PARTE 4
DIA 7
Como o calor havia sido muito
intenso no dia anterior, decidi descansar no período da manhã e me recuperar um
pouco do ritmo pesado dos meus passeios feitos até então.
A primeira parada rápida do dia foi
para dar uma olhada no antigo Hotel Capri, atualmente abandonado e em péssimo
estado. O motivo de minha passagem por ali foi para ver um local que no passado
foi dominado pela máfia e que, ainda por cima, aparece em uma das cenas do
filme “O Poderoso Chefão”, na
qual é retratada uma reunião entre os maiores líderes da máfia da época.
Realmente bastante interessante imaginar que tal reunião realmente tenha
acontecido ali, naquele local totalmente sem qualquer sinal de vida hoje em
dia.
Hotel Capri |
Depois dessa parada fui almoçar no
Edifício Focsa, que é um ícone da
cidade por ser muito tradicional e ter um restaurante panorâmico no topo, com
uma linda vista de 360 graus de toda a cidade de Havana. O restaurante se chama
“La Torre”. O almoço foi bastante simples, no qual comi uma carne
com batatas e cenouras. O que mais me chamou a atenção foi que, ao chegar no
restaurante, todas as mesas já estavam postas com uma entrada nos pratos. O
detalhe é que era uma entrada de frutos do mar. Sabe-se lá há quanto tempo
aqueles pratos já estavam postos ali, sem qualquer tipo de refrigeração. Alguém
que resolva comer tal entrada, que estava tomando sol há horas ali, é um sério candidato a
participar de uma verdadeira roleta russa gastronômica.
Edifício Focsa - entradas já servidas nas mesas |
A parada seguinte foi o Hotel
Cohiba, no qual eu comprei uma linda Guayabera, um tipo de camisa social típica
de Cuba, que é usada em ocasiões especiais. São peças muito
bem trabalhadas, especialmente se adquirirmos uma Guayabera de uma marca
superior. Foi o único presente que comprei para mim durante toda a minha
estadia na ilha.
Há alguns
outros pontos que eu gostaria de mencionar, relativos às observações que fiz
durante minhas férias em Cuba. Primeiramente quero deixar registrado aqui o
alto índice de prostituição existente no país. Todos os dias, sem exceção, fui
abordado incontáveis vezes por prostitutas me oferecendo seus serviços. Havia
mulheres de todas as idades e tipos. O que me entristeceu ainda mais foi o fato
de tomar conhecimento que, para a maioria delas, a prostituição não é apenas uma
forma de subsistência, mas também de adquirirem bens como um sabonete, um tubo
de pasta de dente, um perfume barato. Realmente uma realidade deprimente. Notei
também que, quase sempre, as prostitutas andam acompanhadas por garotos de
programa. Caso a abordagem delas aos turistas masculinos estrangeiros não dê certo,
logo em seguida somos abordados por um garoto de programa, pois eles imaginam
que se o turista não se interessa por uma mulher, provavelmente é porque
ele é homossexual, e prefere os serviços de um garoto de programa. Que tristeza
presenciar isso diariamente.
Um outro fator marcante foi que, em
todas as farmácias que visitei, praticamente não encontrei nenhum medicamento à
venda. Na realidade, não havia praticamente nada sendo vendido. Em todas as
farmácias, sempre velhíssimas e em péssimo estado de conservação, havia
prateleiras e prateleiras vazias, sem nenhum produto exposto. Eventualmente
havia um ou dois frascos de medicamento exposto. Nada mais. Nada de sabonetes,
pastas de dente, absorventes femininos, fios dentais, lâminas
descartáveis, absolutamente nada. Os funcionários ficam sentados o dia inteiro
dentro da farmácia, ouvindo música, sem fazerem absolutamente nada.
