Introdução à série “ÁLBUNS
CLÁSSICOS DO ROCK”
Caros leitores:
A ideia de criar a presente
coluna me ocorreu quando percebi que, embora eu goste muito de descobrir novos
artistas, bandas, álbuns e estilos musicais, alguns álbuns sempre acabam sendo
ouvidos novamente, voltando como amigos saudosos que regressam após uma longa
viagem. Considero que aqueles que farão parte dessa coluna são meus parceiros de
longa data, que vem me acompanhando há décadas, através dos momentos de alegria
e tristeza. Sempre estiveram disponíveis, ao meu lado, para celebrar comigo os
momentos de felicidade ou me confortar em minha dor nos momentos de sofrimento.
Desta forma, pensei que uma
maneira que eu poderia ter de retribuir tantos bons momentos e horas de
companhia que tive durante todos esses anos seria fazer uma homenagem, um
pequeno tributo, aos meus artistas favoritos e aos álbuns que mais marcaram a
minha vida. Os leitores mais atentos notarão que não necessariamente eu
escolherei os álbuns mais famosos ou vendidos de cada artista. Algumas vezes
isso acontecerá, como é o caso dessa primeira matéria, mas a escolha foi feita
por serem aqueles que são especiais para mim, tendo entrado em minha história
pessoal de uma maneira muito intensa, fazendo parte da minha formação musical
até os dias de hoje.
Adotei alguns critérios para
elaborar essa coluna: cada artista terá apenas um álbum selecionado. Iniciarei
com uma ficha técnica, citando os músicos envolvidos e as faixas do álbum. Na
sequência, descreverei a origem do álbum, de onde e como ele surgiu. Em
seguida, farei uma análise detalhada de cada uma das faixas, finalizando com o
legado deixado pela obra do artista escolhido. Serão disponibilizados também
alguns links no final, para que possam ouvir e ver os artistas em questão.
Desde já alerto os leitores
que alguns poderão ficar desapontados por eu ter escolhido um determinado
álbum, mas isso é de se esperar. No entanto, tenho esperança de que muitos gostem
das minhas escolhas, que poderão ser até mesmo surpreendentes em algumas ocasiões.
Agradeço-lhes por sua
atenção e tempo. Convido cada um de vocês a ouvirem o álbum analisado, do
início ao fim, após a leitura de cada matéria. Tenho certeza de que o escutarão
de uma outra maneira e, quem sabe, eles também venham a lhes acompanhar pelo
resto de suas vidas.
Boa viagem!
CLASSIC
ROCK ALBUMS – VOLUME 1
U2 –
THE JOSHUA TREE
FICHA TÉCNICA
ANO
DE LANÇAMENTO |
1987 |
PRODUZIDO
POR |
BRIAN
ENO & DANIEL LANOIS |
MÚSICOS
PRINCIPAIS |
LETRAS
DE BONO MÚSICAS
DE U2 BONO –
VOZ, GAITA E GUITARRA THE
EDGE – GUITARRA, BACKING VOCALS E PIANO ADAM
CLAYTON – BAIXO LARRY
MULLEN JR. – BATERIA E PERCUSSÃO BRIAN
ENO – TECLADOS E BACKING VOCALS DANIEL
LANOIS – TAMBORIM, BACKING VOCALS, OMNICHORD E GUITARRA BASE THE
ARMIN FAMILY – CORDAS (FAIXA 9) THE ARKLOW SILVER BAND – METAIS (FAIXA 6) |
LISTA DE CANÇÕES DO ÁLBUM
1 |
WHERE THE STREETS HAVE NO NAME |
2 |
I STILL HAVEN´T FOUND WHAT I´M LOOKING FOR |
3 |
WITH
OR WITHOUT YOU |
4 |
BULLET
THE BLUE SKY |
5 |
RUNNING
TO STAND STILL |
6 |
RED
HILL MINING TOWN |
7 |
IN
GOD´S COUNTRY |
8 |
TRIP
THROUGH YOUR WIRES |
9 |
ONE
TREE HILL |
10 |
EXIT |
11 |
MOTHERS
OF THE DISAPPEARED |
ORIGENS DO ÁLBUM
Em 1985, durante a tour do
quarto álbum do quarteto irlandês, “The Unforgettable Fire”, o U2 já era
considerado pela crítica e fãs como a banda mais promissora dos anos 80,
atraindo uma grande quantidade de pessoas para suas apresentações em todos os
países que visitavam. Ao vivo, o U2 era eletrizante, contagiando as plateias
com suas canções vibrantes como “Sunday Bloody Sunday”, “New Year’s Day” e “Pride”.
