PARTE 3
DIA 5
A programação do dia foi iniciada
com a visita ao Gran Teatro, o mais importante do país, e que já foi palco das
pouquíssimas apresentações de estrelas da música internacionais que já se
apresentaram em Cuba, dentre os quais a banda Simply Red, que possui um lindo
DVD gravado no local, intitulado simplesmente “Cuba”. O
teatro realmente é belíssimo e
bem cuidado. É um dos poucos prédios públicos que
apresenta condições de visitação adequadas ao turismo de padrão
internacional.
Gran Teatro |
Em seguida fui ao Museu Nacional de
Belas Artes, que basicamente possui obras contra os EUA, União Europeia, o
capitalismo, entre outros “inimigos”. Muita ideologia e pouca arte disponível.
A Casa de la Obra Pia, atração seguinte, é uma das poucas residências da época do período espanhol que se encontra restaurada, preservada e pintada. Não é possível visitá-la por dentro, mas o pátio interior é muito bonito.
Catedral de Havana |
As próximas paradas foram o Museu de
Arte Colonial e a Catedral de Havana, ambos situados na mesma praça. O museu
fica dentro de um belo casarão antigo, mas sua coleção não possui grandes
atrativos. Já a catedral é muito
interessante e imponente, sendo a maior existente no país. Foi um pouco
estranho ver um templo católico tão grande em um país comunista, cuja ideologia nega a
existência de Deus. No entanto, o povo cubano parece divergir bastante da
ideologia dos dirigentes do país, pois as igrejas são bastante frequentadas
pela população. Apesar
de tudo, ainda há uma forte presença do catolicismo na sociedade cubana.
Plaza Vieja |
Próxima
parada: Plaza Vieja, a “Praça
Velha”, a qual se encontra muito bem restaurada e pintada. Eu até presenciei um
ensaio fotográfico com uma linda modelo que, provavelmente, estava sendo
fotografada para alguma revista de moda internacional.
CDR |
Um dos maiores sinais da opressão
que o povo cubano sofre de seu governo ditatorial foi a existência dos CDR
(Comitês de Defesa da Revolução), existentes em todas as partes da cidade e do
país. Basicamente, se trata de centros nos quais há cidadãos
que, em nome do governo, controlam os demais integrantes do CDR. Denunciam seus
vizinhos, parentes e amigos que exerçam qualquer atividade ou tenham opiniões
divergentes das oficiais provenientes do governo. Desta forma, se você fizer
críticas ao governo, escrever algo, participar de algum protesto ou apenas
criticar, pode ter certeza de que um dos seus vizinhos lhe entregará ao
governo. Outra instituição que possui papel semelhante é a UJC (União dos Jovens
Comunistas), cujo lema é “Estudo, Trabalho e Fuzil (sim, você leu
corretamente!)” e que exerce essencialmente o mesmo papel dos CDR, só que atua
majoritariamente em meio aos jovens do país. Imagine só quantos
cidadãos já desapareceram nas prisões cubanas, apenas por se oporem à opressão
a que são submetidos diariamente há décadas.
Essa é apenas uma das verdadeiras facetas sombrias de uma ditadura que,
infelizmente, no Brasil muitas pessoas ainda defendem e se negam a acreditar
que existe.
UJC |
Uma surpresa que tive ao caminhar
pelas ruas do centro foi encontrar uma loja da rede brasileira “Via Uno”. Fiquei
pensando quem é que deveria comprar tais calçados, já que a população cubana
não tem recursos nem para comprar os artigos produzidos localmente, quanto mais
os importados. Talvez sejam os turistas estrangeiros que movimentem tal comércio.
Loja da Via Uno |
Fiz um bom almoço no restaurante El
Templete, no qual comi um bom filé com batatas e pimentas negras.
