ÁLBUNS
CLÁSSICOS DO ROCK – VOLUME 4
DEEP PURPLE – MADE IN JAPAN
FICHA TÉCNICA
ANO
DE LANÇAMENTO |
1972 |
PRODUZIDO
POR |
MARTIN
BIRCH |
MÚSICOS
PRINCIPAIS |
TODAS
AS CANÇÕES DE AUTORIA DE RITCHIE BLACKMORE, IAN GILLAN, ROGER GLOVER, IAN
PAICE E JON LORD, EXCETO A FAIXA 10, DE AUTORIA DE ALBERT COLLINS E RICHARD
PENNIMAN RITCHIE BLACKMORE – GUITARRA IAN
GILLAN – VOCAL, GAITA E PERCUSSÃO ROGER GLOVER – BAIXO IAN PAICE – BATERIA JON LORD - TECLADOS |
LISTA DE CANÇÕES DO ÁLBUM
1 |
HIGHWAY STAR |
2 |
CHILD IN TIME |
3 |
SMOKE
ON THE WATER |
4 |
THE
MULE |
5 |
STRANGE
KIND OF WOMAN |
6 |
LAZY |
7 |
SPACE
TRUCKIN’ |
8 |
BLACK
NIGHT |
9 |
SPEED
KING |
10 |
LUCILLE |
ORIGENS DO ÁLBUM
Da esquerda para a direita: Jon Lord, Ritchie Blackmore, Roger Glover, Ian Gillan e Ian Paice |
Em 1972 o quinteto inglês
Deep Purple havia lançado seu sexto álbum de estúdio, “Machine Head”, o mais
bem sucedido de toda sua carreira. A banda havia conseguido criar uma coleção
impecável de grandes clássicos do rock pesado, que levara a banda ao ápice do
universo musical dos anos 70. A demanda por shows do grupo era enorme em todo o
mundo e a banda não parava de fazer tours incessantes pela América do Norte e
Europa.
O processo contínuo de
gravações em estúdio e tours pelo mundo estava levando a banda a um processo
rápido de desgaste físico, mental e emocional de seus integrantes, que
praticamente nunca tinham férias ou tempo livre para se recuperarem de suas
atividades profissionais. Vários membros da banda já haviam sido hospitalizados
por problemas de saúde. Nessas ocasiões ficavam até aliviados, pois eram as
únicas pausas que conseguiam ter em meio à suas vidas tão agitadas.
Gravações de Machine Head |
Um dos países em que o Deep
Purple sempre foi incrivelmente popular é o Japão. Seus álbuns tinham uma
enorme vendagem por lá e o fã clube deles era imenso. Havia uma grande pressão
da gravadora japonesa e dos promotores de shows locais para conseguirem
finalmente levar a banda para sua primeira tour no país. Depois de um longo
processo de negociação, finalmente foram agendados os primeiros shows da banda
em território nipônico para agosto de 1972, sendo dois em Osaka e um em Tóquio.
A alegria e excitação dos fãs japoneses foi tão grande que em pouquíssimo tempo todos os ingressos disponíveis para as três apresentações se esgotaram. Sentindo que a tour seria um evento muito especial e memorável, sabiamente a gravadora japonesa propôs ao Deep Purple que os shows fossem gravados, para que posteriormente se lançasse um álbum ao vivo comemorativo, que seria disponibilizado apenas no Japão.
A banda não gostou da ideia
e a recusou, pois achava que álbuns ao vivo eram úteis apenas para bandas em
final de carreira. Além disso, também afirmavam que cada apresentação do Deep
Purple era única e diferente (o que era verdade), sendo impossível criar um
registro fiel do que era uma apresentação deles. A gravadora insistiu por muito
tempo até que a banda concordou em realizar as gravações, desde que realizadas
em equipamentos da melhor qualidade disponível e que o álbum fosse produzido
por seu produtor habitual, que era da confiança do Deep Purple, o talentoso
Martin Birch. Pensaram que essa seria uma ótima oportunidade de combaterem os
produtores de álbuns pirata do Deep Purple, que gravavam seus shows de forma
caseira e os vendiam, pois havia uma enorme demanda por gravações ao vivo da
banda, devido à sua reputação serem uma banda sensacional no palco. Na época,
eles estavam se tornando os artistas com mais gravações piratas de shows de
todo o mundo do rock. Eles precisavam lançar um produto oficial, de alta
qualidade, para revidarem o ataque que estavam sofrendo. Assim, acreditava a
banda, teriam um registro definitivo ao vivo do Deep Purple.