O carisma de Bono, a criatividade e inovações de The Edge, além da competência e
solidez de Adam Clayton e Larry Mullen Jr realmente mostrava que eles estavam seguindo
o caminho para se tornarem a maior banda de rock do mundo.
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Da esquerda para a direita: Larry Mullen Jr, Bono, Adam Clayton e The Edge |
O momento que fez com que
todo o planeta conhecesse o U2 foi o Live Aid, em 1985, organizado por Bob
Geldof, também irlandês e amigo pessoal da banda. Assim como todos os outros
artistas, eles tinham 20 minutos para fazerem sua apresentação para todo o
mundo. Inicialmente haviam programado tocar três canções: “Sunday Bloody Sunday”,
“Bad” e “Pride”. No entanto, Bono se entusiasmou tanto durante a execução de “Bad”,
tendo incluído nela vários trechos de músicas dos Rolling Stones (Ruby Tuesday)
e Lou Reed (Satellite of Love e Walk on the Wild Side) que acabou perdendo a
noção do tempo. Além disso, Bono pulou do palco e foi até a plateia convidar
algumas moças para subirem ao palco com ele. Como a canção se estendeu muito,
tiveram de finalizar a apresentação com apenas duas canções. O abraço de Bono
nas fãs, o pulo do palco até a multidão, a interpretação incendiária da banda e
as sensacionais canções escolhidas fizeram com que todo mundo quisesse saber
mais sobre aquela banda, que foi considerada a revelação do Live Aid.
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U2 no Live Aid |
Em janeiro de 1986, o U2
começou a trabalhar em seu quinto álbum, que viria a se tornar “The Joshua
Tree”. Bono estava fascinado pelos EUA, pois a banda estava habituada a passar
de 4 a 5 meses por ano se apresentando por lá. Queria escrever sobre a
“América”, não a real, mas a idealizada, do imaginário dos imigrantes, a
descrita no sonho de Martin Luther King, que sempre foi um ídolo para a banda,
que já havia composto duas canções em sua homenagem: “MLK” e “Pride”.
Foi decidido que a
inspiração para o novo álbum seriam os EUA, mas os experimentos sonoros
iniciados no trabalho anterior não seriam abandonados, especialmente porque o
novo trabalho seria produzido novamente pela dupla Brian Eno e Daniel Lanois,
que havia estabelecido uma perfeita sintonia com o U2 e seus anseios musicais
no álbum anterior.
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Brian Eno e Daniel Lanois |
Antes mesmo das gravações
começarem, a banda decidiu que cada nova canção deveria transportar o ouvinte a
um lugar, real ou imaginário, e que o som deles deveria ter uma qualidade
cinematográfica, representando desertos, imagens, paisagens sonoras e viagens
musicais.
Dois elementos que
influenciaram enormemente o novo trabalho foram a visita que Bono fez à El
Salvador, em meio à terrível crise política que viviam com os EUA, e também a
Nicarágua, onde o movimento sandinista se tornava cada vez mais forte e
influente, chegando a ser considerado como uma ameaça para o governo americano.
Bono viu tudo isso de perto e conheceu um outro lado da “América” que
desconhecia até então, o do intervencionismo, do fornecimento de armamentos, da
guerra, morte e destruição. Essa relação contrastante de amor e raiva pelos EUA
foi fundamental para estabelecer a narrativa que seria usada nas novas canções.
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Gravações do álbum |
Outro acontecimento que
trouxe grande inspiração e motivação para o U2 foi a participação deles na tour
“Conspiracy of Hope”, em 1986, na qual se apresentaram em 6 cidades dos EUA
juntamente com outros artistas consagrados, como Peter Gabriel e Sting. Em
algumas ocasiões, o U2 fazia a apresentação final, em outras, Sting se reuniu com
Andy Summers e Stewart Copeland, de seu extinto grupo “The Police”, para
apresentações especiais, nas quais foram a atração final da noite.