A parada seguinte foi o Castillo de
San Salvador de la Punta, um importante forte histórico de pedra, repleto de
canhões antigos, o qual era usado para proteger a cidade de Havana de ataques
dos piratas. O calor que enfrentei foi inacreditável. Pensei que fosse ter uma
insolação a qualquer momento, mesmo estando de boné, óculos escuros e
coberto por uma espessa camada de protetor solar.
Castillo de San Salvador de la Punta |
Outra coisa que me chamou a atenção é a grande
quantidade de pessoas que ficam pedindo carona aos motoristas que circulam em
automóveis dos anos 50 ou 60, os únicos ainda disponíveis no país. Isso ocorre
pelo fato de os transportes públicos no país serem péssimos e extremamente
precários. O intervalo entre cada ônibus que passa é enorme e o estado em que
se encontram é lamentável. Muitos dos ônibus ainda circulantes no país são aqueles de cor
amarela, que aparecem nos filmes americanos dos anos 50, que eram usados para
levar as crianças para a escola. Realmente lamentável.
Ônibus dos anos 1950 |
Fiz um passeio por uma antiga
avenida muito arborizada, chamada Paseo del Prado que, nos tempos pré-revolucionários,
era um local onde residiam as famílias mais ricas de Havana. Hoje em dia,
parece uma sequência de espeluncas, prestes a ruir a qualquer instante.
Paseo del Prado |
Para finalizar o dia, tive uma
experiência peculiar: fui à um dos poucos restaurantes particulares do país, já que tudo em
Cuba pertence ao Estado, e seus cidadãos não têm direito algum a qualquer propriedade privada. No
entanto, nos últimos anos, o governo cubano vem cedendo “permissões” para que alguns
cidadãos criem restaurantes em suas residências, chamados “Paladares”. Eu fui ao mais
famoso, chamado “La Cocina de Lillian”. A casa é
isolada em um bairro muito distante e escuro. Não sei como consegui chegar até lá e encontrar tal
paladar. Bebi um saboroso Mojito, comi um “Filé com Congris”, que é basicamente uma
carne com arroz e feijão misturados. Sem dúvida, uma experiência
única.
La Cocina de Lilian |
DIA 6
Uma coisa que me entristeceu em Cuba
foi ver o abandono total em que se encontra o país, seu povo e suas
construções. Há outdoors em toda parte. No entanto, não são de anúncios de
produtos ou serviços. Apenas propaganda governamental, pura lavagem cerebral
ideológica da pior espécie. Para quem é estrangeiro, além de ser revoltante, é patético. Um dos
outdoors que eu vi que se encaixou perfeitamente na categoria “patética” foi um
que mostrava o perfil de 3 líderes da Revolução Socialista com os seguintes dizeres:
“Protagonistas de nosso tempo”. O detalhe é que os 3 líderes morreram há décadas. Como
poderiam então ser protagonistas de nosso tempo? Isso é uma pequena amostra do
que a ditadura cubana é capaz.
Protagonistas de nosso tempo |
Além disso,
é um perigo se andar pelas ruas, pois a quantidade de buracos nas calçadas e
nas ruas é avassaladora. É muito comum as pessoas caírem dentro dos buracos
profundos. O perigo é especialmente acentuado à noite, pois praticamente não
há iluminação
pública e os buracos se tornam ainda mais difíceis de serem notados. Um
perigo à nossa espreita a cada rua.
As casas nas ruas, a maioria em
escombros ou a ponto de poderem cair a qualquer momento, são outro perigo
constante. É muito comum pedaços dos prédios e casas caírem enquanto os
pedestres circulam pelas ruas. Esse é mais um dos motivos pelo qual há tantos
atropelamentos no país. Como as calçadas são absolutamente esburacadas e os prédios
estão prestes a desmoronar, as pessoas andam pelo meio da rua, pois acham que
estão mais seguras. No entanto, se esquecem que também há muitos buracos
nas ruas que, junto com a falta de iluminação, torna os pedestres praticamente
invisíveis à noite para os motoristas de veículos que circulam por Havana e
pelo restante do país.
