótimo ponto de início ou término de um passeio pela cidade, para que se possa conhecer a gastronomia e as bebidas locais.

Palácio de Christiansborg


Nyhavn


O símbolo da cidade é a estátua da pequena sereia, situada no porto de Langelinie. Há filas de turistas do mundo inteiro tentando tirar uma foto junto com pequena e solitária sereia. No entanto, está longe de ser uma atração imperdível, valendo a visita apenas se você tiver tempo de sobra na cidade. Há também o Botanisk Have, um lindo jardim botânico, com grandes estufas nas quais se encontram exemplares da flora de todas as partes do mundo.

Pequena Sereia - Símbolo de Copenhagen


Botanisk Have


O Kasteleet é uma área ocupada atualmente pelo exército dinamarquês, onde ficam seus alojamentos e centros de treinamento. Dentro dele há um lindo lago e também a bela igreja de Santo Albano. O local é aberto à visitação pública e é um excelente ponto para fotógrafos profissionais e amadores.

Igreja de Santo Albano - Dentro do Kastelet


Em termos de arte, um dos melhores e maiores museus da cidade é o Staten Museum for Kunst (Museu Nacional de Arte), que possui uma coleção fantástica de obras de Ticiano, Rubens, Rembrandt, El Greco, Picasso e Matisse.

Museu Nacional de Arte


O Rosenborg Slot é o palácio Real, onde se encontram as jóias da coroa, além de lindos e vastos jardins. Slotsholmen é a ilha de pescadores onde foi fundada a cidade de Copenhagen, atualmente ligada por várias pontes ao restante da área metropolitana. A Rundetarn é uma torre de 1640 construída no centro da cidade. O acesso ao topo dela, de onde se tem uma incrível vista da cidade, é feito através de amplas rampas internas, que levam os visitantes até o topo da torre.

Rosenborg Slot - Castelo Real


Rundertarn - Torre Circular


A cidade é recortada por incontáveis canais, neste aspecto, lembrando muito o traçado de outras cidades europeias tais como Amsterdam, Bruges e Veneza. Há também muitos barcos que são usados como casas para a habitação familiar.

Canais de Copenhagen


O Den Sorte Diamant é uma enorme e moderníssima biblioteca na qual estão guardados exemplares de todos os livros que já foram publicados no país. Já o Amber Museum é um museu especializado na gema nacional da Dinamarca, o âmbar. Há belíssimas peças em exposição, além de uma loja que vende jóias em âmbar, a preços exorbitantes. A loja Magasin du Nord, de inspiração francesa, é a mais antiga e tradicional da cidade, sendo uma equivalente da Harrod’s em Londres ou da Galleries Lafayette em Paris.

Museu do Âmbar


Magasin du Nord


Para quem aprecia igrejas, podem ser visitadas, por exemplo, a Holmens Kirke, uma linda igreja renascentista e a igreja de Nosso Salvador, com sua impressionante torre em espiral, pintada em dourado.

Holmens Kirke


Igreja de Nosso Salvador


Christiania é um tipo de enclave dentro de Copenhagen, uma chamada “Cidade Livre”, na qual habitam todo tipo de pessoas que não aceitam viver segundo as regras da sociedade local. Há o uso liberado de drogas, centros anarquistas, cafés, ateliês, casas de shows e residências. Lá dentro há apenas duas regras: não é permitido fotografar nem correr pois, segundo os locais, isso poderia assustar os moradores, que poderiam acreditar estar sendo atacados por policiais. Muitos dinamarqueses consideram que a existência de tal lugar é muito conveniente, pois permite que todos os “indesejáveis” fiquem concentrados em um só lugar, reduzindo a ocorrência de crimes, do uso de drogas e pequenos delitos em outras partes da cidade.

As bicicletas são parte indissociável da vida dos dinamarqueses. Em Copenhagen, mais de 37% de seus habitantes as usam diariamente para ir e voltar do trabalho, escola e também para atividades de lazer.

Capital das Bicicletas


Centro de Arquitetura Dinamarquesa


A arquitetura e o design são pontos muito fortes na cultura dinamarquesa, sendo que seus profissionais estão entre os mais renomados e conhecidos do mundo. Para aqueles que apreciam a arquitetura e o design moderno e inovador, vale muito conhecer o Dansk Design Center, centro de Design dinamarquês, além do Kunstindustrimuseet, museu de Design moderno. Pode-se também admirar a beleza da Operaen, casa de ópera de arquitetura ultra-moderna, dentro da qual há esculturas que mudam de cor de acordo com o clima.