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Bono e Sting |
Nessa tour, foram discutidos
vários temas relativos aos direitos humanos, prisioneiros políticos, guerras,
religião e muitos outros tópicos que acabaram surgindo posteriormente nas
letras do álbum que estava sendo preparado. Um momento particularmente marcante
para o U2 foi quando, na última apresentação, de última hora, Sting pediu que o
U2 tocasse depois do The Police, e fechasse a noite, pois ele já sabia que sua
banda havia acabado e o U2 seria o sucessor natural deles. Assim, no final da
última música do show do The Police, cada um dos integrantes entregou
pessoalmente seus próprios instrumentos aos músicos do U2, que fizeram seu show
usando os instrumentos do The Police, como se houvesse ocorrido um ritual de
passagem entre o passado e o futuro do rock. Esse gesto causou uma forte
comoção em todos que estavam na plateia, e entre as duas grandes bandas.
O U2 estava pronto para “The
Joshua Tree”. Agora chegara a hora da banda provar que eles mereciam o título
de “maior banda do mundo” e entregarem uma obra clássica, que pudesse encantar
seus fãs, crítica e todos os que ouvissem o novo álbum.
ANÁLISE DO ÁLBUM – FAIXA A
FAIXA
Where the Streets Have no Name
O álbum começa com um som de
teclado hipnótico, crescente, envolvente, que desde a primeira audição cria no
ouvinte a expectativa que algo grande e majestoso está se aproximando. Depois
vem as guitarras de The Edge com um riff clássico, repleto de efeitos de digital
delays, uma de suas marcas registradas. Quando toda a banda começa a tocar
junta percebemos que estamos ouvindo realmente uma canção grandiosa, o que só
se confirma com a entrada de Bono, cantando uma letra na qual diz que ele quer
correr, se libertar do que o prende. É uma canção sobre conseguir se libertar
das amarras que nos prendem internamente. É o som de uma banda inovando e
criando seu próprio espaço no mundo do rock.
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The Edge |
A gravação oficial da canção
consumiu praticamente 40% do tempo usado para o registro de todo o álbum, pois
eles nunca ficavam satisfeitos com o resultado que estavam obtendo. Em um
determinado momento, o produtor Brian Eno quase apagou as fitas originais, para
que a banda começasse tudo de novo, do zero, pois achava que havia problemas
demais na gravação original, que eram insanáveis. Felizmente, um dos
engenheiros de som no estúdio impediu que isso acontecesse.
A canção foi composta
originalmente por The Edge, que gravou sozinho em seu estúdio caseiro uma fita
demo com os teclados, guitarras e bateria, criando um guia para a o resto da
banda sobre como ela soaria com todos os instrumentos. Ele imaginou qual seria
uma canção que ele gostaria de ouvir ao vivo, que eletrizasse a plateia, que
fosse a melhor que o U2 já havia composto até então. Ao concluir sua gravação,
teve a certeza de que havia composto a melhor canção de sua vida, com as
melhores guitarras e que, posteriormente, se tornou épica ao vivo, quando abriu
os shows da tour de “The Joshua Tree”. Até hoje é executada em praticamente todas
as apresentações da banda e é sempre um dos pontos altos e mais aguardados em
todos os shows.
I Still Haven´t Found What I´m Looking For
É uma canção espiritual, com
raízes na música gospel, na qual Bono interpreta a letra da canção com muita
emoção e intensidade. O tema é o da dúvida espiritual, da busca incessante por
algo, mas nunca conseguindo encontrar o que se procura, criando uma angústia
incessante.
The Edge criou o título e
Bono o tema da canção, que poderia ser definido como um hino de fé e dúvida em
sua capacidade em encontrar o seu próprio caminho. De uma certa forma, ela nos
remete à canção de George Harrison “My Sweet Lord”, que também mostra uma busca
espiritual por Deus, tentando uma aproximação com a divindade suprema.
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Bono |
Em 1988, o U2 gravou uma
versão com um coral negro de música gospel, denotando ainda mais suas raízes
religiosas nesse novo registro. As cenas da gravação em uma igreja no Harlem em
Nova York posteriormente foram usadas no documentário “Rattle and Hum”, além de
uma gravação ao vivo realizada no show da banda, que foi incluída no álbum do
mesmo nome.
With or Without You
Um dos maiores clássicos da
banda. Musicalmente, a canção nasceu através dos experimentos de The Edge com
um equipamento musical inventado pelo músico canadense Michael Brook, chamado
“Infinite Guitar” que, como já está explicado no próprio nome do instrumento,
produz sons infinitos de guitarra, que foram amplamente usados na gravação.
