terça-feira, 17 de novembro de 2020

NÃO IMPORTA O DESTINO, ELAS ESTARÃO LÁ

 Não importa o destino, elas estarão lá.

 

Fui convidado a escrever sobre astronomia, não acerca de termos técnicos e teorias, mas sobre o interesse pelo tema e como isso poderia despertar algo em leitores não familiarizados com o assunto. Desde já, fica uma pergunta ao leitor: o que o leitor poderia querer ver no céu noturno? A lua? Marte? Saturno? Alguma constelação? Ou quem sabe a Estação Espacial Internacional (EEI), cruzando o céu noturno como um pequenino ponto de luz em alta velocidade?

Bom, minha curiosidade pela astronomia começou ainda criança, numa infância recheada de filmes e livros de ficção científica, e foi fomentada por pais que, ainda que não dominassem conceitos e teorias astronômicas, queriam atiçar a curiosidade dos seus filhos e incentivá-los ao mundo científico

Assim, ainda criança, meus pais presentearam a mim e a meus irmãos com um telescópio refrator (que nada mais é do que uma grande e potente luneta). É bem verdade que o presente impressionava mais do que era útil, dada minha impaciência e inexperiência quando o assunto era estudar cartas celestes e apontar o telescópio para o escuro e desconhecido céu noturno. Não demorou muito para o presente tornar-se uma bela peça decorativa.

Com o passar dos anos, porém, o aparelho começou a sentir o desgaste do tempo, até pelas inúmeras faxinas e descuidos nossos, e logo retornou à sua embalagem original, sendo relegado ao fundo do armário.

Porém, quase como um cometa, que de tempos em tempos nos visita, o telescópio retornou à ativa. Ele precisou aguardar o momento em que seria “redescoberto" por alguém.

Assim é que, e muitos anos depois de ter sido presenteado, o telescópio foi novamente montado e posicionado próximo a uma janela. A diferença era que, desta vez, eu sabia um pouco mais o que queria procurar e como poderia identificar o que eu estava procurando, apesar de, ainda assim, não saber onde o meu alvo estaria no céu.

Armado de uma paciência muito maior, insisti madrugada adentro até que, finalmente, consegui avistar Marte, o planeta vermelho. E, adivinhe só, ele é realmente vermelho! Naquele dia, ou melhor, naquela madrugada, meu espírito astronômico foi renovado.

Algum tempo depois, ainda com o mesmo equipamento, outra longa noite de observação permitiu-me localizar o planeta Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar. Aliás, o leitor sabia que é possível observar Júpiter ao longo de várias noites diferentes e aprender, a partir dessas observações, a encontrar algumas de suas luas? (O autor encontrou apenas quatro, de um total estimado de 79).

Outro planeta que aquele velho telescópio foi capaz de me mostrar foi Vênus. Planeta gasoso bem próximo ao Sol, pode ser visto ao entardecer ou amanhecer como se fosse uma estrela bem forte próximo da linha de horizonte, no ponto em que o sol for nascer ou se por.

Entretanto, para mim, nada supera as noites de visualização de Saturno e a beleza de seus anéis. Na primeira noite em que consegui observá-lo o impacto foi tão grande que meus batimentos cardíacos aceleraram e precisei parar para respirar antes de continuar a observação.

Naquele momento, tudo o que havia aprendido até então, tudo o que foi lecionado na escola, o que documentários buscam esclarecer, o que a Ciência tenta há séculos falar, foi provado verdadeiro para mim.

Daquela noite em diante nunca mais olhei para o céu noturno da mesma maneira. Na realidade, nunca mais deixei de olhar para o céu. Sempre à procura da Lua, por estrelas e, quem sabe, por planetas que, um dia, sejam o nosso próximo destino!

Se o leitor pensa que é preciso começar desde criança, ou que é preciso investir em algum equipamento caro, está bem enganado. É possível usufruir de um dos maiores prazeres da humanidade, o turismo, e aproveitar para aprender um pouco mais sobre astronomia, se este for o desejo do leitor.

Apenas a título de exemplo, em países bem próximos do Brasil, há três localidades muito interessantes para observações astronômicas.

A primeira é bastante conhecida dos brasileiros. Trata-se do Chile, onde, entre diversos pontos turísticos, localiza-se o Deserto do Atacama.

O local é tão seco e isolado que é considerado um ambiente único para a astronomia. Não é à toa que, ali, podemos encontrar diversos passeios voltados à observação astronômica.

