sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

HAMBURGO - SEGUNDO LAR DOS BEATLES

 

HAMBURGO – SEGUNDO LAR DOS BEATLES

 



Todos os fãs dos Beatles sabem que eles nasceram e foram criados em Liverpool, na Inglaterra. Porém, nem todos sabem que onde eles se tornaram músicos profissionais e aprenderam a ser uma banda de rock and roll original foi no segundo lar deles: Hamburgo, na Alemanha. Como disse John Lennon: “Nós nascemos em Liverpool, mas crescemos em Hamburgo”. Já Paul McCartney declarou: “Nós aprendemos a tocar nossos instrumentos em Liverpool, mas aprendemos a entreter uma plateia em Hamburgo”.

Hamburgo é a segunda maior cidade da Alemanha, atrás apenas de Berlim. É uma cidade portuária, assim como Liverpool. Seu porto é um dos maiores e mais movimentados do mundo. É uma cidade que sempre teve uma forte tradição libertária, onde todo tipo de comportamento era tolerado, especialmente no distrito da luz vermelha de Saint Pauli, local onde os Beatles sempre ficavam hospedados e tocavam em suas estadias na cidade, de agosto de 1960 a agosto de 1962.

Beatles Tour


A rua principal do bairro de Saint Pauli é a famosa Reeperbahn, que no passado, era isolada do resto da cidade por uma muralha, pois era o local de encontro dos ciganos, mendigos, prostitutas e marinheiros. Até mesmo o famoso compositor clássico, Johannes Brahms, passou parte de sua juventude tocando piano nos bares e bordéis de Saint Pauli.



Saint Pauli era um local no qual qualquer coisa de diferente poderia surgir e crescer. Foi exatamente o que aconteceu com a carreira musical dos Beatles. Ela cresceu nos bares de Saint Pauli e acabou por se espalhar por todo o mundo.

Quando chegaram pela primeira vez em Hamburgo, em 1960, o grupo era formado por John Lennon (guitarra base), Paul McCartney (guitarra base), George Harrison (guitarra solo), Stuart Sutcliffe (baixo) e Pete Best (bateria). O quinteto tinha pouca experiência musical, mas muita vontade de vencerem na carreira musical, além de um talento e carisma ímpares.

Eles viajaram de Liverpool para Hamburgo dentro de uma van, na qual transportavam toda sua bagagem pessoal e instrumentos. Viajaram sentados em cima dos amplificadores, já não havia quase nenhum espaço livre pois, além dos cinco Beatles, viajaram também o empresário deles da época, Alan Williams, e três outros assistentes. A pequena van foi transportada do porto de Liverpool para o porto de Hamburgo por navio.

Durante as várias passagens da banda pela cidade, eles tocaram aproximadamente 900 horas nos palcos da cidade, executando mais de 200 canções diferentes. Os Beatles tocavam 8 horas por noite, sete dias por semana. Sem dúvida, viviam uma rotina massacrante de trabalho, que permitiu que eles desenvolvessem suas habilidades musicais e se tornassem músicos realmente profissionais.

Haviam na época apenas quatro “Beat Clubs”, locais onde os Beatles podiam tocar o tipo de música que faziam. Eles foram a única banda a ser convidada a tocar em todos os quatro “clubs”.

Indra

Placa Comemorativa no Indra

Cartaz dos Beatles no Indra


O primeiro clube no qual os Beatles tocaram em Hamburgo foi o Indra (Grosse Freiheit 64). Como não havia lugar para eles dormirem no Indra, eles precisaram se acomodar em um velho cinema, chamado Bambi-Kino. Nele, os Beatles tinham que dormir todos juntos, atrás da tela do cinema, em beliches num quarto sem janelas, praticamente sem iluminação. O banheiro que usavam era o do próprio cinema. 

Bambi Kino

Entrada do Bambi Kino

Placa Comemorativa no Bambi Kino


Em uma das vezes que estavam deixando o local para retornarem à Liverpool, Paul e Pete penduraram algumas camisinhas na parede do quarto onde dormiam e as incendiaram. Quando o dono do local tomou conhecimento do ocorrido, imediatamente chamou a polícia, que prendeu os dois músicos por uma noite, até que fossem deportados no dia seguinte.