Museu de Design Moderno


Operaen


Copenhagen é a sede de empresas de renome internacional, tais como a Lego, conhecida e amada por crianças do mundo todo, pois montam seus brinquedos usando as peças coloridas de Lego, além da poderosa Maersk Sealand, um gigante da navegação e do transporte de cargas por todos os oceanos do planeta. A cerveja Carlsberg também é produzida na cidade e exportada para todo mundo. É possível visitar sua fábrica e degustar suas deliciosas cervejas, conhecidas internacionalmente.

Soldado Dinamarquês feito em LEGO


Cervejaria Carlsberg


Entre os habitantes mais famosos de Copenhagen, podemos citar Hans Christian Andersen, conhecido em tudo mundo por suas lindas e encantadoras fábulas e contos infantis. Já Soren Kierkegaard foi um dos grandes mestres da filosofia, sendo considerado um dos pais do Existencialismo. Niels Bohr foi um dos maiores gênios da física, que desvendou segredos da energia atômica e física quântica, tendo sido posteriormente agraciado com o Prêmio Nobel de Física.

Hans Christian Andersen


Para aqueles que já tiverem conhecido as grande capitais da Europa, tais como Londres, Paris, Roma e Berlim, ou que apreciem lugares menos visitados, mas não menos interessantes, eu recomendo que visitem Copenhagen, pois ficarão impressionados com a tradição histórica da cidade, por sua arquitetura e design inovadores,  por sua culinária saborosa, além da beleza e simpatia de seu povo.

 

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em setembro de 2015.

Bibliografia usada: Copenhagen – A Historical Guide, de Torben Ejlersen

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PORTO FELIZ - TERRA DAS MONÇÕES

 

PORTO FELIZ – TERRA DAS MONÇÕES




 

Poucas cidades tem uma importância histórica tão grande para a formação territorial do Brasil quanto a pequena cidade de Porto Feliz, no estado de São Paulo.

Situada a apenas 120 km da capital paulista, a 1h50 de carro, Porto Feliz é considerada a capital das monções, que foram expedições fluviais ocorridas entre 1720 e 1850. Podemos considerar que as monções foram uma continuação do processo de desbravamento e exploração iniciado pelos bandeirantes paulistas e que tiveram um papel muito relevante na colonização da região Centro-Oeste do Brasil, especialmente dos atuais estados de Mato Grosso e Goiás. As monções também foram fundamentais para o desbravamento do interior do país e o alargamento das fronteiras brasileiras.

Gruta N.S. de Lourdes - Parque das Monções


Tais expedições fluviais foram denominadas monções pois elas ocorriam entre o final de março e início de junho, quando o nível das águas era maior. Elas duravam em torno de cinco meses, durante os quais eram percorridos mais de 3500 km.

A aventura das monções se iniciou em 1718, quando o bandeirante Pascoal Moreira Cabral encontrou ouro nos barrancos do rio Cuiabá, no atual estado de Mato Grosso. Rapidamente a notícia se espalhou por toda a província de São Paulo e homens provenientes de todas as partes passaram a tentar chegar às novas áreas auríferas recém-descobertas.

Inicialmente, os bandeirantes partiam de Santana de Parnaíba. Porém, como nessa localidade o rio Tietê é bastante acidentado, decidiram partir para a província de Mato Grosso diretamente do porto de Araritaguaba. Esse era o nome indígena original da localidade, que significa “lugar onde as araras bicam a areia”. Atualmente, a cidade é conhecida por Porto Feliz e foi fundada em 1693 por Antonio Cardoso Pimentel na margem esquerda do rio Anhemby, conhecido atualmente como rio Tietê. Dizem que a cidade se chama Porto Feliz pelo fato de seus habitantes serem conhecidos por sua alegria e hospitalidade, especialmente quando as expedições fluviais retornavam e eram motivo de grandes comemorações.

Monumento aos Bandeirantes - Parque das Monções


O rio Tietê acabou se revelando um grande aliado dos bandeirantes pois, contrariando o fluxo da grande maioria dos rios, que normalmente se dirigem para o mar, o Tietê tem o fluxo contrário, fluindo para o interior do território brasileiro. O rio serviu de via de transporte para todos aqueles que queriam desbravar as províncias de Goiás e Mato Grosso, buscando riquezas pelo interior inexplorado do Brasil.