Em seguida, fiz uma visita bastante
inusitada: fui conhecer a Praça Lennon. Sim, em homenagem ao lendário Beatle
John Lennon. Fiquei intrigado por não conseguir entender qual a ligação de
Lennon com Cuba, já que Fidel Castro e o governo cubano consideram o rock
como um produto nocivo do capitalismo, uma forma de dominação cultural criada
pelos EUA. Acabei descobrindo que, na visão deles, Lennon era um rebelde
revolucionário, que lutava contra os EUA e, desta forma então, seria um aliado
de Cuba. Um verdadeiro absurdo, pois John Lennon nunca declarou ser a favor de
Fidel Castro, ou de Cuba. Além disso, quando se separou dos Beatles, morou nos
EUA em Nova York até a sua morte prematura em 1980. Realmente isso denota o quão
equivocada é a leitura do governo cubano quanto ao posicionamento e
ideais defendidos pelas pessoas. Não pude deixar de fazer uma foto sentado no
banco, ao lado da estátua de John Lennon, especialmente por ser um grande fã
dele desde criança. Um pequeno detalhe: há um funcionário público,
um senhor muito idoso, provavelmente com mais de 80 anos, cujo único trabalho é
tomar conta dos óculos da estátua. Quando não há ninguém na praça, ele guarda os
óculos da estátua no bolso. Ao chegar algum turista, ele coloca os óculos na
estátua para que possam ser feitas fotos. Feitos os registros fotográficos, ele
deixa John Lennon míope novamente e guarda os óculos no bolso. Segundo ele,
isso é para evitar roubos, pois a área
está cheia de ladrões que querem pegar tal peça para vender e ganhar alguns
dólares.
Praça Lennon |
Outro ícone de Cuba é o
Cocotáxi. Uma estrutura de fibra de vidro, no formato de um coco, montado em
cima de uma motocicleta. Serve de táxi para dois passageiros, sempre turistas,
que se deparam com tal meio de transporte inusitado. Eu pessoalmente não andei
de Cocotáxi, pois soube que há incontáveis
registros de acidentes. Desta forma, preferi apenas vê-los de perto e fazer
meus registros fotográficos.
Cocotáxi |
Fiz uma rápida passagem pela Casa
das Américas, onde se situa um organismo de cooperação entre os países do
continente e, em seguida, passei pelo ICAIC, Instituto Cubano de Arte e Indústria
Cinematográficos, que foi estabelecido pelo governo cubano em 1959,
depois da Revolução Cubana, a fim de promover filmes do país, com um viés
propagandístico a apoiar o governo e sua ideologia.
Na sequência, fiz uma breve parada
no Cemitério Cólon, onde estão enterrados a política socialista chilena Isabel
Allende e o músico Ibrahim Ferrer, do Buena Vista Social Club. Trata-se do
maior e mais importante cemitério da cidade.
Um dos lugares mais bizarros que
visitei em Havana foi a próxima parada, o Parque Lenin. Sim, há um parque na capital
cubana homenageando Vladimir Lenin, o líder soviético. Logo na
entrada do parque há um busto em proporções soviéticas, típicas
do comunismo, em que Lenin aparece de perfil. Não pude deixar de fazer várias
fotos no local, pois parecia realmente uma cena de filme ver tal monumento
dentro do maior parque da cidade de Havana.
Parque Lenin |
Visitei a Torre de La Chorera, de
1646, remanescente do período hispânico. O lugar está bem preservado e
atualmente tem um restaurante para turistas estrangeiros.
Torre de la Chorera |
No final da tarde, fui beber uma
Tukola no pátio do famoso Hotel Nacional, para ter a oportunidade de ver o
lindo mar azul intenso do Caribe, pois no dia seguinte ocorreria o meu regresso
ao Brasil. Fiquei horas ali, vendo o mar e pensando em tudo que eu havia visto,
vivido e aprendido em minha curta, porém marcante estadia em Cuba. Um momento
de profunda reflexão.
Para finalizar o dia, jantei no
Hotel Meliá Cohiba, no restaurante La Piazza.