Delegacia na qual Paul e Pete foram presos


Os Beatles frequentavam a Herberstrasse, local que até hoje é reservado à prostituição. As duas entradas da pequena rua são bloqueadas por portões, que limitam a circulação no local, com placas proibindo a entrada de menores de idade e mulheres. Os Beatles tiveram várias namoradas que eram prostitutas e que cuidavam deles, pois eram muito jovens, não falavam praticamente nada de alemão e, muitas vezes, não tinham sequer o que comer nem onde tomarem banho ou se lavarem. Paul McCartney disse uma vez: “De repente, tínhamos namoradas que eram strippers. Nós mal tínhamos tido qualquer experiência sexual antes, então isso era formidável.” As prostitutas iam vê-los tocar em suas horas livres e ficaram muito amigas deles, pagando bebidas e até mesmo refeições para os pobres e desconhecidos músicos ingleses.

Herbertstrasse


Ringo Starr tem boas lembranças dos tempos de Hamburgo. Ele declarou que: “Os alemães eram fabulosos. Se eles gostassem de você, lhe davam de presente engradados de cerveja!”.

O segundo clube onde os Beatles tocaram foi o Kaiser Keller (Grosse Freiheit 36). Nessa época, tanto Paul quanto George já haviam aprendido a falar um pouco de alemão e passaram a ter uma interação maior com as plateias. Foi nesse local que Klaus Voorman e Astrid Kirshherr conheceram a banda e ficaram muito amigos de todos os músicos. Klaus Voorman é um grande desenhista e artista que foi convidado pelos Beatles, quando já eram a banda mais famosa do mundo, a criar a capa do brilhante álbum “Revolver”, de 1966.

Kaiserkeller


Astrid se apaixonou por Stuart Sutcliffe, que acabou deixando os Beatles para morar com ela em Hamburgo, até sua morte prematura, quando foi espancado numa briga de rua. Ela foi a primeira pessoa a fotografar os Beatles ao vivo, pois disse que sentiu que eles eram pessoas muito belas, talentosas, engraçadas e que tinham algo de especial. Suas fotos maravilhosas e históricas em preto e branco são lendárias e apreciadas pelos fãs até hoje. Tanto Astrid quanto Klaus influenciaram os Beatles, que passaram a usar jeans e jaquetas de couro nos palcos e também fora deles.

Placa Comemorativa no Kaiserkeller

Cartaz Original no Kaiserkeller


Os Beatles passaram a ser apenas quatro. Já que John e George se recusaram a assumir o baixo, Paul acabou cedendo e passou a ser o baixista da banda. Nessa época, também conheceram o baterista Ringo Starr, que também estava se apresentando em Hamburgo com sua banda, Rory Storm and the Hurricanes, que já eram mais famosos e recebiam um melhor cachê que os Beatles. Ocasionalmente, quando Pete Best não estava disponível ou presente, Ringo Starr passou a tocar informalmente com os Beatles, que imediatamente notaram que ele era a peça que estava faltando no quebra-cabeça da banda e o convidaram para fazer parte do grupo.

Foi também em Hamburgo que John Lennon conseguiu comprar sua famosa guitarra Rickenbacker 325, a qual ele usou durante grande parte da carreira dos Beatles. Foi na cidade também que Paul McCartney comprou seu lendário baixo Hofner, o qual ele usa ao vivo até os dias de hoje em seus shows pelo mundo e que também se tornou um ícone.

Um dos locais favoritos dos Beatles na cidade era o bar Gretel & Alfons. Eles iam lá para beber e relaxar após as apresentações nos clubes. Em uma das ocasiões, Paul acabou saindo sem pagar a conta de 20 marcos. Tal conta só foi paga em 1989 quando ele fez um show na cidade e fez questão de ir lá pessoalmente pagar sua dívida, com juros e correção monetária, além de deixar um poster autografado para os proprietários do bar.