Essa foi uma das melhores
decisões que a banda tomou em toda sua carreira pois, embora não soubessem
disso na época, os shows realizados no Japão se tornariam históricos, com a
banda se apresentando no auge de sua forma, brilhando, inspiradíssima e muito motivada
pela recepção tão calorosa por parte de seus fãs japoneses, que os receberam no
aeroporto de Tóquio com flores, presentes e faixas com o nome da banda. O fruto
das gravações das três noites no Japão seria aquele que atualmente é
considerado ao maior e melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos: Deep
Purple – Made in Japan.
ANÁLISE DO ÁLBUM – FAIXA A
FAIXA
· OSAKA
– 15 de Agosto de 1972 – SMOKE ON THE WATER
· OSAKA
– 16 de Agosto de 1972 – HIGHWAY STAR, CHILD IN TIME, STRANGE KIND OF WOMAN, SPACE
TRUCKIN’ e LUCILLE
· TÓQUIO
– 17 de Agosto de 1972 – THE MULE, LAZY, BLACK NIGHT e SPEED KING
Highway Star
O Deep Purple era uma banda
que não tinha um setlist fixo para seus shows nos anos 70. A cada noite tocavam
as músicas que escolhiam na hora, na sequência que decidissem no momento.
Apenas uma coisa era certa: Highway Star era a canção de abertura de todos os
shows. Ao ouvi-la sendo executada ao vivo logo entendemos o motivo para tal
escolha. Essa é provavelmente a faixa mais querida de todos os fãs. Um
verdadeiro hino do Deep Purple.
A banda simplesmente
incendeia o palco desde o primeiro segundo. A plateia enlouquece à medida que
Ian Paice começa a tocar a inconfundível batida da canção e, logo em seguida
Ritchie Blackmore ataca sua guitarra com o riff marcante da canção. Os fãs
japoneses já estavam conquistados por seus ídolos. Havia valido a pena a espera
pelos shows dessa banda extraordinária.
A canção é tocada à toda velocidade, apropriadamente para uma letra que menciona que o personagem é uma estrela da estrada, dirigindo seu veículo na velocidade máxima. O solo de guitarra dessa canção foi o único em toda a carreira do Deep Purple que Ritchie Blackmore compôs antes de entrar em estúdio, pois todos os seus outros solos eram improvisados durante as sessões de gravação. Blackmore sabia exatamente o que queria tocar e como o solo deveria ser. Além disso, foi muito inspirado pelo seu ídolo maior: J.S. Bach.
Ritchie Blackmore |
Até hoje o incrível
guitarrista Steve Morse, que substituiu Blackmore na década de 90, continua
executando esse solo exatamente igual à gravação original pois, segundo ele,
esse é um solo icônico e lendário, que é uma parte intrínseca da canção, e ele
faz questão de homenagear Blackmore por seu solo inesquecível.
Ian Paice também tem uma
atuação extraordinária nessa faixa, tocando tudo que sabe na bateria em um
ritmo frenético e contagiante. Ian Gillan apresenta seu vocal incrível, com sua
voz em plena potência. Simplesmente avassalador!
Child in Time
Uma das canções mais
diferentes e queridas da carreira da banda. O destaque aqui é a atuação
fenomenal do vocalista Ian Gillan. Nessa época, ele era o maior vocalista de
rock do mundo. Não foi à toa que quando Andrew Llloyd Weber criou o musical
“Jesus Christ Superstar”, que inicialmente foi um álbum antes de se tornar um
dos maiores espetáculos de todos os tempos, o compositor escolheu ninguém menos
que Ian Gillan para interpretar o papel principal, de Jesus Cristo. Em 1970,
quando foi gravado tal álbum, ninguém tinha uma voz tão poderosa e com um
alcance de agudos incrivelmente quando o lendário vocalista do Deep Purple.
Gillan chegou a receber também um convite para participar do musical no teatro,
mais foi impedido devido aos compromissos ininterruptos do Deep Purple na
estrada.
Em “Child in Time”, Gillan
criou uma letra vagamente inspirado pela Guerra Fria, um assunto muito em voga
na época. Além disso, o acorde final da canção é uma homenagem aos Beatles,
mais precisamente à canção “A Day in the Life”, que também termina com um
grande acorde tocado no piano.
