ESTRELA CADENTE
Pergunte
à qualquer estrangeiro qual é a primeira imagem que lhe vem à cabeça quando se
fala em Brasil. Muito provavelmente a resposta será: Rio de Janeiro.
Não
é por acaso que tal referência continua ocorrendo até hoje. Durante décadas, a
imagem da dita “Cidade Maravilhosa” preencheu páginas de revistas, apareceu em
filmes, foi cantada pela Bossa Nova e pelo samba e, através destes, deu a volta
ao mundo, levando ao exterior uma imagem pitoresca, alegre, belíssima daquela
que era a representação máxima do Brasil e de seu povo.
O
imaginário de várias gerações de estrangeiros foi povoado por palavras mágicas,
de uma língua incompreensível, tais como “Copacabana” e “Ipanema”.
Aqueles
que por lá haviam passado confirmavam a veracidade do que era divulgado mundo
afora. O paraíso realmente ali se encontrava.
Grupos
de estrangeiros vinham de todas as partes do mundo para se fartarem com a
beleza sinuosa e feminina da antiga capital do estado da Guanabara e do Brasil.
Ao chegar, se deslumbravam com as magníficas vistas da cidade do Rio de
Janeiro, assim como com a hospitalidade e o bom-humor dos cariocas.
Carmem
Miranda, Tom Jobim, Vinícius de Morais e muitos outros contribuíram para povoar
os sonhos de muitos estrangeiros com ícones tropicais, tão atraentes
especialmente para povos provenientes de países distantes, de clima frio, onde
o sol simboliza uma alegria constante, vida e puro lazer.
Quantos
estrangeiros não vieram para o Brasil atrás da beleza tão real e, ao mesmo
tempo, imaginária e idealizada da musa de Vinícius e Tom, a garota de Ipanema? Se
os gregos tinham na Vênus de Milo o seu ideal de beleza, a dupla de
compositores da bossa nova criou a versão nacional, a nossa Vênus bronzeada.
Porém,
algo aconteceu que não estava nos planos: Brasília
A
mudança da capital federal para o interior do país, no meio do planalto
central, foi um golpe duríssimo para a “Cidade Maravilhosa”. Tão duro, que ela
não conseguiu se recuperar até hoje.
Brasília
necessariamente atraiu a elite política do país, assim como as sedes de
ministérios, importantes organizações, embaixadas, altos funcionários do
governo e todo um corpo de burocratas para povoar e preencher todos os cargos
existentes com a criação da nova capital.
Muitos
foram os que deixaram posições importantes no governo federal porque não
queriam abandonar o Rio de Janeiro, trocando-o por um destino incerto no meio do
cerrado, tão árido e distante.
Porém,
os cariocas continuaram acreditando que apenas a beleza da cidade e seus
encantos seriam suficientes para perpetuar a qualidade de vida que tinham,
assim como o estilo de vida pacato, despreocupado, irreverente e divertido que
sempre caracterizara a agora ex-capital federal.
Houve
um empobrecimento generalizado na cidade, o padrão de vida de milhares de
pessoas começou a declinar. Muitos perderam seus empregos, por não quererem se
mudar para Brasília. O Rio de Janeiro deixou de ser o ator principal para ter
um papel cada vez mais de figurante no cenário nacional.
Mesmo
assim, os turistas ainda continuavam a chegar em grande quantidade. Todos em
busca de um paraíso que, aos poucos, ia desaparecendo.
O povo carioca entrou numa crise de identidade. Quem somos nós? Qual o nosso
papel no país? Qual será o nosso futuro, agora que deixamos de ser o centro
político, econômico e cultural do país? – eram perguntas que estavam dentro de
cada um.
O
crescimento econômico de São Paulo só fez acelerar e acentuar tal declínio do
Rio de Janeiro, que passou gradualmente a ser apenas um destino turístico dos
estrangeiros, que vinham para a “terra da garoa” para trabalhar e fazer
negócios.
Muitos
foram os fatores que contribuíram para que a sociedade carioca e a cidade do
Rio de Janeiro chegassem ao atoleiro em que se encontram atualmente.
Primeiramente, o espírito da malandragem, que antigamente era algo quase que
folclórico, beirando a ingenuidade, tornou-se algo diferente, maléfico, que foi
corroendo as bases da sociedade.
O
desemprego, o surgimento das primeiras favelas, a crise na educação e uma contínua
sucessão de governantes corruptos e incompetentes apenas acentuou a crise
carioca, acelerando o declínio da cidade, outrora maravilhosa.
Os
dias de glória foram ficando para trás, na memória daqueles que os
presenciaram, e que não se conformam com cenário caótico que surgiu nas últimas
décadas. O sonho acabou. Em seu lugar, veio o pesadelo.
Atualmente,
o Rio de Janeiro não é mais do que uma ruína do passado. Uma pálida cópia da
grande cidade que foi. Seu povo infelizmente aceita tal sina, acreditando serem
ainda privilegiados por ali residirem. No entanto, não percebem que o paraíso
se tornou um inferno. Mesmo que a vista da cidade ainda seja linda.
Bem
de cima. Bem de longe.
Teço
tais comentários não com despeito ou raiva, mas com tristeza. Eu mesmo sou
carioca, e ainda pude presenciar resquícios da época gloriosa do Rio de Janeiro
em minha infância. Infelizmente, agora só restam as lembranças de um tempo que
jamais voltará.
A
auto-estima dos cariocas só não está mais baixa pelo fato da Rede Globo ainda
ter seu núcleo de teledramaturgia na cidade. O Projac ainda é responsável pela
propagação das belas imagens da praia, do Corcovado, das lindas mulheres, enfim,
de todo um cenário paradisíaco, cuidadosamente retocado nos estúdios, onde são removidos
quaisquer vestígios de sujeira, violência, caos ou qualquer outra coisa que
venha a macular o sonho que se propõem a vender.
Ao
se verem nas telas de TV, os cariocas pensam que são privilegiados em residirem
em tal paraíso, mesmo que ele não corresponda à realidade que pode ser vista
das janelas de seus apartamentos e barracos.
Temo
pelo destino da cidade quando a Rede Globo decidir levar para São Paulo o seu
núcleo de teledramaturgia, pois lá já se encontra o núcleo de jornalismo.
Para
a auto-estima do povo do Rio de Janeiro, tal “abandono”, tal “traição” poderá
ser um golpe quase mortal. Levando a
cidade à uma situação ainda mais caótica do que a atual.
Só
restará realmente aos cariocas apelar ao Cristo. Ao Redentor que, firme como
uma rocha, nunca os deixará.