Gretel & Alfons


O terceiro clube onde a banda tocou foi o Top Ten (Reeperbahn 136), que não existe mais. Foi aqui que Paul fez sua estreia como baixista dos Beatles. Eles gostavam do sistema de som da casa, com eco e também um piano, que passou a ser usado esporadicamente por Paul em algumas canções.


Beatles Platz - Silhuetas da banda


Em alguma de suas estadias na cidade, John foi fotografado na porta de um prédio no número 1 da Jagerpassage. Tal foto se tornou conhecida mundialmente quando foi usada na capa de seu álbum solo “Rock and Roll”, de 1975, no qual ele gravou clássicos do rock tocados pelos Beatles nos tempos de Hamburgo.

1 Jagerpassage


O quarto e último clube no qual os Beatles tocaram foi o Star Club (Grosse Freiheit 39). Nesse local, a banda passou a contar piadas no palco, interagir com as plateias e desenvolveram sua presença de palco. Infelizmente houve um incêndio no local em 1983 e a casa acabou sendo demolida três anos mais tarde.

Local do antigo Star Club

Placa Comemorativa no local do antigo Star Club


A banda retornou uma última vez à Hamburgo, em 1966, quando já eram os músicos mais famosos da história, em sua última tournée mundial. O show em Hamburgo em 1966 foi o último que fizeram na Europa. O resto, é história...

Cartaz original do Star Club


Ouça uma playlist especialmente preparada por mim no Spotify contendo muitas canções que os Beatles costumavam tocar em suas apresentações em Hamburgo. Basta clicar abaixo:

https://open.spotify.com/user/marcoandrebriones/playlist/47M553KuFCJuFREkE7EPI9

Marco André Briones – pensarnaoeproibido@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em setembro de 2015.

Bibliografia usada: The Beatles in Hamburg, de Spencer Leigh

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

AREIAS

 

AREIAS – INSPIRAÇÃO PARA MONTEIRO LOBATO

 

Foto de Marcio Masulino Alves


Situada a 250 km de São Paulo, ou 4 horas de viagem de carro, Areias é uma cidade que já foi um dos maiores polos cafeeiros do Brasil e que atualmente tem sua economia baseada na atividade pecuária.

Dizem que o nome da cidade se deve à um episódio ocorrido nos tempos do tropeirismo, quando tropeiros de Minas Gerais e de São Paulo , quando foram comer suas sobremesas depois de jantar, ao abrirem as caixetas onde guardavam suas goiabadas, encontraram apenas areia, pois as sobremesas haviam sido roubadas e, no lugar dela, alguém havia deixado apenas areia. A partir de então, sempre que se referiam ao tal rancho, diziam: “Lá no lugar das areias.”. Outros afirmam que o nome da cidade se dá pelo fato de seu solo ser particularmente arenoso.

Praça Nove de Julho


Presume-se que a chegada dos primeiros bandeirantes e desbravadores na região de Areias tenha ocorrido em 1748. O ponto inicial do desbravamento foi o povoado de Resende, que era chamado inicialmente de Campo Alegre. Desta forma, considera-se que os primeiros povoadores de Areias tenham sido os mesmos que fundaram Resende.

Originalmente um antigo pouso de tropas, à margem do Caminho Novo da Freguesia da Piedade, Areias foi um município pioneiro na produção e exportação de café, através do porto de Mambucaba, entre Paraty e Angra dos Reis.

O ciclo econômico do café durou de 1830 a 1910, durante o qual ocorreu seu apogeu. No entanto, Areias atingiu seu ápice na década de 1850-1860, quando a cidade prosperou por causa de suas grandes fazendas de café e com a construção de sua Igreja Matriz. Além disso, possuía muitos sobrados, ruas, jornais, um teatro, colégios particulares, bandas de música, fazendas de café, entre outros.

A Igreja Matriz de Areias, com suas duas torres é um testemunho da prosperidade e riqueza local, pois apenas as cidades muito ricas terminavam a construção de duas torres em suas igrejas, pois o Vaticano cobrava altos impostos das igrejas que haviam concluído suas torres. O sino da Igreja Matriz de Areias tocou em ocasiões especiais, como o término da Guerra do Paraguai, na Assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, no final da Guerra dos Canudos, na Revolução de 1932 e na Segunda Guerra Mundial.