Bono se sentia dividido
entre ser leal e dedicado à banda ou à sua esposa e família. Se por um lado ele
queria passar mais tempo com ela e seus familiares, por outro ele tinha a
necessidade de se exprimir artisticamente e investir sua energia e tempo no U2.
No entanto, isso lhe gerava uma constante frustração, pois ele nunca estava
satisfeito, sempre sentindo que estava deixando algo ou alguém importante para
trás. Na letra da canção ele conta que não consegue viver com ou sem você, seja
quem for. Talvez sua esposa, ou até mesmo a banda.
Essa dicotomia e tensão são
constantes nessa que, no fundo, é uma canção de amor muito emotiva, que gera
uma enorme empatia no ouvinte que já esteve envolvido em um caso de amor
intenso, repleto de tensão e ansiedades, comuns em relacionamentos sérios e
longos. No final, Bono desiste e se entrega, nos presenteando com uma das mais
lindas obras de toda a carreira do U2.
Bullet the Blue Sky
Uma das canções mais intensas
do álbum. Muito pesada, com uma bateria dominante de Larry Mullen Jr. e um
baixo hipnótico de Adam Clayton. É impossível que o ouvinte fique indiferente à
essa faixa essencial de “The Joshua Tree”.
Surgiu das lembranças de
Bono em suas viagens pela Nicarágua e El Salvador em 1985, na qual viu aviões
do governo bombardeando vilarejos, pessoas morrendo, explosões, medo, raiva,
tudo isso misturado com um ódio pela política externa dos EUA durante o governo
de Ronald Reagan.
A letra coloca lado a lado o
que há de pior na “América”, como a Ku Klux Kan, com o que há de melhor, como o
som do saxofone de John Coltrane. Os EUA são um país de enormes contrastes e,
particularmente durante a década de 1980, seus vizinhos da América Central
sofreram enormemente com sua política intervencionista.
Revoltado com tudo que
presenciou, ao encontrar a banda para a gravação desta canção, Bono pediu ao
The Edge: “Coloque El Salvador e a Nicarágua através de seu amplificador”. O
guitarrista conseguiu captar a essência do que o vocalista queria e fez um solo
magistral, no qual, se fecharmos os olhos, podemos ver os aviões passando por
nossas cabeças, as bombas caindo, explosões, sirenes de ambulância passando,
enfim, uma verdadeira overdose de imagens de guerra e violência, todas exibidas
ao mesmo tempo, deixando um rastro de medo até o final. “Lá fora é a América”,
sussurra Bono. Mas não é aquela dos sonhos, e sim, a real. Excepcional.
Running to Stand Still
Depois da faixa anterior,
avassaladora, as coisas parecem se acalmar na faixa seguinte. No entanto, essa
primeira impressão é enganadora. O medo e a tensão persistem. Só que agora o
tema é o vício em drogas, particularmente em heroína.
Sem dúvida, a melhor letra
do álbum. Bono estava inspiradíssimo quando compôs esse trágico relato de uma
mulher viciada em heroína. O título da canção surgiu quando ele foi visitar seu
irmão em Dublin, que possuía uma pequena loja comercial. Ao indagar o irmão
como estavam indo os negócios, a resposta que teve foi: “Estou correndo para
permanecer parado”. Essa frase tocou Bono, que a anotou imediatamente para não a
esquecer. Ao retornar ao estúdio, começou a escrever uma letra com a frase dita
pelo irmão. Em um momento de pura poesia, conseguiu contar o sofrimento dos
viciados em drogas que habitavam as “Sete Torres de Ballymun”, mencionadas na
letra da canção. Esse era um local de tráfico de drogas na cidade de Dublin,
bem próximo de onde Bono nasceu e foi criado. Ele se lembrou dos junkies
injetando heroína nos corredores das torres e de um casal que mensalmente fazia
viagens relâmpago para Amsterdã a fim de transportar drogas, ganhando algum
dinheiro com isso, para poderem bancar seu vício.
Musicalmente, a melodia
surgiu de um improviso que The Edge fez ao piano enquanto a banda estava
ocupada com outras atividades. Quando eles chegaram ao estúdio, ficaram
encantados com a canção e adicionaram o baixo e a discreta percussão que
completa o tema.