Ritchie Blackmore declarou
em uma entrevista que Gillan era a única pessoa capaz de cantar “Child in Time”
e que na canção ele havia atingido a melhor interpretação de sua carreira.
Ian Gillan |
Na gravação ao vivo, Gillan novamente mostra toda sua potência vocal e alcance de agudos inacreditável. A banda toca à toda velocidade, com solos brilhantes de Jon Lord e Ritchie Blackmore até o momento em que tudo pára, em uma sincronia perfeita, e a canção recomeça. Realmente um dos pontos altos não só de “Made in Japan”, mas de toda a carreira dessa banda extraordinária.
Smoke on the Water
Embora não seja a melhor
canção da banda, seguramente é a mais famosa de todas. Na realidade, é uma das
mais conhecidas de toda a história do rock. Em várias votações entre fãs,
críticos e músicos de rock, “Smoke on the Water” foi eleita como tendo o riff de
guitarra mais memorável do rock, criado pelo genial guitarrista Ritchie
Blackmore.
A canção foi lançada
originalmente no álbum “Machine Head”, mas a gravação que fez com que ela
explodisse nas paradas de sucesso em todo mundo foi essa, ao vivo, do álbum
“Made in Japan”.
Blackmore começa tocando o
riff lendário sozinho, acompanhado apenas pelas palmas da entusiasmada plateia
japonesa, até que cada um dos instrumentos entra para acompanhá-lo.
A história dessa canção é
uma das mais famosas da história do rock, mas não custa nada contá-la novamente
aqui. O Deep Purple havia decidido gravar o seu álbum novo, que se tornaria o
clássico “Machine Head” em Montreux, na Suíça. O produtor de eventos musicais
local, Claude Nobs, que depois também criou o renomado Montreux Jazz Festival,
encontrou um lugar apropriado para a banda gravar. O local escolhido foi o
Casino de Montreux, que tinha apenas mais um concerto agendado em sua
programação, com Frank Zappa sua banda The Mothers of Invention. Depois disso,
o espaço ficaria liberado para o Deep Purple realizar suas gravações.
Infelizmente, na noite do show de Zappa, um membro da plateia lançou um
sinalizador dentro do Casino de Montreux, que gerou imediatamente um enorme
incêndio. Felizmente ninguém morreu, mas o espaço ficou inutilizável para os
fins de gravação do novo álbum do Deep Purple. Claude Nobs conseguiu encontrar
um hotel que estava fechado durante o inverno e convenceu os proprietários a o
alugarem para o Deep Purple, que acabou gravando seu álbum mais famoso nos
corredores e quartos do hotel.
Incêndio do Casino |
Ao voltarem para o seu
hotel, após o incêndio do Casino, Roger Glover viu a imagem da fumaça sobre o
lago Genebra. Tal imagem o marcou tanto que ele sonhou com o título da canção,
“Smoke on the Water”. Juntamente com seu parceiro de longa data, Ian Gillan,
escreveram a letra detalhando a incrível história do incêndio e de como eles
acabaram gravando a canção pelos corredores e quartos do hotel. O resultado foi
a canção que todos nós conhecemos e que se tornou um verdadeiro hino do Deep
Purple.
Smoke on the Water |
Um dia, Blackmore e Paice
estavam sozinhos no estúdio. O guitarrista pediu que o baterista tocasse uma
batida ou ritmo que nunca tivesse sido usado anteriormente em uma canção da
banda. Então Paice iniciou a batida que todos nós conhecemos e, imediatamente
Blackmore começou a tocar o lendário riff de guitarra, inspirado pela forma
medieval de se tocar instrumentos de corda, usando quartas paralelas. Blackmore
sempre foi um grande apreciador da música medieval e da renascentista também.
Ele declarou que já conhecia essas músicas de vidas passadas, de outras
encarnações, pois a intensidade da emoção que elas lhe transmitem são muito
grandes. Seu amor por tal estilo musical se comprovou no final da década de 90,
quando decidiu encerrar definitivamente suas atividades com sua banda pós-Deep
Purple, o Rainbow, para se dedicar exclusivamente a seu projeto conjunto com
sua esposa, Candice Night, batizado de “Blackmore’s Night”, no qual compõem e
tocam canções inspiradas pela época medieval e renascentista, com uma forte
influência de música clássica.