Igreja Matriz


Areias foi um município com um grande território, do qual foram sucessivamente desmembrados os municípios de Cruzeiro, Queluz, Silveiras, Bananal e São José do Barreiro, todos municípios que fizeram parte do Circuito do Café.

Com o passar do tempo, Areias passou a ser também um núcleo produtor de arroz, feijão, mandioca e cana de açúcar, além da criação de galinhas.

Durante a Revolução de 1842, Areias teve todas as suas garantias constitucionais suspensas e foi anexada à Província do Rio de Janeiro, voltando a fazer parte de São Paulo apenas no ano seguinte, devido à sua oposição ao Império.

Com o declínio da atividade cafeeira e a abolição da escravatura, novas atividades econômicas, tais como pastagens, comércio e industrialização acabaram por substituir o café e foram empregadas como alternativas para a manutenção da atividade econômica da região. Os grandes fazendeiros da região tiveram suas fazendas hipotecadas e mudaram-se para outras partes do estado. Aqueles que ficaram, viram seus cafezais serem transformados em pastos para a pecuária.

O Vale do Paraíba, no qual se situa a cidade de Areias, foi a região que apresentou maior resistência quanto à abolição da escravatura, pois a economia local baseada na cultura cafeeira dependia fortemente da mão de obra escrava. Com o advento da abolição da escravatura, os negros liberados não ficaram na região. Partiram todos para o Rio de Janeiro, pois acreditavam que lá teriam a proteção da Princesa Isabel.

Além da Igreja Matriz, uma outra construção muito importante da cidade é o Solar do Capitão Mor, que foi o local onde se hospedou o Príncipe D. Pedro I, em agosto de 1822. D. Pedro I passou pela cidade em sua viagem para São Paulo, que culminou na Declaração da Independência do Brasil.  Em tal ocasião, pernoitou no Solar de Domingos Moreira da Silva.

A Velha Figueira é uma árvore que ficou muito conhecida na região pois sob sua sombra descansavam os tropeiros e transeuntes que circulavam pelo Caminho Novo da Piedade. Embaixo dela também descansou D. Pedro I, em sua viagem rumo à São Paulo em agosto de 1822. Atualmente existe uma placa comemorativa embaixo da Velha Figueira, celebrando a passagem do primeiro Imperador do Brasil pelo local.

Velha Figueira


No quarto que foi usado por D. Pedro I, no último andar do Solar do Capitão Mor, havia três janelas, cada uma voltada para uma direção diferente, que serviam como um posto de observação. A explicação para tal fato é que o capitão responsável pela expulsão dos últimos índios da região, proprietário do Solar, estava sempre preparado para um ataque indígena e fez de seu quarto, uma torre de vigia.

Eu tive a oportunidade de visitar o quarto no qual ficou hospedado D. Pedro I. Realmente a vista é privilegiada, pois cobre praticamente todos os ângulos da cidade. No entanto, me entristeceu o fato de que a decoração do quarto ter sido totalmente descaracterizada, não havendo absolutamente nenhum móvel remanescente da época. Atualmente, o quarto está decorado com móveis e objetos dos dias de hoje, não combinando com a atmosfera histórica do local.

Vista do Quadro de D.Pedro I


Em dezembro de 1868, ao voltarem de uma longa viagem pela Província de São Paulo, a Princesa Isabel e o Conde D’Eu hospedaram-se em Areias, no Solar da Família Pena.

Hoje em dia, o Solar do Capitão Mor foi transformado em um hotel, chamado Hotel Sant’Anna. O mesmo prédio foi usado para uma das últimas festas da monarquia, organizada pela Princesa Isabel para comemorar a abolição da escravatura. Infelizmente, mais uma vez, o salão no qual ocorreu tal importante festa hoje em dia é o restaurante e salão de café da manhã dos hóspedes, tendo também sido totalmente descaracterizado. O único vestígio remanescente dos tempos áureos do Solar é a existência de uma capelinha, anexa ao salão, existente até hoje, a qual eu também visitei.

