PARANAPIACABA
– UM ENCLAVE INGLÊS NO BRASIL
Um pequeno pedaço da Inglaterra em meio à Mata
Atlântica do Estado de São Paulo. Provavelmente essa seja a melhor definição da
Vila de Paranapiacaba.
Escondida no topo da serra a 796 metros acima do nível
do mar, a Vila de Paranapiacaba foi construída de forma planejada por
engenheiros ingleses, que foram os responsáveis pela construção da ferrovia
Santos-Jundiaí. Ela se situa próxima às nascentes dos rios Grande e Pequeno
que, juntos, são formadores da Represa Billings.
Com a crescente produção cafeeira no Estado de São
Paulo, que cobria vastas fazendas até a região de Ribeirão Preto, o escoamento
das safras se tornou inviável através do transporte no lombo de mulas, como foi
feito durante muito tempo. Foi desse impasse que surgiu a ideia de se construir
uma ferrovia que ligasse Jundiaí, um dos grandes polos cafeeiros, até o porto
de Santos, para que a produção pudesse ser escoada em quantidade muito maior e
com velocidade crescente.
O Governo Imperial concedeu tal empreendimento ao Barão
de Mauá, por considerá-lo apto a enfrentar tal dura empreitada, que envolvia o
enorme desafio de se transpor a serra entre a baixada santista e o interior do
estado.
O Barão de Mauá consultou engenheiros ingleses que, na
época, eram os melhores do mundo, pois haviam adquirido uma enorme experiência
em criar ferrovias dentro do próprio Reino Unido durante a Revolução Industrial.
Tais engenheiros consideraram que era viável a construção da ferrovia Jundiaí-Santos.
Cemitério |
A fim de que se superasse o obstáculo existente da
serra, foi proposta a adoção do sistema funicular. A subida do litoral ao
planalto seria dividida em quatro declives e, na ponta de cada rampa seria criado
um patamar no qual seriam montadas casas de força e máquinas a vapor. Elas
seriam responsáveis pela tração dos cabos de aço que a serem utilizados para
puxar as locomotivas serra acima e nas descidas, para evitar que elas chegassem
ao litoral em alta velocidade e perdessem o controle. Para viabilizar tal feito
de engenharia foram posicionadas paredes maciças para conter os taludes da
serra e pontes e viadutos metálicos para ligar as encostas da serra.
Um projeto de tal magnitude denotou a necessidade de
ser fundada uma vila para abrigar os operários que trabalhariam durante anos na
grandiosa obra ferroviária. Essa vila seria o local onde residiriam os
engenheiros e operários da São Paulo Railway. Daí surgiu a Vila Martin Smith,
que foi posteriormente renomeada Vila de Paranapiacaba, tendo sido tombada pelo
Condephaat em 1987, por ser considerada um patrimônio histórico nacional. O
nome da vila, no idioma tupi, significa “lugar de se ver o mar, ou da visão do
mar”, pois da região é possível se ver o mar em Santos.
Inicialmente, a estação que foi estabelecida na
localidade foi apropriadamente denominada de “Alto da Serra”. Posteriormente,
seu nome foi mudado para Paranapiacaba. A estação atual, preservada até os dias
de hoje, foi construída em ferro e madeira e coberta por telhas francesas
provenientes do Reino Unido.
Com o surgimento da nova ferrovia e, consequentemente,
da Vila de Paranapiacaba, a exportação de café ao exterior pôde prosseguir em
uma escala muito maior, com um ritmo consideravelmente mais intenso de
circulação de carga.
Durante o período entre 1890 e 1945, a vila foi
administrada pela São Paulo Railway, por parte dos ingleses. A partir do
término da concessão, em 1946, a ferrovia foi encampada pela União, que assumiu
sua gestão.
O ponto mais marcante da vila, e seu principal cartão
postal, é a torre do relógio, fabricado em Londres pela empresa Johnny Walker
Benson, que não é a mesma produtora do whisky de mesmo nome.
Torre do Relógio |
Por ter sido um projeto idealizado e implementado pelos
ingleses, Paranapiacaba possui um traçado ímpar no Brasil, pois tem suas ruas,
casas e vielas sanitárias totalmente inspiradas no estilo arquitetônico
existente na Inglaterra da época. Um exemplo disso é o uso do pinho de riga nas
construções, considerado tipicamente característico do estilo vitoriano.
Há várias construções remanescentes até hoje na vila.
Uma delas é o Clube União Lyra Serrano, no qual é realizado anualmente um
renomado Festival de Inverno, onde se apresentam atrações musicais
internacionais e nacionais, além haver de uma intensa oferta de oficinais,
peças de teatro, eventos culturais, gastronômicos e feiras de artesanato, entre
outros. Além disso, o clube possui um dos campos de futebol mais antigos do
Brasil, onde provavelmente foi realizada a primeira partida oficial do país,
com a participação de Charles Miller, o introdutor do futebol em terras
brasileiras.
Podemos também ver e fotografar muitas residências
originais, que foram construídas respeitando a hierarquia dos funcionários da
ferrovia. O funcionário mais graduado residia no casarão conhecido como
“Castelinho”, pois fica isolado no alto da serra, com uma vista privilegiada de
toda a Vila de Paranapiacaba. Os quarteirões residenciais foram planejados de
forma que rapidamente pudesse se encontrar qualquer funcionário, de acordo com
o seu posto na hierarquia local. Os engenheiros e suas famílias moravam em
casas grande e com varandas. Já os operários residiam em casas menores e de
construção mais simples. Todas elas ainda permanecem no local e são habitadas
por alguns descendentes dos moradores originais. Outras foram vendidas e
possuem novos proprietários, sem qualquer vínculo com os imigrantes ingleses.
Castelinho |
A estação ferroviária é a maior atração da cidade, pois
nela podemos conhecer de perto algumas locomotivas originais, embora elas se
encontrem mal preservadas. Há passeios guiados por todo o pátio, oficinas e
casas de máquinas ainda existentes. É um passeio que agrada muito os visitantes,
especialmente as crianças, que adoram ver os vagões e brincar de maquinistas.
Pátio dos trens |
A vila é muito procurada pelos turistas, especialmente
no período do inverno e outono pois frequentemente ela se encontra envolta em
uma intensa bruma, que dá um aspecto londrino ao local, nos remetendo
facilmente à época em que a vila era residência de uma considerável comunidade
inglesa.
É também usada regularmente como local para ensaios
fotográficos por famílias, casais, gestantes e artistas que aproveitam a
atmosfera de mistério que existe no local para elaborarem suas obras.
Vila Alta |
Outra bela atração na vila é a Igreja Bom Jesus de
Paranapiacaba, que possui um cemitério em sua lateral. A igreja em si é muito
bonita, com sua fachada amarela, contrastando com o céu azul da região. Além
disso, do cemitério e da igreja se tem uma ótima vista panorâmica de toda
Paranapiacaba.
Igreja Bom Jesus |
Eu recomendo fortemente uma ida à Paranapiacaba para
todos que estejam buscando um magnífico cenário para suas fotos, também para
aqueles que gostem da atmosfera da serra e aos amantes da história do Brasil.
Garanto que não se arrependerão da visita a esse pedacinho do Brasil desbravado
pelos ingleses.
Bom passeio!
Marco André Briones – pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
Todas as fotos da
matéria foram tiradas por Marco André Briones, em março de 2016.
Bibliografia
usada:
Caminho
do Mar – História e Meio Ambiente
A
História de Paranapiacaba – de Vicente Lamarca