The Mule
Uma canção do álbum
“Fireball”, do qual apenas Ian Gillan gostou, considerando o mesmo seu álbum
favorito em sua carreira no Deep Purple.
Essa é uma canção na qual o
destaque é para o maravilhoso baterista Ian Paice, na qual ele executa um
padrão rítmico em sua bateria inspirado em Ringo Starr, na canção “Tomorrow
Never Knows” do álbum “Revolver”, dos Beatles. Sua precisão na bateria é tanta
que parece que ele está executando um “loop” gravado.
Ian Paice |
Paice declarou que ele é um
grande fã de Ringo Starr e que ele é um dos bateristas do rock que menos teve o
devido reconhecimento, pois sua técnica era primorosa, sendo um baterista muito
talentoso.
A letra composta por Gillan
foi inspirada em um personagem da obra do escritor Isaac Asimov. Ao vivo, o
vocalista costumava apresentar a canção como sendo sobre “Lúcifer e alguns de
seus amigos”. No entanto, Ian Paice acredita que parte da letra tenha sido
escrita sobre ele mesmo, pois há um trecho em que Gillan descreve o ponto de
vista de Paice, sentado na bateria, como ele vê o palco e os outros membros da
banda.
Na gravação ao vivo, Ian Paice dá um show na bateria, fazendo um solo magistral, mostrando todo o seu virtuosismo e porque é considerado até hoje com um dos melhores bateristas da história do rock. Uma verdadeira lenda viva.
Strange Kind of Woman
Mais uma canção muito
popular da banda, sempre executada de forma brilhante pelos músicos. Um dos
pontos altos de todas as apresentações, quando Blackmore e Gillan sempre faziam
um “duelo” entre a guitarra e o vocal. Cada um criava uma frase musical na hora
e o outro tinha de repeti-la imediatamente. O “duelo” nunca era igual, mudando
de show para show. Nem os próprios músicos sabiam qual seria a duração dele nem
quais seriam as frases musicais.
A letra da canção conta a história de uma prostituta, que o protagonista tentava conquistar, sem sucesso, até que um dia ele consegue, eles se casam e, logo em seguida, a mulher morre. Gillan disse que a história é real e que teria acontecido com um amigo dele, o levando a escrever a letra da canção.
Jon Lord não participou da
criação da canção, mas, ainda assim, seu nome apareceu nos créditos, gerando
insatisfação nos outros integrantes da banda que, efetivamente, participaram da
criação dessa faixa tão famosa na carreira do Deep Purple.
Gillan declarou em uma
entrevista que sempre teve a certeza de que o Deep Purple era basicamente uma
banda instrumental, liderada por três virtuosos em seus respectivos
instrumentos: Blackmore na guitarra, Lord nos teclados e Paice na bateria. Ele
e Glover não seriam virtuosos, mas sim letristas e compositores que
complementavam o trabalho dos outros três grandes músicos.
Gostaria de fazer aqui uma breve
análise da personalidade do membro mais emblemático e marcante de toda a
carreira do Deep Purple: o misterioso e temperamental guitarrista Ritchie
Blackmore.
Ao ser perguntado se
Blackmore era assim tão difícil de trabalhar como dizem as lendas a seu
respeito, Jon Lord afirmou: “Ritchie é como um pitbull. Ele pega algo e não
solta mais. Ele tem uma visão sobre o que ele quer e ele luta por isso até
conseguir o que quer. Raramente ele erra, mas se ele erra, é o primeiro a
admitir isso com a maior graciosidade. No entanto, até que provem que ele está
errado, ele não cede. Eu o adoro do jeito que ele é. Ele não toca guitarra de
uma forma convencional. Ele tem uma maneira estranha de ver as coisas. Usa acordes
diferentes que a maioria dos guitarristas jamais pensou em usar, pois ele é um
músico tão peculiar que eu sempre tenho que estar alerta. Blackmore tem um
valor inestimável. Ele sempre foi e sempre será assim. Ele é a faísca que
acende o Deep Purple. É o músico que dá origem às canções e cria os riffs. Eu
não consigo competir com ele nesse nível.”
Roger Glover declarou que:
“A presença de Blackmore paira sobre praticamente tudo. Ele está sempre
buscando por algo que desperta o seu interesse e eu acho que nem ele saiba o
que é. Ele é um guitarrista extraordinário, uma daquelas pessoas que Deus
apontou um dedo e disse: “Você terá um dom que ninguém mais no mundo terá”.