Hotel Sant'Anna


Capela do Hotel Sant'Anna


O sobrado anexo ao hotel, é onde residiram Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, outros personagens ilustres na história de Areias.

Euclides da Cunha construiu dois pontilhões de madeira na cidade: um sobre o ribeirão João Paulo, na estrada para São José do Barreiro, e outro sobre o córrego São Domingos, na estrada para Silveiras. Além disso, também projetou e orçou a reforma do prédio da Câmara de Vereadores e Cadeia Pública, que já foi usado como Bolsa de Valores, na qual era negociado todo o café da região.

Areias também é conhecida por ter sido a comarca na qual Monteiro Lobato começou sua vida profissional, como promotor público em 1907. Foi lá que ele escreveu suas primeiras obras, “Urupês” e “Cidades Mortas”, que hoje em dia são considerados clássicos da literatura brasileira. Areias foi usada como modelo para todas as “Cidades Mortas” descritas por Monteiro Lobato em seu renomado livro.

Coincidentemente, Monteiro Lobato ocupou o mesmo quarto em uma pensão que havia sido anteriormente ocupado por Euclides da Cunha.

Em 1950, a construção da nova Rodovia Presidente Dutra, distante 13 km do município, acentuou ainda mais a decadência da cidade, pois quase todo o tráfego que passava por ali acabou sendo desviado para a nova rodovia.

Areias é conhecida por seu clima ameno e prazeroso, sendo muito procurada por pessoas em busca de repouso e para o tratamento de várias doenças, pois a temperatura do local tem um clima tipicamente europeu. Suas águas são cristalinas e puras e seus campos não possuem carrapatos nem bernes. Suas maçãs, peras e pêssegos são renomados pela qualidade e sabor que apresentam.

Quem estiver percorrendo o “Roteiro do Café”, que também inclui as cidades de Silveiras, Bananal, São José do Barreiro e Queluz, não deve deixar de conhecer Areias, pois poderá completar o circuito e conhecer uma simpática cidade, que já serviu de inspiração para Monteiro Lobato.

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em julho de 2018.

Bibliografia usada: Areias: Berço do Café no Vale do Paraíba Paulista, de Guido Gilberto do Nascimento

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

ITAPETININGA

 

ITAPETININGA – TERRA DAS ESCOLAS

 



A palavra Itapetininga significa caminho das pedras secas, ou caminho seco. No entanto, inicialmente a pequena vila se chamava Nossa Senhora dos Prazeres e foi fundada em 1770.

Os bandeirantes traçaram as trilhas e indicaram os roteiros que cruzaram nossas terras. Já os tropeiros firmaram as vias de comunicação por estas mesmas trilhas e roteiros, ao mesmo tempo que demarcaram os pontos nos quais deveriam ser construídas as nossas cidades. O tropeiro foi, desta forma, o continuador e consolidador do trabalho dos bandeirantes.



Itapetininga surgiu e se desenvolveu por causa do tropeirismo. Estes tropeiros descobriram um pouso excelente à beira do Rio Itapetininga, um ótimo local para descanso obrigatório para aqueles provenientes do sul do país. Eles montavam ranchos e arraiais para o pouso, antes de seguirem em direção ao Rio Grande do Sul. Esse ponto ainda existe sob o nome de “Porto”.

A atual Rua Quintino Bocaiúva se chamava inicialmente Rua das Tropas, pois era por lá que passavam as tropas provenientes do sul. Tal influência sulista é notada até os dias de hoje, pois o sotaque dos itapetininganos lembra bastante o dos gaúchos.



O primeiro núcleo de tropeiros na região de Itapetininga surgiu em 1724, quando descobriu-se que o pasto no local era abundante e a terra fértil para o plantio. Além disso, outro fator determinante para a escolha do local atual onde se situa a cidade foi a distância da Vila de Sorocaba - 12 léguas - que correspondia a uma jornada de tropa solta. Nessa época, a viagem de São Paulo até Itapetininga levava entre 6 a 8 dias. O local também era um pequeno centro comercial de mulas.

O Governador Geral da época determinou a abertura de um caminho novo para o sul da colônia, que permanecesse sempre seco, em substituição ao antigo, que ficava constantemente encharcado.