Na letra de Bono, só há uma
saída das torres de Ballymun: a heroína, que também destruiu seu amigo Phil
Lynott, baixista e vocalista da banda Thin Lizzy. A letra da canção não é um
ataque frontal às drogas, mas sim, uma mensagem de compaixão e carinho aos que
sucumbiram ao poder da mais perigosa das drogas, relatando o sofrimento pelo
qual passam a fim de tentar manterem seu vício, tentando encontrar uma saída,
seja ela através do abandono da droga ou da agulha diretamente na veia. Bono se
recusa a julgar, oferecendo apenas compaixão e solidariedade à personagem da
canção. Certamente, uma das faixas mais poéticas, marcantes e importantes de
“The Joshua Tree”.
Red Hill Mining Town
O tema aqui é a decisão de
Margaret Thatcher, que então ocupava o cargo de Primeiro Ministro do Reino
Unido, em fechar as minas que não eram economicamente rentáveis em seu país.
Tal decisão gerou uma enorme greve dos mineiros, na qual lutaram arduamente
contra a decisão governamental.
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Adam Clayton |
Bono escreveu sobre o
sofrimento daqueles que perderam seus empregos e, por tal razão, não teriam
mais como manter suas famílias, com muitos filhos ainda pequenos. Relata como
os relacionamentos se deterioraram sob a pressão da greve dos mineiros e das
dificuldades financeiras causadas pelo fechamento das minas e o grande número
de desempregados por tal decisão. As garrafas ficam vazias e nosso amor esfria,
relata Bono na canção.
Red Hill Mining Town havia
sido escolhida para ser um dos singles do álbum. No entanto, durante os ensaios
para a tour, o vocalista teve grande dificuldade em cantar a canção, que atinge
notas muito altas e demanda muito de sua voz. Por esse motivo, o plano de
lançamento do single foi abortado e a canção nunca foi executada ao vivo pelo U2
por décadas. Somente na tour comemorativa dos 30 anos do lançamento do álbum,
em 2017, é que o U2 tocou a canção ao vivo pela primeira vez, com um arranjo
completamente diferente, em outro tom, no qual Bono conseguiu cantar a canção
de maneira que não exigisse demais dele.
In God´s Country
Sem dúvida, na letra os EUA
são “o país de Deus”. Bono estava tentando expressar seu desconforto com a
“América”, como já havia relatado em “Bullet the Blue Sky”. Aqui, ele está mais
resignado, aceitando a dificuldade em mudar todo o lado negativo do país que
acolheu o U2 de braços abertos. Há claramente uma relação de amor e ódio, na
qual ele pinta os EUA como “a rosa do deserto”, que encanta e o atrai como se
fosse uma sereia. Há também a figura do deserto, presente na capa do álbum, que
foi um tema que trouxe muita inspiração à banda, como uma imagem mental, uma
tela em branco, na qual poderiam expressar seus sentimentos e preocupações, usando
seus instrumentos para pintarem uma paisagem no deserto.
Musicalmente, The Edge
contou que a banda procurava músicas mais rápidas e agitadas, para contrastar
um pouco com o clima mais sombrio e lento da maioria das canções do álbum.
Assim surgiu uma das faixas mais “fáceis” de ser ouvida do álbum, porém, não
menos importante ou inspirada.
Trip Through Your Wires
Uma das canções mais
“simples” do álbum. Surgiu de um improviso no estúdio, quando a banda começou a
tocar junta e os produtores gravaram o que eles estavam criando espontaneamente
no momento.
Em relação à letra, Bono
explicou que foi baseada em várias conversas de telefone que teve com uma
mulher, que teria lhe ajudado em momentos de dificuldade e baixa autoestima. No
entanto, com o passar do tempo, ele acabou percebendo que toda aquela imagem
que a dita pessoa transmitia não era real e ela o havia enganado durante todo o
tempo. Há um sentimento de decepção, uma desilusão com algo que parecia ser
muito promissor.
Bono questiona se ela é um anjo
ou o demônio, pois ele tinha sede e ela simplesmente molhou os seus lábios. Seria
a canção um discreto relato de alguma aventura extraconjugal do vocalista do
U2? Nunca saberemos a resposta.
One Tree Hill
Quando o U2 estava em tour
em 1985 pela Nova Zelândia eles conheceram um rapaz chamado Greg Carroll. A
banda e seu empresário nunca haviam visto um assistente de palco com tanta
energia e desenvoltura. Decidiram chamá-lo para ajudar a banda nos shows que
ocorreriam na Austrália.
Na primeira noite em que o
U2 passou na Nova Zelândia, Greg levou Bono para conhecer One Tree Hill, que é
a mais alta das cinco ilhas vulcânicas que formam a cidade de Auckland.