Talvez ele não consiga lidar com o fato dele ser tão talentoso”.
Ian Paice afirmou que: “Blackmore nunca teve medo de ir até a beira do abismo. Ele sempre chegava até lá, mas nunca caía. Com ele, tudo era imprevisível, nunca sabíamos o que aconteceria. No entanto, isso era muito excitante ao vivo, pois nós nunca nos repetíamos, ficávamos sempre ansiosos para descobrir o que aconteceria naquele show.”
Até mesmo o baixista e
vocalista Glenn Hughes, que substituiu Roger Glover quando este deixou o Deep
Purple, fez comentários semelhantes: “O palco do Deep Purple era um lugar
perigoso e excitante ao mesmo tempo. Isso se devia ao Blackmore. Essa é a forma
que o rock and roll deve ter”.
Muito da fama de Blackmore
não vem apenas do seu gênio musical, mas do seu comportamento excêntrico. Ele
nunca permitiu que nenhum outro membro da banda “invadisse” o seu território no
palco. Ele criou uma linha imaginária no palco, a ser traçada a partir do bumbo
da bateria de Ian Paice. Todo o terreno do lado esquerdo do palco seria
exclusivo dele. O restante do palco seria dividido entre os outros integrantes
da banda. Em várias ocasiões ele ameaçou o vocalista Gillan que,
distraidamente, entrou no “território proibido”, quase levando o guitarrista a
quebrar sua guitarra na cabeça de seu grande rival na banda.
Um outro episódio muito
interessante, ainda relacionado com a eterna rivalidade entre Blackmore e
Gillan, pois ambos queriam ser os líderes da banda, sem concessões ao outro,
ocorreu assim que o vocalista foi contratado pelo Deep Purple. Blackmore disse
a Gillan: “Quero que você saiba que não é nada pessoal, mas é importante que
você tenha conhecimento que em todos os shows eu farei de tudo para detonar
você no palco”. Gillan respondeu: “Então eu farei o mesmo com você”. Blackmore
então finalizou dizendo: “Ótimo! Então nós teremos uma grande banda!”. A lógica do guitarrista e verdadeiro líder da
banda era que era necessário haver conflito e tensão na banda, especialmente ao
vivo, para que a criatividade dos músicos fosse aguçada e cada show fosse
único. Os resultados de tal estratégia eram reais. No entanto, o preço que
pagaram por isso foi alto, pois o relacionamento entre os dois só piorou com o
passar dos anos, chegando ao ponto em que eles não se suportavam mais, deixando
de se comunicar e se encontrar, exceto na hora do show.
Lazy
Ian Paice declarou: “O Deep
Purple não deveria ter dado certo nunca. Nós éramos cinco egomaníacos, mas
havia uma química mágica entre nós que nos permitia criar coisas muito boas.
Nós tínhamos muita liberdade para improvisar e fazer exatamente o que
queríamos. A plateia sentia a nossa química. Havia uma verdadeira telepatia
entre os membros da banda. Era realmente uma banda muito excitante de se fazer
parte.
Sobre os ensaios, afirmou: “Nós nunca ensaiamos muito. Nós ensaiávamos ao vivo, no palco. Nós não sabíamos o que iria acontecer quando tocávamos. Tinha que ser no momento. Nós tivemos muita sorte em termos conseguido registrar aqueles shows no Japão”.
O fato se torna ainda mais
surpreendente se considerarmos que todas as gravações de “Made in Japan” foram
totalmente gravadas ao vivo, sem qualquer gravação corretiva posterior em
estúdio. O que ouvimos no álbum foi exatamente o que aconteceu nos shows. Isso
é cada vez mais raro, especialmente no mundo de hoje, em que a maioria dos
álbuns ao vivo é, na realidade, gravado em estúdio, apenas com o som da plateia
adicionado posteriormente na mixagem. Com o Deep Purple tudo é real, orgânico,
intenso e muito vibrante.
Jon Lord |
Lazy surgiu de um ritmo de
bateria criado por Ian Paice. Originalmente era uma faixa instrumental, na qual
Blackmore e Lord usaram todas as suas habilidades musicais e influências de
blues e jazz para criarem uma das melhores canções de toda a carreira do Deep
Purple. Gillan cantou a letra de forma perfeita, com muita intensidade e seus
gritos característicos, além de tocar uma gaita que acentua ainda mais o tom
blueseiro da canção.