Em 1766, um grupo de portugueses, chefiado por Domingos José Vieira, deixou o primeiro núcleo (hoje, bairro do Porto), às margens do Rio Itapetininga, e formou outro, a 6 km do local original, em uma região alta e circundada por dois ribeirões, precisamente onde se localiza a Catedral, onde construíram a primeira capela de Nossa Senhora dos Prazeres. As primeiras cerimônias da instalação da freguesia de N.S. dos Prazeres de Itapetininga foram realizadas em 5 de novembro de 1770.



O antigo núcleo foi ocupado por Paschoal Leite de Moraes, que, vindo do Paraná com sua família, deu continuidade àquele núcleo populacional. Nessa época, a instalação de uma freguesia se dava com o levantamento do pelourinho.

O Capitão General da Capitania, D. Luiz Antônio de Sousa Botelho Mourão, baixou uma portaria em 17 de abril de 1768, na qual ordenava que fosse fundada a povoação de Itapetininga.

Nessa época, houve uma disputa entre os dois núcleos que queriam ser elevados à condição de vila. Desta forma, em 17 de abril de 1770, Simão Barbosa Franco foi nomeado para fundar o novo povoado, cabendo, a ele, a escolha do núcleo principal. Alguns historiadores contam que uma mula ruana marchadeira, ofertada como presente a Simão Barbosa Franco, garantiu a vitória de Domingos José Vieira.



Os campos de Itapetininga sempre tiveram fama de produzirem galináceos da melhor qualidade e em grande quantidade. Esse é um dos motivos pelos quais também a cidade é conhecida por sua deliciosa receita de bolinho de frango, criada há mais de 100 anos e que foi declarada patrimônio cultural imaterial da cidade.

Itapetininga sempre teve uma reputação de oferecer ótimas frutas, que eram vendidas à preços exorbitantes e também por seus animais de criação, que são excelentes, bem tratados, fortes e bonitos. Uma vez o governador da Província de São Paulo ordenou que toda a cavalaria de seu exército fosse adquirida em Itapetininga, devido à excelente qualidade dos animais da região.



A cidade de Itapetininga prosperou muito com o passar dos anos. Foi construído o Teatro São João, no qual se apresentavam alguns conjuntos teatrais esporadicamente. Nestas ocasiões, as famílias levavam às costas suas próprias cadeiras para sentar. Terminado o espetáculo, traziam de volta às costas cada um à sua cadeira. Nem mesmo na igreja Matriz havia bancos para os fiéis se sentarem.

Neste período, o arroz era considerado um artigo de luxo e era somente servido às visitas, pois era proveniente do Japão, de onde vinha em barris.

Em 1852 foi fundada a Loja Maçônica Firmeza, existente até hoje. Já em 1873 foi construída a Igreja N.S. do Rosário, com mão de obra escrava.



Sem dúvida, o itapetiningano mais ilustre nasceu em 1882. Seu nome era Júlio Prestes, integrante de uma família muito tradicional e renomada na cidade. Foi o último presidente do Brasil eleito durante a República Velha, mas foi impedido de assumir o cargo devido a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que assumiu a Presidência da República em seu lugar. Prestes foi o único político eleito presidente da república do Brasil pelo voto popular a ser impedido de tomar posse, além de ter sido o primeiro brasileiro a ser capa da renomada revista Time, em 1930.



Durante a Revolução de 1930, a cidade foi ocupada pelas tropas de Getúlio Vargas. Um triste episódio ocorreu quando o prédio da Escola Normal, marco da cidade, foi transformado em quartel e lá os soldados transformaram o pátio em local para preparo de churrasco.

Uma outra Itapetiningana célebre é Anésia Pinheiro Machado, que foi a primeira aviadora do Brasil. Outro famoso cidadão nascido na cidade foi o autor da canção “Menino da Porteira”, chamado Teddy Vieira.



Itapetininga é também conhecida como “Terra das Escolas” por causa de sua longa tradição educacional, refletida na alta qualidade de suas escolas, professores e alunos.