Para aqueles que acharem que eu
estou exagerando, ou sendo duro demais com Cuba, eu recomendo que assistam o
documentário “Cuba e o Cameraman”, disponível na Netflix. Esse documentário foi
filmado por um americano apaixonado por Cuba e que visitou o país
durante 5 décadas. Assistam o documentário e tirem suas próprias
conclusões se eu exagerei em meu relato de viagem.
Voltando ao roteiro turístico, este
foi o dia mais quente que passei em Cuba: 42 graus Celsius. Um calor
inacreditável, com um sol que, literalmente, queimava a pele, por mais protetor
solar que eu aplicasse, nada era suficiente para suportar a ardência do sol.
Iniciei o passeio pelo Castillo del
Morro, um belíssimo castelo construído em 1589
exatamente na entrada da baía de Havana, com a finalidade de defender a cidade
de ataques inimigos e dos piratas. O local é muito amplo, permitindo longas
caminhadas para conhecer as várias partes do castelo, suas torres e a
maravilhosa vista do mar azul caribenho.
Castillo del Morro |
O castelo foi usado na guerra entre
a Inglaterra e Espanha, em 1762, quando as tropas britânicas desembarcaram em
Cojimar, próximo à Havana, e foram a pé até o
castelo, o qual conseguiram dominar. Quando os ingleses devolveram a ilha à
Espanha em 1763, foi construída a Fortaleza La Cabaña, bem ao lado
do castelo, para evitar que tal situação se repetisse.
O poeta cubano Reinaldo Arenas ficou
preso durante um longo período dentro do castelo simplesmente por fazer
críticas ao governo castrista, denotando o caráter altamente opressor da
ditadura cubana.
Até hoje,
pontualmente às 21 horas, há uma salva de tiros de canhão no castelo. Tal
tradição vem desde os tempos coloniais, pois era esse o horário em que era
sinalizado que os portões da cidade se fechavam.
A Fortaleza San Carlos de La
Cabaña fica ao lado do Castillo del Morro. É um lugar muito bonito, bem
preservado e interessante. A vista do mar é linda. Nele, podemos ver alguns
mísseis soviéticos que estão ali desde a grande crise dos
mísseis ocorrida em 1962, quando quase ocorreu uma guerra nuclear entre os EUA
e a União Soviética justamente por esta ter instalado mísseis de grande
poder destrutivo em Cuba. Os maiores e mais perigosos mísseis foram retirados
pelos soviéticos.
Mísseis Soviéticos |
Asa de avião dos EUA abatido |
Dentro da fortaleza, há dois outros
locais muito importantes, mas nem por isso menos assustadores. O primeiro deles
é o gabinete de trabalho de Che Guevara, conhecido como “Comandancia del
Che”. Foi desse local de onde o sanguinário líder argentino
ordenou o fuzilamento de 1892 pessoas, entre eles escritores, poetas e
cineastas independentes de Cuba, sem qualquer tipo de julgamento ou auxílio de
advogados, pois ele afirmava para quem quisesse ouvir que ele não precisava de
provas para executar um homem, apenas saber que é necessário executá-lo.
Simplesmente pelo fato de considera-los inimigos. No entanto, tal número se torna
pequeno perto das mais de 14.000 execuções por fuzilamento que ocorreram em
Cuba apenas até o final da década de 1960. Imaginem quantos mais foram
fuzilados desde então? A visita a tal gabinete é realmente muito perturbadora.
Fortaleza La Cabaña |
Comandancia del Che |
Eu
já sabia que o terrível e famoso “El Paredón”, onde milhares
de pessoas foram fuziladas por ordem de Che Guevara e Fidel Castro ficava
dentro da fortaleza de La Cabaña. No entanto, não há
qualquer informação sobre a localização de tal ponto na documentação turística local.