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Greg Carroll |
Encerrada a tour, Greg havia
se dado tão bem com a banda, particularmente com Bono e Larry, que eles o
convidaram para se mudar para a Irlanda para trabalhar com eles.
Em pouco tempo, o rapaz se
tornou praticamente um irmão para Bono e fez uma profunda amizade com todos da
banda e da equipe do U2. Passou a trabalhar como assistente do vocalista, tratando
de todos os afazeres do cotidiano da banda.
Em uma noite chuvosa, Bono
pediu que Greg levasse sua moto para casa, pois ele e a banda provavelmente
passariam a noite inteira gravando no estúdio. Durante o trajeto, infelizmente
Greg sofreu um trágico acidente, morrendo instantaneamente.
Ao receber a notícia, a
banda e a equipe do U2 ficou completamente arrasada, pois Greg era muito
querido por todos. O mais afetado foi Bono, que havia perdido sua mãe muito
cedo e, agora, um grande amigo que havia se tornado seu melhor amigo. Para
piorar a situação, o rapaz morrera fazendo um favor para o vocalista.
A banda decidiu compor uma
canção em sua homenagem, que se transformou em “One Tree Hill”, um lugar que é
um símbolo da Nova Zelândia, no qual Bono passou momentos de muita alegria com
seu amigo Maori (nativo indígena do país).
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One Tree Hill |
Bono, Larry e suas
respectivas esposas viajaram para a Nova Zelândia para o enterro de Greg
Carroll, seguindo as tradições Maori, em sua tribo de origem.
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Bono e Ali no enterro de Greg Carroll |
Na letra, Bono faz uma
sincera homenagem ao falecido, celebrando sua vida, dizendo que eles se verão
novamente “quando as estrelas caírem do céu”, e que todos nós” corremos com um
rio, em direção ao mar”. Todas as almas se encaminham para Deus.
Essa canção é tão forte e emocionante
que Bono evitava ao máximo cantá-la ao vivo nos shows do U2, pois era muito
difícil para ele segurar as lágrimas e conseguir dar prosseguimento ao show
após cantá-la. Por essa razão, ela foi executada pouquíssimas vezes durante a
tour de lançamento do álbum “The Joshua Tree”, só passando a ser incluída
regularmente no setlist da banda na tour seguinte, “Lovetown”, em 1989 e 1990,
quando foi executada durante todos os shows realizados na Oceania e Ásia, além
de alguns shows na Europa também.
A banda passou muito tempo
sem executar a canção ao vivo, justamente por seu forte conteúdo emotivo para
todos da banda. Só retornou ao setlist dos shows da banda em 2006, além de ter
sido executada em todos os shows da tour comemorativa de 30 anos de lançamento
de “The Joshua Tree”, em 2017 e em 2020.
Exit
Surgiu de uma jam session da
banda. Adam Clayton e Larry Mullen Jr. começaram a improvisar a base da canção.
Logo foram acompanhados por The Edge, que entrou no clima sombrio da canção. Foi
gravada no último dia das sessões para o álbum.
É uma faixa assustadora,
tensa, na qual Bono descreve um homem que está prestes a cometer um ato
violento. Não fica claro se é contra ele mesmo (um suicídio) ou contra outra
pessoa (um assassinato). A pulsação constante do baixo e bateria simulam o
batimento cardíaco do indivíduo, profundamente perturbado.
Provavelmente é uma pessoa
para qual o “sonho americano” acabou se transformando em um pesadelo. O U2
nunca havia composto nada parecido. A maioria de suas canções são otimistas,
com mensagens positivas. Aqui não há mais esperança, apenas desespero. Há um
clima muito pesado, pronto para explodir a qualquer instante, o que acaba
acontecendo durante a canção, quando o ato violento é acontece.
A sensação que temos ao
ouvi-la é que a banda talvez estivesse exorcizando seus demônios, deixando que
as trevas dominassem essa faixa ameaçadora, no entanto, magnética. Uma das
melhores e mais impactantes toda vez que foi executada ao vivo. A plateia sempre
ficava hipnotizada e eletrizada quando ela surgia nas apresentações da tour.
Mothers of the Disappeared
A última faixa do álbum é um
tributo ao sofrimento das mães dos desaparecidos em vários em El Salvador, no
Chile e na Argentina, durante as ditaduras enfrentadas pelo povo desse países
nos anos 1970 e 1980.