A forte tradição educacional da cidade foi iniciada com a criação da Escola Normal Superior, a única do interior do Estado de São Paulo na época. Depois ela se transformou na renomada Escola Peixoto Gomide, obra do famoso arquiteto Ramos de Azevedo. Em 1920 foi criada a Faculdade de Odontologia e Farmácia, a terceira de todo o estado, atrás apenas da capital e de Araraquara. Há também o conhecido Colégio das Freiras. Durante muito tempo a cidade foi o centro escolar de toda a região.



Na área cultural, há também referências que são reconhecidas por sua população, entre elas o “Cururu”, comum na zona rural, que é um canto de improviso, espécie de ‘repente’ paulista, no qual a viola caipira dita o ritmo e a melodia.

Em 1921, o célebre francês Marechal Pétain, herói da Primeira Guerra Mundial e futuro presidente da França passou por Itapetininga, onde foi recebido pelo Professor Haddock Lobo, que o homenageou com um discurso feito em francês. Ao final do discurso, Pétain o beijo, dizendo que naquele momento a França precisava de homens como ele.



Entre os visitantes ilustres que a cidade recebeu ao longo dos anos estão, entre outros, o Conde D’Eu, Garibaldi, Washington Luiz, Heitor Villa Lobos e Rui Barbosa.

Atualmente, Itapetininga possui uma economia fortemente voltada à agricultura, possuindo o maior produto interno bruto agrícola do estado de São Paulo. Além disso, conta com algumas indústrias de expressão nacional de grande porte, tais como a 3M, Baterias Moura, Duratex, Nishimbo entre outras. É considerada um grande polo moveleiro e têxtil do Sudoeste Paulista. Não podemos deixar de mencionar também as saborosas batatas cultivadas na cidade, que abastecem operações do McDonald’s e da Elma Chips no Brasil.

Também são muito conhecidos o Pesqueiro Itograss, cujo grupo é o maior fornecedor de grama do Brasil, para campos de futebol e estradas; a Churrascaria Sacy, famosa por seu “Lombinho com Queijo”, além dos Chocolates Aspen, de ótima qualidade.



Um fato curioso sobre a cidade é que há um elevado número de habitantes com idade acima dos 80 anos vivendo em Itapetininga. Acredita-se que tal fato se deva à qualidade de vida na cidade.

A distância de Itapetininga até São Paulo é de apenas 160 km, duas horas de carro. Portanto, se estiver na região, não deixe de conhecer essa tradicional cidade, tão renomada por suas escolas, seus filhos ilustres e também pela qualidade dos produtos de sua terra. Você não se esquecerá de Itapetininga.

 

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda.gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, entre 2009 e 2018.

Bibliografia usada:

Um Adeus em Cada Esquina – Recordações de Gente Nossa – História de Itapetininga, de Hehil Abuázar.

Itapetinga e Sua História – de Antônio Galvão Jr.

Com agradecimentos especiais à Sra Ana de Lourdes Ribeiro Secco e ao Sr. José de Almeida Ribeiro

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

MUSEU KROLLER MULLER - EM OTTERLO, HOLANDA

 

MUSEU KROLLER MULLER EM OTTERLO – A SEGUNDA MAIOR COLEÇÃO DE QUADROS DE VAN GOGH NO MUNDO

 



Se você é um admirador das obras de Vincent Van Gogh, você precisa conhecer o Museu Kröller-Müller, localizado em Otterlo, a apenas 95 km de Amsterdã, aproximadamente uma hora de viagem de carro.

Trata-se de um dos melhores e mais desconhecidos museus de arte do mundo. Poucos turistas fora da Holanda já ouviram falar ou visitaram o Museu Kroller Muller, pois eles usualmente restringem suas visitas aos locais mais famosos do país, tais como Amsterdã, Haia ou Rotterdã.



Eu tive a oportunidade de visitar o Museu Kroller Muller em janeiro de 2006, no auge do inverno europeu, quando toda a região estava totalmente coberta de neve.