Um deles é a visitação a propriedades/sítios particulares, que contam com telescópios e instrutores. Esses passeios são pagos, mas valem muito a pena para aqueles que anseiam ver algo no céu noturno, como constelações e galáxias distantes.

Outro passeio é a visitação pública ao ALMA, um projeto internacional de radiotelescópios localizado justamente na região do Atacama. A visitação, porém, não é noturna, mas pode aumentar o interesse ou curiosidade dos visitantes sobre o tema.

A segunda localidade, muito próxima da primeira e cuja visita normalmente é feita a partir do Atacama, é o Deserto de Sal da Bolívia, conhecido como Salar de Uyuni. Em que pese não exista infraestrutura ou passeios turísticos destinados à observação astronômica, o passeio ao deserto de sal, em especial nas últimas horas da madrugada, propicia uma vista a olha nu impressionante.

É possível ver, sem a ajuda de aparelhos, um dos braços de nossa galáxia. Uma quantidade tão grande de estrelas e poeira cósmica que parece formar um rio estrelar, chegando a iluminar o horizonte mesmo sem luz solar (aqui cabe um pequeno trocadilho: à noite não falta propriamente luz “solar", uma vez que as estrelas que vemos são sóis como o nosso Sol).



                                        Foto de Clara Markovitz - Space.com


Outro local que permite algum tipo de observação astronômica é o Equador. Ainda que não possua nenhuma atração específica sobre astronomia, a geografia do país (muitas montanhas e vulcões) e a posição sob a linha do equador permitem que alguns poucos particulares “aluguem" seus telescópios às noites, nas cheias ruas do centro histórico da cidade de Quito.

É muito interessante e curioso encontrar telescópios à espera de clientes, dividindo espaço com turistas, músicos, artistas e comidas de rua. Obviamente, a observação depende da quantidade de nuvens no céu noturno, da qualidade do equipamento e da experiência da pessoa que disponibiliza esse serviço, mas ao custo de cerca de um dólar norte americano (no ano de 2017), é possível arriscar e, quem sabe, surpreender-se com uma “vista" inesperada naquele país!

O leitor poderia argumentar: “não estou disposto a comprar um aparelho que não sei utilizar” ou não quero viajar para um desses três países.

Sem problemas! Hoje mais do que nunca a tecnologia permite transformar a astronomia em algo que nos acompanha todos os dias e que cabe em nossos bolsos: o nosso celular.

Existem diversos aplicativos de celular que utilizam o GPS (e, em alguns modelos mais completos, o giroscópio do aparelho) para ajudar a localizar objetos celestes, como planetas, estrelas, constelações etc. Para tanto, basta movimentar o aparelho com o app ligado e observar as indicações na tela. Alguns exemplos de apps são: Carta Celeste, Sky View e Sky Map.

E é importante lembrar: a astronomia tem mais relação com o costume de olhar para cima do que, de fato, com o conhecimento científico profundo que esperamos de astrônomos e astrofísicos.

Antes de terminar, caso o leitor esteja curioso quanto a que fim levou o meu telescópio: após um ano de boas observações em 2020, o equipamento voltou para a caixa, agora para uma provável aposentadoria definitiva após pouco mais de 20 anos de trabalho. A baixa qualidade das lentes já não permite as mesmas observações e o equipamento possui mais um valor sentimental do que prático.

Deixo aqui o meu convite ao leitor para, quem sabe, permitir-se despertar uma certa curiosidade pelo tema da astronomia e levá-la aonde for, inclusive em suas próximas viagens. Afinal, não importa para onde o leitor vá, as estrelas estarão lá.

Por fim, caso o leitor queira uma pequena dica para começar a olhar o céu noturno, aqui vai uma: sempre que encontrar um ponto luminoso, olhe fixamente e veja se ele costuma piscar rapidamente, ou “cintilar”. Se sim, é muito provável que se esteja olhando para uma estrela. Se não, provavelmente o leito encontrou um planeta. Resta a ele descobrir qual.


                                            Vênus observado ao amanhecer no Sala de Uyuni

                                            Arquivo pessoal do autor


Marcelo Frost Marchesan é advogado, estudante de tecnologia da informação, amante de viagens e um entusiasta da astronomia.

Novembro de 2020.


2 comentários:

  1. Assunto que gosto muito e já vou baixar o app para curtir as estrelas.
    Marcelo, obrigado pelo texto.

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    1. Que bom que gostou da matéria. Obrigado pelo comentário. No entanto não consegui identificar o seu nome.

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