DIA 8
O meu último dia em Cuba começou com
um café da manhã no Hotel NH. Logo em seguida fui a pé para visitar a fábrica
de charutos mais famosa do país.
Antes de chegar até lá, passei por uma
praça onde vi um carrinho vendendo “Granizado”. Descobri que é um tipo de
raspadinha, uma mistura de gelo com xaropes do tipo groselha. O problema é que,
além da falta de higiene total do carrinho, a água usada para preparar o gelo
não tem tratamento nenhum. Muitos turistas literalmente “entram em uma fria” ao
tentarem experimentar o tal do granizado, passando depois dias sem sair do
banheiro, com fortes crises de diarréia. Portanto, ainda não foi dessa vez que
eu experimentei essa “iguaria” local.
Granizado |
Uma surpresa que tive foi, ao cruzar
uma praça, encontrei bustos de dois personagens históricos brasileiros:
Tiradentes e José Bonifácio. Depois descobri que era uma homenagem a personagens
históricos latino-americanos considerados líderes
revolucionários. Tiradentes pode ser considerado um líder
revolucionário, mas José Bonifácio?
Busto de Tiradentes. Acima, busto de José Bonifácio |
Finalmente cheguei à Fábrica de
Charutos Partagás, a mais renomada do país, conhecida por produzir os mais
sofisticados, procurados e caros charutos de Cuba. Os conhecedores e
apreciadores de charutos pagam centenas de dólares por uma pequena caixa
contendo alguns charutos Partagás.
Fábrica de Charutos Partagás |
Infelizmente os visitantes não podem
tirar fotos dentro da fábrica. A visita é interessantíssima e
surpreendente em vários aspectos. A parte boa é que se aprende detalhadamente a
história dos charutos cubanos, como eles são elaborados, os principais insumos
necessários, as embalagens, e tudo mais. A parte ruim é que vemos as condições
de trabalho às quais os empregados da fábrica são submetidos. Vi
coisas que jamais seriam permitidas em qualquer país do mundo que tivesse uma
legislação trabalhista minimamente séria, além de um
departamento de vigilância sanitária atuante. Se você é um fumante de charutos cubanos,
talvez seja melhor pular para o próximo parágrafo, pois talvez não queira saber
o que vêm colocando em sua boca há tempos. O calor dentro da fábrica é
infernal, e ela não possui nenhum tipo de climatização, nem mesmo ventiladores,
para atenderem os funcionários para que eles não sofram durante o expediente.
Cada um deles suava muito, estando totalmente cobertos de suor nos rostos e,
especialmente, nas mãos, usadas para enrolar e embalar os charutos, sem nenhum
uso de luvas ou qualquer tipo de higienização. As mesas onde os charutos são
enrolados são imundas, assim como todos os objetos usados na elaboração dos
renomados charutos. O local tem um odor horrível de suor misturado com sujeira
e calor. Definitivamente, quem visita uma fábrica de charutos cubana jamais
colocará um desses charutos na boca em sua vida.
No final da visita, há uma loja onde
os interessados podem comprar charutos Partagás a preços
de fábrica. Eu trouxe apenas alguns de lembrança para amigos que haviam me
encomendado tais produtos, além de um para mim, que eu jamais fumarei, mas que
guardarei para sempre como lembrança da visita.
Outra coisa assustadora em Cuba são
os banheiros públicos, sé é que eles podem ser chamados assim. Trata-se
meramente de um cubículo metálico verde com uma portinhola, sem qualquer vaso
sanitário, pia ou até mesmo piso, no qual a pessoa entra, fecha a portinhola,
faz suas necessidades diretamente no chão (sejam elas quais forem) e, depois
disso, não há nenhum tipo de papel higiênico. A pessoa simplesmente
abre a porta e vai embora. Um verdadeiro show de horrores. As cenas que eu vi
dentro de tais banheiros não poderão ser descritas aqui, envolvendo homens e
mulheres, mas creio que vocês possam fazer uma ideia do que eu presenciei. Para
quem não acreditar, dê uma olhada na foto dessa matéria.