Ao vivo, Lazy sempre foi um
momento para solos de teclado de Jon Lord, que exibia suas influências de
música clássica, sempre improvisando solos e temas até a entrada de Blackmore
com o riff marcante da canção.
Space Truckin´
Ian Gillan definiu essa
faixa como sendo uma canção de viagem pelo universo. O riff de guitarra de
Blackmore é muito marcante e conduz toda a banda nessa faixa que costumava ser
a última dos shows, antes do bis. Ao vivo costuma ser muito mais longa do que
sua versão de estúdio. No vinil de “Made in Japan”, Space Truckin’ ocupa o lado
4 inteiro, com mais de 19 minutos de duração. Há um longo solo de Blackmore,
que mostra sua grande habilidade no uso do botão de volume da guitarra, criando
um efeito muito belo e sutil. Ele já havia usado tal recurso na gravação de
estúdio da faixa “No No No”, do álbum Fireball. Nessa gravação, ele estende seu
improviso, sempre acompanhado pela fiel e marcante bateria de Ian Paice, a
pulsação do baixo de Roger Glover e o teclado discreto de Jon Lord.
Nessa época, o Deep Purple havia sido incluído no Livro de Recordes do Guinness por ser a banda que tocava em volume mais alto. Tal título foi dado ao quinteto após um show no Rainbow Theater em Londres, em 30 de junho de 1972, quando sua apresentação atingiu inacreditáveis 117 decibéis.
Black Night
Mais um daqueles riffs incendiários e marcantes. A banda estava no estúdio gravando o álbum “In Rock”, quando um produtor entrou na sala de gravação e fez a seguinte “revelação” à banda, que ainda lutava para ser amplamente reconhecida pelo público e ter um sucesso de venda. “O que vocês precisam é de um single de sucesso!”. Esse foi o comentário óbvio feito, que irritou profundamente Blackmore. A banda passou o dia no estúdio tentando criar o tal sucesso. Depois de horas, foram para o pub beber algumas cervejas. Ao retornarem ao estúdio, Glover e Blackmore criaram o riff clássico da canção. Os outros se juntaram a eles e compuseram suas respectivas partes. Glover batizou a canção de Black Night e, juntamente com Gillan, compôs a letra a ser cantada. Esse foi o primeiro grande sucesso do Deep Purple, que recebeu elogios até mesmo do vocalista do Black Sabbath na época, Ozzy Osbourne, que gostou muito da canção.
Black Night foi um marco na
carreira do Purple. Segundo Glover, após o lançamento da canção, a imprensa
começou a cobrir tudo que faziam, os shows começaram a aparecer, assim como as plateias,
que só aumentavam a cada dia.
Ao vivo, Black Night sempre
foi muito bem recebida, sendo uma das canções favoritas dos fãs, que batiam
palmas e cantavam a melodia do riff. Nos show do Japão, é um dos pontos altos
das apresentações, com a banda tocando com toda a energia essa que geralmente
era a primeira canção do bis. Ao ouvirmos a gravação é impossível não nos
sentirmos contagiados pelo entusiasmo da banda e da plateia. Sensacional!
Speed King
Essa foi a primeira canção
que a banda compôs logo após a entrada de Ian Gillan e Roger Glover no Deep
Purple. Eles a criaram no primeiro ensaio que fizeram, tendo sido inspirados
pela canção “Fire”, de Jimi Hendrix. O incrível riff de Speed King foi criado
pelo talentoso baixista e compositor, Roger Glover.
Roger Glover |
Ao vivo, a canção se tornava ainda mais agressiva e veloz do que sua versão de estúdio, sendo realmente incendiária. A plateia enlouquecia juntamente com a banda, que mostrava todo seu virtuosismo, energia e paixão, conduzindo o show à um ápice.
Blackmore e Lord fazem
duelos entre si, trocando frases com forte inspiração de blues e jazz. O Deep
Purple sempre foi uma banda de músicos brilhantes, com toque dos mais
diferentes estilos musicais, pois cada um dos membros trazia suas próprias
influências que, todas misturadas, criavam o som único da banda.
Lucille
Para encerrar o show, nada
melhor do que um dos grandes clássicos dos primórdios do rock, composto pelo
lendário pianista e vocalista Little Richard, uma forte influência em todos os
músicos que iniciaram suas carreiras nos anos 60, como os Rolling Stones,
Beatles, Led Zeppelin e tantos outros.