Às margens do rio Tietê foi construído um estaleiro, no local que é conhecido atualmente como Porto das Monções. Lá foram fabricados incontáveis batelões, que eram embarcações feitas de enormes troncos de peroba rosa escavada, inspirada pelas pirogas indígenas. Elas alcançavam até 12 metros de comprimento e podiam acomodar até 100 pessoas. Atualmente, um dos batelões usados pelos bandeirantes se encontra exposto dentro de uma redoma de vidro, no Parque das Monções. Foi muito emocionante para mim visitar o Porto das Monções e imaginar toda aquela gente partindo rumo ao desconhecido, buscando ouro e pedras preciosas nos cantos mais remotos do Brasil. A sensação ficou ainda mais forte ao ver pessoalmente um batelão original usado pelos bandeirantes em tais empreitadas.

Porto das Monções - Antigo Estaleiro


Há muitos lugares de interesse a serem visitados em Porto Feliz. Um local importante é a antiga residência do capitão-mor José Manoel de Arruda e Abreu, totalmente feita de taipa de pilão e pau a pique. Tal residência abrigou visitantes ilustres, tais como D. Pedro II e o Duque de Caxias. A construção passou a abrigar o Museu das Monções em 1961 e atualmente se encontra em processo de restauração.

Museu das Monções - Em restauração


Outra atração importante é a Casa da Alfândega, local onde era centralizada e realizada toda a cobrança de impostos das monções que retornavam de Goiás e Mato Grosso, abarrotadas de ouro e pedras preciosas. Nesse local, o ouro que chegava era quintado (pagava-se um quinto do ouro descoberto) e enviado para Portugal. A casa se localiza no Largo da Penha, que era onde os bandeirantes se reuniam para preparar as monções antes de suas partidas. Um outro fato relevante que aconteceu nesse local foi que a famosa Expedição Langsdorff, que foi uma expedição russa organizada e chefiada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, que percorreu, entre os anos de 1824 a 1829, mais de dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil, fazendo registros dos aspectos mais variados de sua natureza e sociedade, partiu exatamente deste local.

Atualmente, o espaço é ocupado por um tradicional restaurante da cidade, o Bar e Restaurante do Belini, conhecido na região por preparar um prato denominado “Cearense”.

Casa da Alfândega - Atual Restaurante do Belini


No entanto, a maior atração da cidade é o Parque das Monções. Dentro dele podemos encontrar o Monumento aos Bandeirantes, o Porto das Monções, a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, que reproduz a original, situada na França, além de um exemplar de um batelão dos bandeirantes e o famoso Paredão Salitroso.

Batelão usado nas Monções - Parque das Monções


O Paredão Salitroso é um enorme monumento natural formado por rocha salitrosa, calcário e arenito, formada há mais de 300 milhões de anos. Muitos especialistas afirmam que este sítio arqueológico abriga provas que a região esteve submersa há milhões de anos atrás, pois há grande presença de sal marinho no paredão.

Paredão Salitroso


Em Porto Feliz também se encontra o antigo Engenho Central de Açúcar, que foi o primeiro da província de São Paulo e o terceiro a ser criado em todo o país. Ele foi ativo até 1991, quando foi fechado definitivamente. Atualmente o local está fechado à visitação e é inacessível ao público, podendo apenas ser visto de longe, do Parque das Monções.

Rio Tietê e Engenho Central de Açúcar


Há ainda a antiga estação de trem Sorocabana, que foi transformada em biblioteca municipal e também seu armazém, que atualmente abriga um centro cultural.

Do ponto de vista religioso, a maior atração da cidade é a Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens, de 1747, toda construída em taipa de pilão e pau a pique, em estilo barroco. Há uma lenda sobre a imagem da padroeira da cidade que relata que a imagem chegou a cidade e aguardava a partida de uma monção para ser levada. Entretanto, no dia de sua partida, a imagem se tornou tão pesada que não foi possível coloca-la no batelão. As pessoas entenderam que era sua vontade permanecer em Porto Feliz, se tornando então a padroeira da cidade.

Matriz N.S Mãe dos Homens


Entre algumas curiosidades sobre a cidade, podemos mencionar que foi nela que chegou o primeiro piano em toda a província de São Paulo, proveniente da Europa. Foi em Porto Feliz também que foi criada a primeira loja maçônica da província de São Paulo, em 1831. Houve também imigração belga na cidade, pois várias pessoas provenientes desse país vieram para Porto Feliz a fim de estabelecer uma colônia agrícola e a ensinar aos locais a cultura do trigo, linho, cevada e técnicas de criação de vacas leiteiras.