Banheiro público em Cuba |
Na sequência, fui ao Museu do Rum,
que é a bebida oficial de Cuba. O local é interessante, bem organizado, porém
pequeno. Após a visita, encontramos uma loja na qual podemos comprar todos os
tipos de rum produzidos no país, em vários tipos de tamanhos de garrafas
diferentes. Eu comprei uma pequena garrafa para mim e um jogo de 5 mini
garrafas com tipos diferentes de rum. Embora eu possa reconhecer que a
qualidade da bebida é realmente muito boa, provavelmente o melhor rum do mundo,
eu não consigo consumir tal bebida pura, pois é realmente forte demais para o
meu paladar. Na minha opinião, a melhor maneira de se beber rum é no drink “Cuba
Libre”, no qual o rum é diluído com
Coca-Cola, ficando bem mais suave. Como diz o ditado, “gosto é gosto”.
Almocei no hotel NH e depois passei
em frente ao prédio onde se localiza a Embaixada do EUA.
O prédio era cercado por todos os
lados, altamente vigiado por soldados cubanos, que controlavam absolutamente
todos que se aproximavam do local ou tentavam entrar ali, para pedir asilo aos
EUA e tentarem fugir de Cuba. Há uma praça enorme em frente ao prédio, com
centenas de mastros de bandeiras cubanas, que são usadas para bloquear as
imagens exibidas no telão existente dentro do prédio da embaixada.
Praça em frente à embaixada dos EUA |
De lá parti para o
aeroporto internacional José Martí, no qual havia chegado à Cuba apenas alguns dias
anteriormente.
Ao entrar no aeroporto, fazer o
check-in e embarcar no vôo de volta ao Brasil, com parada no Panamá, eu não era
mais a mesma pessoa. Havia mudado e entendido coisas que somente quem vivencia
o que é uma ditadura consegue entender.
Me lembrei daquela linda canção do
Lô Borges, do antológico álbum “Clube da Esquina”, com Milton Nascimento, chamada
“Tudo que você podia ser”. Nada define melhor Cuba do que o título dessa
canção. O potencial do país
é enorme, fantástico, com lugares lindos, um povo hospitaleiro, com
muito talento musical e artístico de uma forma geral. O país poderia ser um dos
maiores destinos turísticos do mundo, pois o sol brilha lá o ano inteiro, a cor
do mar é de um azul incrível e as vistas panorâmicas de Havana são realmente
especiais. No entanto, tudo isso está submetido a seis décadas de uma ditadura
implacável, sanguinária, que escraviza seu povo e lhe tira as condições mínimas
para que ele tenha uma vida digna, fazendo tal povo passar todos os tipos de
dificuldades, sem dá-los direito à saúde, educação, trabalho,
comida e as necessidades básicas. Quem acredita que Cuba tem a melhor educação e saúde do
mundo precisa urgentemente pegar um vôo para Havana e tomar um choque de
realidade. Fidel Castro, seu irmão Raul e todos os outros líderes cubanos
conseguiram destruir um lugar que teria tudo para ser um verdadeiro paraíso no
Caribe.
Me despedi de Cuba com tristeza, por
ter podido sentir na minha pele um milésimo do sofrimento e angústia aos quais
o povo cubano é submetido há mais de 60 anos. Por outro lado, agradeci a Deus
por ter nascido no Brasil e ter acesso ao que há de mais precioso na vida de
qualquer pessoa: liberdade.
Adeus Cuba!!! |
Espero um dia poder retornar a
Havana, após a democracia ser restaurada no país e seu povo voltar a ser livre.
Quem sabe um dia eu ainda possa conhecer a verdadeira “Cuba Libre”?
Marco André Briones
Abril de 2020