Ian Gillan usa toda sua potência vocal e seus incríveis agudos para interpretar esse sucesso de um dos seus ídolos, sendo acompanhado de forma impecável por seus companheiros de banda, que parecem estar se divertindo muito tocando essa música que fez parte da formação musical de todos eles.
No final do show, a plateia
não consegue acreditar que acabara de presenciar um dos shows mais marcantes e
memoráveis de toda a história do rock. “Made in Japan” havia sido registrado
para a eternidade.
O LEGADO DE “MADE IN JAPAN”
A reação da banda às
gravações realizadas no Japão foi variada. Ian Paice e Roger Glover se envolveram
profundamente com elas, participando ativamente das sessões de mixagem do álbum
ao vivo.
Ian Gillan e Ritchie Blackmore se recusaram a ouvi-lo, afirmando que álbuns ao vivo não são do interesse deles, sendo artefatos do passado.
Ian Paice e Jon Lord
consideram que “Made in Japan” é o melhor álbum de toda a longa carreira do
Deep Purple, conseguindo capturar toda a energia e virtuosismo da banda em seu
habitat natural: o palco.
Jon Lord afirmou: “O que eu
sempre achei que era a melhor coisa no Purple, e uma das razões pelas quais eu
tenho tanto orgulho da banda, é que ao vivo nós somos muito melhores do que
nosso material gravado em estúdio. O Purple sempre foi uma banda de tocar ao
vivo e eu não acho que nós tenhamos sido particularmente ótimos em estúdio.
Então, “Made in Japan” felizmente conseguiu capturar aquela energia incrível e
ainda vende tanto até hoje por causa disso. É um dos álbuns ao vivo mais
vendidos da história e eu acho que é também um dos mais bem gravados”.
Como havia sido planejado
anteriormente, o álbum inicialmente só foi lançado no Japão. No entanto, várias
cópias foram exportadas para a Europa e foram recebidas com entusiasmo pelos
fãs da banda, considerando as gravações excelentes. O mesmo acabou se dando nos
EUA e em vários outros países do mundo, até que a gravadora finalmente decidiu
lançar o álbum em todo o mundo, que acabou se tornando um grande sucesso de
vendas e passou a ser considerado o maior álbum ao vivo da história do rock.
Muitas outras bandas
tentaram seguir o caminho do Deep Purple, tentando lançar um álbum ao vivo de
suas apresentações. No entanto, nenhuma delas conseguiu superar a qualidade
desse clássico gravado no Japão. Nem mesmo o próprio Deep Purple conseguiu
superar “Made in Japan”, embora tenha lançado incontáveis álbuns ao vivo ao longo
de décadas, sendo a maioria deles muito boa, mas nunca conseguindo reproduzir a
magia que foi registrada nos três primeiros shows da banda no Japão em 1972.
Em 1973, a formação clássica do Deep Purple (Ritchie Blackmore, Ian Gillan, Roger Glover, Ian Paice e Jon Lord) terminou, com a saída de Gillan e Glover, que foram respectivamente substituídos por David Coverdale e Glenn Hughes. O Deep Purple prosseguiu lançando grandes álbuns, mas nada tão bem sucedido quando o material gravado pela formação clássica da banda. Em 1984, os cinco integrantes se reuniram novamente para a gravação de um novo álbum, chamado “Perfect Strangers”, que foi muito bem recebido pelo público, levando a banda a esgotar os ingressos em todos os lugares onde se apresentaram. A separação definitiva dos 5 cinco integrantes se deu em 1993, quando Blackmore deixou a banda pela última vez, tendo sido seguido por Lord em 2002, que veio a falecer em 2012.
MEU ENCONTRO INUSITADO COM O
DEEP PURPLE
Eu tive a oportunidade de
assistir à formação clássica do Deep Purple uma única vez, durante a tour “The
Battle Rages On” em Paris, no dia 19/10/93. Foi simplesmente fantástico ver os
cinco músicos fazerem um show brilhante, todos em plena forma física e musical.
Algo impressionante foi o volume ensurdecedor da apresentação. Acredito que
nessa época a banda ainda fosse a que tocava com o volume mais alto ao vivo,
pois eu voltei para casa com meus dois ouvidos zumbindo. Passei dois dias assim
até que, finalmente, minha audição voltou ao normal. Apesar do susto, valeu
muito cada segundo a apresentação inesquecível desses grandes artistas, os
quais eu sempre sonhara em ver ao vivo.