Atualmente, Porto Feliz celebra seu passado histórico durante a Semana das Monções, realizada anualmente entre os dias 7 e 13 de outubro, na qual são encenadas apresentações ao ar livre retratando acontecimentos da época dos bandeirantes e das monções que ocorreram na cidade.

Se você, assim como eu, é um apaixonado pela história do Brasil, particularmente dos bandeirantes e monções, não deixe de visitar essa cidade tão importante e relevante para a nossa história. Visite esse porto tão feliz!

 

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em novembro de 2018.

sábado, 23 de janeiro de 2021

VILA ITORORÓ

 

VILA ITORORÓ – UM LUGAR ÚNICO EM SÃO PAULO


Vista Panorâmica


Uma grande surpresa. É assim que pode ser definida a sensação de vermos a Vila Itororó pela primeira vez. Poucas vezes tive a oportunidade de conhecer um lugar tão singular e diferente de tudo que já vi antes, como é o caso dessa pequena vila situada em pleno coração de São Paulo, a menos de dois quilômetros da Avenida Paulista.

Quem passa pelo local de acesso frontal da vila, situada à Rua Pedroso, número 238, Bela Vista, jamais poderia imaginar que por trás de uma discreta entrada se encontra uma das construções mais bizarras e inusitadas da cidade de São Paulo e, provavelmente, de todo o Brasil.

Sobrados abandonados


A Vila Itororó foi construída por Francisco de Castro durante 20 anos, a partir do início do século passado. Durante duas décadas, a Vila foi um verdadeiro canteiro de obras para seu criador e construtor. Um local no qual pôde concretizar de maneira única o seu sonho de ser um grande proprietário de pequenos imóveis para locação, além de ter um espaço reservado para seu próprio palacete.

Francisco de Castro era um representante da indústria de tecidos sediada em Americana. Tal atividade permitiu que ele acumulasse o capital necessário para investir em imóveis, passando a adquirir terrenos na capital paulista, nos quais planejava construir pequenas casas para venda e aluguel. A venda e locação de imóveis, na época, assegurava um retorno financeiro garantido para aqueles que possuíam algum capital financeiro para investir, especialmente em bairros nos quais a dinâmica imobiliária oferecesse oportunidades de um rápido retorno financeiro, gerando bons lucros. A área onde se localiza atualmente a Vila Itororó se encaixa exatamente dentro deste perfil, pois já era razoavelmente urbanizada, dispondo do acesso rápido e fácil a serviços importantes, como escolas, hospitais e transporte público.

Casa abandonada


No entanto, como ainda havia várias questões urbanísticas não resolvidas na região, Francisco de Castro conseguiu obter preços vantajosos na aquisição dos terrenos que futuramente vieram a formar a Vila Itororó. Posteriormente, a valorização do metro quadrado construído na região trouxe um ótimo retorno do investimento feito por Castro.

O nome da Vila se originou do córrego Itororó que, até hoje, corre por dentro de seu terreno. A área ocupada pela Vila se encontra delimitada pela Rua Pedroso, onde se encontra a entrada principal, pela Rua Maestro Cardim à direita, pela Rua Martiniano de Carvalho à esquerda e pela Rua Monsenhor Passaláqua ao fundo.

Córrego Itororó


Na criação da Vila, Castro assumiu o papel de proprietário e também de construtor, sendo autor de todo o projeto das construções existentes no local. Como Francisco de Castro era um sujeito ambicioso e tinha um desejo de expor seu novo status social obtido através do aluguel de moradias populares, ele conseguiu estabelecer relações com a elite paulistana da época. Desta forma, muitos intelectuais, artistas e membros da alta sociedade paulistana passaram a frequentar a Vila Itororó.

Acesso à rua Monsenhor Passalaqua


A configuração da Vila é a seguinte: no centro dela foi construído um palacete, para residência da própria família Castro. Inicialmente, tratava-se de uma mansão de dois pisos. Posteriormente, foi acrescentado um terceiro piso. Por fim, foi adicionado um quarto e último piso. O palacete de quatro pavimentos, com trinta e dois cômodos, foi criado em várias etapas e era também adornado por colunas gigantescas, esculturas, fontes, áreas ajardinadas e outros adereços. Grande parte das esculturas e adereços encontrados no local são provenientes do antigo Teatro São José, que era localizado em frente ao Theatro Municipal. Como o Municipal se tornou muito mais popular, o Teatro São José acabou sendo demolido, não antes de ter tido grande parte de suas esculturas e adereços previamente removidos e adquiridos por Castro, que os reaproveitou em seu palacete na Vila Itororó. Desta forma, quem quiser ver ao vivo os últimos remanescentes do Teatro São José precisa ir pessoalmente à Vila Itororó.