Além disso, se perguntamos a qualquer guia ou funcionário público
sobre tal “Paredón”, eles dizem que
isso não existe ou que não sabem onde fica. Como a fortaleza estava bastante
vazia quando eu estava por lá, e não havia câmeras de vídeo ou
praticamente nenhum guarda ou vigia, eu decidi procurar por conta própria até
encontrar o maldito “Paredón”. Depois de
algum tempo, consegui achá-lo, descendo uma escadaria longa de pedra, até a
base da fortaleza. Me deparei com um antigo portão de madeira entreaberto. Eu o
empurrei e me encontrei cara a cara com o “Paredón”. Fiquei
horrorizado e todo arrepiado ao vê-lo. Lá estava o local onde milhares de
pessoas inocentes perderam suas vidas. As marcas de balas de fuzil estão em
toda parte, lembranças de tanto sofrimento que ocorreu ali. Uma visita das mais
tristes que já fiz em minha vida, da qual eu nunca me esquecerei.
El Paredón |
Para tentar me recuperar e animar,
depois de ver tanta tristeza e sofrimento ainda presentes na fortaleza La Cabaña, fui a
Cojimar, próxima a Havana, onde há um pequeno bar chamado “La
Terraza”, que fica literalmente em cima do mar. É um local muito tradicional, que
era frequentado por Ernest Hemingway, que adorava pescar da janela do bar, pois
os peixes já se encontravam no mar logo embaixo do bar. Bebi uma cerveja local,
chamada Cristal, e assisti um show de música cubana ao
vivo que foi muito bonito e alegre, no qual fui convidado a tocar um pouco de
percussão, obviamente em troca de alguns dólares.
La Terraza |
Almocei no restaurante El Mercure,
onde comi carne com fritas, já que é altamente
arriscado de comer qualquer tipo de fruta ou salada em Cuba, tendo em vista que
são lavados com a água local, sem qualquer tipo de tratamento. Há incontáveis
casos de turistas, muitos deles brasileiros, que se aventuram a beber bebidas
com gelo, comer saladas ou frutas e depois passam por dias de diarreias
terríveis. Em Cuba só se pode comer pratos assados, fritos, cozidos ou que
tenham sido levados ao forno ou fogão. Comer algo cru ou lavado com a água
local deve ser evitado a qualquer custo.
Depois do almoço, prossegui no meu
passeio para a Finca La Vigia, antiga residência de Hemingway em Havana.
Trata-se de um lugar lindo, afastado do burburinho da cidade, no qual o grande
escritor tinha sua lancha guardada, seu gabinete de estudos e trabalho,
aposentos e até mesmo um pequeno cemitério de animais. Tudo muito bem cuidado e
preservado, pois o grande autor era considerado um amigo de Fidel e de Cuba.
Finca La Vigia |
Após a
visita a Finca La Vigia, fui conhecer a famosa Sorveteria Coppelia, que já
protagonizou várias cenas em filmes cubanos, por ser considerado um lugar
lendário no país. Ao chegar lá pude entender como “funciona” a
sorveteria. Há duas filas separadas, uma para os estrangeiros, que
pagam um preço 100 vezes mais caro pelo sorvete, e outra para os cubanos, que
pagam míseros centavos pelo mesmo sorvete. A questão mais surpreendente é que a
fila para os cubanos conseguirem comprar sorvete dura mais de 5 horas de espera
ao sol escaldante de mais de 40 graus! Nunca vi nada igual. Parecia que todo o
povo cubano estava na fila. Eu peguei a fila dos estrangeiros, na qual fui
atendido imediatamente, paguei em moeda conversível, e saí para o
pátio para tomar o pior sorvete de toda a minha vida. É inacreditável que o
sofrido povo cubano passe 5 horas de seu dia na fila para conseguir tomar um
sorvete tão ruim, pois é o
único que eles podem pagar e ter acesso. Realmente deprimente.
Sorveteria Coppelia |
Finalizamos o dia jantando no Hotel
Meliá Habana, onde comemos carne, arroz e fritas, nada de saladas, frutas ou
gelo, por favor!