O Museu Kroller Muller foi fundado por Helene Kroller Muller, que era filha de um riquíssimo magnata da indústria do aço na Holanda. Helene era uma ávida colecionadora que foi uma das primeiras pessoas a reconhecer o talento incomparável de Vincent Van Gogh e a colecionar suas obras. Além disso, como adquiriu uma enorme quantidade de quadros do pintor, até então pouco conhecido, ela contribuiu muito para que sua obra se tornasse cada vez mais popular e reconhecida internacionalmente.



Atualmente, o museu abriga nada menos do que a segunda maior coleção de quadros de Van Gogh no mundo, ficando atrás apenas do próprio Museu Van Gogh, em Amsterdã.

Helene sonhava em construir seu museu dos sonhos, no qual ela pudesse compartilhar seu amor pela arte moderna com todo mundo. Durante 1907 e 1922, ela adquiriu aproximadamente 11.500 obras de arte, fazendo de sua coleção uma das maiores de todo o século XX. Ela finalmente conseguiu materializar seu sonho em 1938, quando o Museu Kroller Muller abriu suas portas.



O museu é localizado no meio de um lindo e enorme parque, que já foi uma reserva natural de 30 hectares, chamado Parque Nacional Hoge Veluwe, na cidade de Otterlo. Lá podemos ver algumas das melhores vistas do interior da Holanda, pois no parque há dunas de areia, lagos, bosques, além da fauna e flora local.

Além do museu, situado no parque, podemos visitar o melhor jardim de esculturas modernas e contemporâneas do mundo, com mais de 160 obras de escultores icônicos como Aristide Maillol, Auguste Rodin e Henry Moore, entre outros. O parque reflete o conceito de simbiose entre arte, arquitetura e natureza de Helene Kroller Muller. Ao visitar o local, podemos realmente sentir como todos esses três elementos combinam harmoniosamente. O parque é aberto durante o ano todo, e muda de aparência de acordo com as estações. A área externa do museu serve também de espaço para concertos musicais no verão, além de muitas workshops.



No entanto, não são apenas os quadros de Van Gogh que podem ser apreciados pelos turistas. Há muitas outras obras de grandes artistas que também estão permanentemente em exposição no museu, entre elas, vários quadros de Monet, Mondrian, Seurat, Braque, Gauguin e Picasso. Além disso, também podem ser vistos outros quadros de artistas holandeses, italianos, alemães dos séculos XVI a XVIII, mobiliário, cerâmicas chinesas, egípcias, francesas e gregas.

Atualmente o museu recebe mais de 330.000 visitantes ao ano, sendo o sexto museu de arte mais popular da Holanda. O parque no qual se situa o museu foi vendido pela família Kroller Muller ao governo holandês em 1935. Na ocasião, Helene e seu marido doaram toda a sua coleção de obras de arte à Holanda. Em 1938, o museu foi finalmente aberto ao público. Já o jardim de esculturas foi adicionado em 1961 e uma nova ala de exposições foi construída em 1977.



Como não há nenhuma estação de trem nos arredores do parque, a maneira mais fácil de se conhecer o parque e o Museu Kroller Muller é de carro, pois o acesso é mais rápido e há vários estacionamentos no local. Todo o espaço é também muito bom de ser visitado de bicicleta, nos meses mais quentes do ano, pois há muitas bicicletas brancas para aluguel, permitindo que os turistas possam conhecer o parque, o jardim de esculturas e, por fim, visitar as obras maravilhosas em exposição no museu. Dentro dele, há também um ótimo restaurante self-service, chamado “Monsieur Jacques”.

Nunca me esquecerei da visita ao Museu Kroller Muller, em pleno inverno, e de ficar surpreso com a quantidade e qualidade das obras expostas no local. Foi realmente uma visita muito especial para mim, pois as paredes do museu são praticamente todas de vidro, permitindo que eu pudesse ver toda a neve do lado de fora, no jardim de esculturas, enquanto conhecia este maravilhoso museu.



Se estiver na Holanda e tiver algum tempo disponível, não perca a oportunidade de visitar um lugar único, pouquíssimo conhecido pelos turistas brasileiros, e que lhe deixará surpreso com suas belezas e a qualidade indiscutível de sua coleção de obras de arte. Bom passeio!

Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com

Todas as fotos da matéria foram tiradas por Marco André Briones, em janeiro de 2006.