No entanto, pouco mais de
dois anos antes, mais precisamente no dia 24/08/91, eu tive a oportunidade de
assistir o meu primeiro show do Deep Purple, em sua primeira tour no Brasil, no
Ginásio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Infelizmente nessa época Ian Gillan
havia sido expulso da banda e, em seu lugar, estava o vocalista Joe Lynn
Turner, que havia sido companheiro de Blackmore e Glover no Rainbow. O show foi
muito bom, mas a melhor parte ocorreu após a apresentação, quando encontrei a
banda pessoalmente, ainda que rapidamente.
Após o show ter sido
encerrado, decidi que tentaria ver os músicos do Purple de perto, ao saírem do
camarim para irem para o hotel. Fiquei esperando na parte de trás do ginásio,
com mais umas 10 pessoas que tinham o mesmo intuito. Com o passar do tempo,
foram ficando ainda menos pessoas, provavelmente umas 3 ou 4. Me recordo que o
primeiro a aparecer foi o então vocalista Joe Lynn Turner, que passou por nós
rapidamente, mas uma cara não muito simpática, de forma que ninguém o abordou.
Logo em seguida, saiu Jon Lord, que foi tão veloz que, quando nos demos conta,
ele já estava dentro do carro e indo para o hotel. Na sequência, saíram Ian
Paice e Roger Glover, que foram muito atenciosos e pararam para autografar os
ingressos dos poucos fãs que estavam ali, incluindo o meu. Conversaram
rapidamente conosco, mas não fizeram fotos, pois não havia celulares na época e
era difícil carregar uma máquina fotográfica para os shows, pois geralmente
elas eram apreendidas pelos seguranças. Ficamos muito ansiosos, pois agora só
faltava a saída do Ritchie Blackmore, quem eu mais gostaria de ver de perto. Se
por um lado, estava feliz com a expectativa de vê-lo, por outro, estava com
muito receio, devido às histórias que sempre ouvi e li sobre o comportamento
imprevisível do lendário guitarrista. Nesse momento só havia eu e mais um outro
rapaz aguardando a saída de Blackmore. De repente ele apareceu saindo do
camarim, com duas garrafas de vinho branco alemão nas mãos. Eu e o outro rapaz ficamos
apenas olhando. Para a nossa completa surpresa, quando ele chegou exatamente
onde nós estávamos, deu de presente uma garrafa para o rapaz que estava comigo
e, se virou e olhou nos meus olhos e me deu a outra garrafa, sem dizer nada, e
entrou no carro que o aguardava e foi para o hotel. Eu e o rapaz ficamos
olhando um para o outro, completamente incrédulos e pensando: “Será que isso
realmente aconteceu? Será que nós realmente acabamos de ganhar uma garrafa de
vinho branco alemão das mãos do próprio Ritchie Blackmore?”. Até hoje me lembro
desse noite inesquecível como muita satisfação, pois o Deep Purple sempre me
trouxe tanta alegria e bons momentos com a sua música que eu jamais imaginei
que um dia pudesse ter uma experiência tão incrível assim com o guitarrista e
fundador da banda. Algumas vezes os sonhos se realizam.
Essa matéria é um pequeno
tributo de minha parte ao tecladista Jon Lord, um dos fundadores do Deep
Purple, que marcou profundamente a história do rock com seus teclados e órgão
Hammond, com toda sua criatividade e brilhantismo musical. Seu legado viverá para
sempre.
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BIBLIOGRAFIA
Ian Gillan – The Autobiography of Deep Purple´s
singer, por Ian Gillan
Glenn Hughes – The Autobiography – from Trapeze to
Black Country Communion, por Glenn Hughes e Joel McIver
Ritchie Blackmore – Black Knight, por Jerry Bloom
Gettin’ Tighter – Deep Purple 68-76, por Martin Popoff
Deep Purple – A Matter of Fact, por Jerry Bloom
Smoke on the Water – The Deep Purple Story Updated
Edition, por Dave Thompson
Deep Purple – Uncensored on the Record, por Jerry
Bloom
DVD/Blu Ray – The Ritchie Blackmore Story
DVD – Deep Purple – Machine Head – Classic Albums
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