quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Independência ou Morte!

 Independência ou Morte, por Samanta M. Sampaio


Esta história só poderia ter acontecido mesmo durante essa pandemia. Estava eu ajudando meu filho com as atividades da escola, quando abrimos a aula gravada sobre o dia da independência do Brasil. Enquanto o vídeo rolava, meu assombro só crescia. A professora - muito dedicada e esforçada, admito com prazer - pôs-se a desfiar todos os mitos sobre os eventos referentes à data que eu, provavelmente mais ou menos da mesma idade do meu pequeno, ouvi na escola.
Desta feita, ficamos sabendo que D. Pedro era muito querido pelo povo brasileiro, e que por isso não seguiu com sua família quando ela decidiu abandonar o Brasil e voltar para Portugal. Também por isso, por esse afeto mútuo, ele decidiu dizer que ficaria com o povo tão amado, dando origem ao Dia do Fico. E que então, para defender os brasileiros - não se disse exatamente de que - ele subiu em seu cavalo, puxou a espada e proclamou “independência ou morte!!!”. Com direito a muitos pontos de exclamação, obviamente!
Quando eu ouvia estes mitos, há tantos anos atrás, o Brasil estava sob uma ditadura, o que forçosamente implica em dourar o passado do país e ocultar os defeitos daqueles que o formaram. É normal, faz-se isso desde que o mundo é mundo, ditadores são ditadores, releva-se. Mas fiquei a matutar alguns pontos que não consigo solucionar. Vejamos:
Ainda precisamos mesmo dourar a pílula para as crianças? Esta geração que hoje tem seus cinco ou seis anos já nasceu com o dedo indicador em riste - se não para nos corrigir, para tocar as telas onipresentes em suas vidas? Será que não os estamos subestimando?
A querida professora, que provavelmente teve uma vida simples, sem luxos, e uma formação deficitária - não podemos negar a baixa qualidade dos cursos de pedagogia no país, eu pessoalmente tenho experiência com eles - realmente acredita nas histórias que passou para as crianças ou foi orientada a ensiná-los assim?
Tenha sido iniciativa da professora ou da escola, por que contar mentiras em sala de aula? Eu acredito piamente na teoria de que às crianças basta responder suas perguntas com sinceridade e simplicidade e elas se darão por satisfeitas - sem necessidade de mentiras ou tratados sobre história e geopolítica, no caso.
Caso a professora ainda acredite nestas versões romanceadas da história do Brasil, o que lhe faltou? Pensamento crítico? Acesso aos fatos históricos? Tempo para pensar ou ler livros sobre o assunto? Interesse, puro e simples?
E estes últimos questionamentos me levaram a outros: o que mais, além de conteúdos escolares, ouvimos desde pequenos e nos esquecemos de questionar ou pôr à prova? Provavelmente, como parte do crescimento, todos nós, em algum momento, questionamos coisas básicas que eram dadas como verdades irrefutáveis na infância - a autoridade dos pais, os valores que eles tentaram nos passar, religião, política, visão de mundo, filosofias... mas não podemos esquecer que tudo faz parte de quem somos e de como nos posicionamos no mundo. Continuar acreditando que o mundo é como um romance histórico certamente vai nos decepcionar cedo ou tarde. Mas o mais importante é nunca deixar de questionar - tudo, toda informação que nos chega, todos os nossos pensamentos, nem que por ao menos um segundo. Esse exercício de pensar constantemente e analisar se continuamos no caminho que acreditamos ser o certo é o que nos faz humanos no melhor sentido da palavra.
É isso: pensar. Pensar e questionar é preciso. Isso sim significa independência - ou morte.


Samanta M. Sampaio é apaixonada por uma quantidade inacreditável de assuntos, que sempre a levam à sua paixão primordial: livros. Para entrar em contato, envie um e-mail para <pensarnaoeproibidoainda@gmail.com>.

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