Inspirada pela tour
“Conspiracy of Hope” em 1986, da qual o U2 participou, apoiando a ONG “Anistia
Internacional”. Durante o período da tour, tiveram contato com mães que haviam
tido seus filhos tomados por esquadrões da morte em vários países da América
Latina. Esses homens e mulheres nunca mais foram vistos, havendo desaparecido
para sempre.
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Conspiracy of Hope |
Bono ficou chocado ao ouvir
tais relatos diretamente das mães que encontrou e decidiu que escreveria uma canção
sobre o tema, dando voz ao lamento e choro materno daquelas que nunca mais
puderam abraçar seus filhos, levados delas no meio da escuridão da noite. Na
letra, ele testemunha a dor sentida pelas mães, colocando todo a tristeza e
desespero delas em sua voz.
Assim se encerra esse
magnífico trabalho do U2.
LEGADO DO “THE JOSHUA TREE”
Após o lançamento do álbum,
o U2 iniciou uma longa tour pelos EUA e Canadá, seguida da Europa e, novamente,
pelos EUA. Instantaneamente o lançamento do novo trabalho do U2 foi
reconhecido, se tornando líder de vendas rapidamente em vários países do mundo.
Os três primeiros singles
lançados do álbum (“With or Without You”, “I Still Haven´t Found What I´m
Looking For” e “Where the Streets Have no Name”) foram todos massivamente
executados nas rádios e se tornaram novos chamarizes para as multidões que
compraram ingressos para verem ao vivo aquela que acabara de se tornar a maior
banda do mundo.
Pela quarta vez na história,
uma banda apareceu na capa da revista Time. Anteriormente, apenas os Beatles,
The Band e o The Who haviam recebido tal tratamento especial. Agora chegara a
vez do U2.
A crítica musical
especializada, de uma maneira geral, elogiou muito o novo trabalho deles, pois
eles conseguiram mesclar os experimentos sonoros e texturas atmosféricas do
álbum anterior, “The Unforgettable Fire”, com músicas mais agressivas, no
estilo do terceiro álbum do U2, o também clássico “War”.
Na véspera da sessão de
fotos para o novo trabalho, o fotógrafo holandês Anton Corbijn sugeriu que as
árvores conhecidas como “Joshua Trees” fossem usadas na capa. Ao notar a
simbologia da árvore, que nasce no deserto e busca água nas profundezas do solo
para sobreviver e florescer, Bono sugeriu que o álbum fosse chamado “The Joshua
Tree”. No dia seguinte, ao encontrarem uma árvore totalmente sozinha e isolada,
tiveram a certeza de que haviam encontrado a protagonista da capa do álbum e
que também lhe emprestaria o seu nome.
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A Joshua Tree original ao fundo |
Durante a sessão de fotos no
meio do deserto, em Zabriskie Point, no Vale da Morte, a banda adotou um visual
definido por eles como “imigrantes europeus deslocados chegando ao deserto”.
Mantiveram tal visual durante todos os vídeos, shows e aparições públicas na
época. Assim como as tours anteriores do U2, a que promoveu o lançamento do
novo trabalho da banda foi uma produção minimalista e austera, usando apenas um
cenário com a silhueta da “Joshua Tree”, que serviu de fundo do palco em todos
os shows da tour original.
Em 1988 o U2 ganhou dois
prêmios Grammy. Um pelo álbum do ano de 1987 e o outro por ter sido eleito pela
melhor Performance de Rock por um grupo com vocal.
Um fato curioso ocorreu
quando a banda oficialmente se tornou a número 1 da parada dos EUA. Eles
estavam em Las Vegas e foram convidados para assistirem à um show de Frank
Sinatra.
O veteraníssimo cantor,
durante sua apresentação, disse à plateia que queria os apresentar aos artistas
que estavam no topo da parada do país naquele momento. Chamou o U2, que se
levantou de sua mesa, e pediu que todos lhes dessem uma salva de palmas. A
banda agradeceu, constrangida pela atenção inesperada, e ficou ainda mais
embaraçada quando Sinatra disse a eles: “Vocês podem ser o número 1 das
paradas, mas não gastaram sequer um centavo em suas roupas!”, o que fez com que
todos os presentes caíssem em gargalhadas, incluindo a própria banda. Após o
show, Frank Sinatra os recebeu no camarim, no qual ficaram conversando sobre
música por horas. O veterano cantor adorou os irlandeses e estabeleceu uma
grande amizade com eles, tanto que pouco tempo depois convidou Bono para gravar
com ele em seu álbum de duetos, no qual Bono interpretou “I´ve Got You Under My
Skin” com seu ídolo, conhecido como “Velhos Olhos Azuis”.