Ornamentos do Teatro São José


Na parte mais baixa do terreno, Castro construiu um conjunto de lazer com piscina e uma garagem de vidro, para o Sr Castro poder expor à todos o seu reluzente automóvel, uma novidade reservada aos novos ricos da época. Ao redor de todo o conjunto, se encontram quatro prédios assobradados e catorze casas assobradadas, que eram alugadas por Castro para lhe garantir uma ótima renda mensal.

Foi construída também uma fonte, abastecida pelo córrego Itororó, na qual Castro homenageou o Centenário da Independência, a denominando de “Monumento Comemorativo da Fonte de 1822”.

Infelizmente, durante todo o processo de criação da Vila Itoróro, Francisco de Castro foi se endividando, até que em 1933 o empreendimento foi a leilão, pois seu proprietário não tinha mais condições de mantê-la e pagar suas dívidas.

Com a venda do imóvel começou a decadência da Vila Itororó. O palacete acabou sendo subdividido em quatro residências independentes, com acessos separados. Trinta famílias distintas passaram a ocupar o espaço e as residências existentes. A área de lazer passou a ser alugada ao Éden Liberdade Futebol Clube, que existiu no local até 1990. O acesso à piscina passou a ser reservado aos sócios do clube e aos moradores da Vila que tivessem condições de pagar as mensalidades do clube. No entanto, todos podiam ter acesso às sessões de cinema e bailes que aconteciam por lá.

Escadaria de acesso à rua Martiniano de Carvalho


Segundo Sarah Feldman e Ana Castro, “A dinâmica do “boca a boca” para alugar uma casa foi fundamental para esse tipo de ocupação, estendendo-se entre os amigos e mesmo entre os vizinhos: quando uma casa vagava, rapidamente era passada para algum conhecido, às vezes um morador de outra das casas do próprio conjunto, o que garantiu desde sempre uma sociabilidade intensa entre os moradores... formando uma comunidade em que as relações de parentesco se mesclavam às de amizade.”

Detalhe de estátua na fachada


Mesmo havendo uma sucessão de moradores na Vila entre as décadas de 1930 e 1970, foi mantida uma certa unidade entre os moradores, devido às condições sociais e financeiras dos habitantes, além dos vínculos familiares e de amizade entre eles. No entanto, os habitantes dos dois últimos andares do palacete não se misturavam com o restante dos moradores, não permitindo que seus filhos frequentassem ou circulassem pelas áreas comuns.

Vista frontal


Em 1974, um grupo de arquitetos do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) qualificou a Vila Itororó como “imóvel de caráter histórico ou de excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico, destinado à preservação”, o que garantiu ao menos que a Vila não fosse demolida para a construção de novos empreendimentos imobiliários. O SESC chegou até mesmo a cogitar a compra da Vila para transformá-la em uma de suas unidades, o que acabou não ocorrendo. Apenas em 2002 a Vila Itororó acabou sendo tombada pelo Conpresp e, posteriormente, também pelo Condephaat em 2005.

Nos últimos anos de habitação da Vila, a área passou a ser ocupada também por cortiços. A infeliz associação entre sublocação, deterioração e descaracterização do conjunto fez com que o local fosse sendo esquecido e abandonado. A Vila Itororó foi habitada até 2013, quando seus últimos moradores foram transferidos para dois conjuntos habitacionais localizados nos arredores da Vila e um terceiro no Bom Retiro, através da desapropriação do local pelo governo do Estado de São Paulo.

Vista de baixo


Eu recomendo à todos que quiserem conhecer uma faceta pouquíssimo conhecida de São Paulo que não deixem de visitar a Vila Itororó, pois se trata  de um lugar realmente único, histórico, visualmente impressionante, que fará com que a maior cidade da América do Sul seja vista por uma perspectiva totalmente diferente por quem a visitar.

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em agosto de 2018.

Bibliografia usada: Vila Itororó: Uma História em Três Atos, de Sarah Feldman e Ana Castro.