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Bono e Frank Sinatra |
O sucesso total gerado pelo
álbum “The Joshua Tree” fez com que o U2 passasse a fazer parte das maiores
bandas da história, como os Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, Queen, Pink
Floyd e algumas outras.
Os shows ficavam sempre
lotados e as vendas apenas deste álbum totalizaram 25 milhões de cópias, tornando-o
um dos mais vendidos da história da música.
Em 2014, “The Joshua Tree”
foi escolhido para o Hall da Fama do Grammy dos EUA por ter se tornado “parte
de nossa história cultural, social e musical”. Além disso, no mesmo ano o álbum
também foi selecionado para ser preservado na Biblioteca do Congresso dos EUA
por ter sido considerado “culturalmente, historicamente e esteticamente
significativo”. É a única obra irlandesa que recebeu tal honra.
“The Joshua Tree” é muito
mais do que um álbum, é um monumento à obra dos grandes músicos irlandeses que
conseguiram conquistar o mundo com seu talento, carisma e criatividade. O U2
conseguiu fazer muitos outros álbuns de sucesso depois desse, mas nenhum deles
foi capaz de superar o legado daquele é verdadeiramente um clássico eterno.
Ao longo das mais de três
décadas que se passaram desde o lançamento do álbum, praticamente todos os
diversos caminhos seguidos pela banda, de uma certa forma, tem sido uma reação
ao sucesso e legado do “The Joshua Tree”.
Em 2017, o U2 decidiu fazer
uma tour comemorativa aos 30 anos de lançamento do álbum. Desta vez, além dos
países que haviam visitado na tour original em 1987, incluíram uma festejada
passagem pela América Latina, que não tivera a oportunidade de vê-los ao vivo 30
anos antes. Visitaram o México, Colômbia, Argentina, Chile e Brasil, onde
fizeram pela primeira vez em sua carreira, 4 apresentações em uma mesma cidade,
em São Paulo.
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The Joshua Tree 2017 no Brasil |
Eu tive o privilégio de
assisti-los na noite final em São Paulo em 2017, que também foi a última da
tour naquele ano, pois ela foi retomada apenas em novembro de 2019, quando a concluíram
fazendo apresentações na Oceania e Ásia. O clima na plateia em São Paulo foi de
total celebração e alegria, contagiando os músicos, que fizeram uma apresentação
inesquecível, com direito a uma participação especial de Daniel Lanois, um dos
produtores do álbum, na faixa “Mothers of the Disappeared”.
Até hoje “The Joshua Tree” é
um marco na carreira do U2, uma espécie de farol guia, iluminando as novas
aventuras e experiências musicais da banda, os encaminhando para descobrirem novas
paisagens sonoras em lugares inexplorados.
Bono, The Edge, Adam Clayton
e Larry Mullen Jr. sabem que sempre poderão olhar para trás e se orgulharem de
terem concebido uma obra prima imortal.
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pensarnaoeproibidoainda@gmail.com
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U2 by U2 – Bono, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen
Jr.
U2 – The stories behind the songs – Niall Stokes
U2 – A Diary – Matt McGee
DVD – Classic Albums – U2 – The Joshua Tree
LINKS PARA O YOUTUBE
https://www.youtube.com/watch?v=ei_eUQ7YYfA&list=PL_T4BMiCVGyG6szxtzdtkpqNfAPEj84px&index=91&t=0s
https://www.youtube.com/watch?v=kmTTHdPYMEY&list=PL_T4BMiCVGyG6szxtzdtkpqNfAPEj84px&index=11&t=0s
https://www.youtube.com/watch?v=e3-5YC_oHjE
https://www.youtube.com/watch?v=GzZWSrr5wFI
https://www.youtube.com/watch?v=ujNeHIo7oTE
https://www.youtube.com/watch?v=qrXTQ5JFJCc
https://www.youtube.com/watch?v=yLvpZwN9Oko
https://www.youtube.com/watch?v=x6ifY1UV3CM
https://www.youtube.com/watch?v=0eCv0bXFppc
https://www.youtube.com/watch?v=ldvTYPhvhTM
https://www.youtube.com/watch?v=QGAQ4uXeH1c
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